Analógico

Analógico: Personagens silenciosos e como nos identificamos com eles

Alguma vez você já se questionou sobre a capacidade de falar dos protagonistas de jogos da Nintendo? O Link não fala, o Mario interage com ... (por Fábio Garcia em 25/07/2012, via Nintendo Blast)

Lógico que ele não fala, o bigode tapa a boca! Alguma vez você já se questionou sobre a capacidade de falar dos protagonistas de jogos da Nintendo? O Link não fala, o Mario interage com algumas poucas frases de efeito e os personagens de Pokémon falam através de três pontinhos. Acredite, há um motivo para que todos esses personagens da Nintendo não falem, e isto está relacionado à imersão. Nesta matéria, vamos discutir um pouco sobre estes personagens silenciosos e refletir sobre a maneira que esta falta de palavras nos aproxima deles.

Mudos, porém reativos

Antes de começar o assunto, é interessante fazermos uma diferenciação entre um personagem mudo e um personagem cujas falas não aparecem. Como o próprio nome já diz, um “personagem mudo” é alguém com incapacidade de produzir som, já um personagem silencioso (essa é a classificação dada) é alguém que tem a habilidade da fala, porém não vemos indicativo disso. Há ainda outra classificação de personagens silenciosos, os “discretos”, mas neste caso tem mais a ver com a sua própria personalidade que por qualquer motivo de identificação com o jogador. Vamos nos focar nos personagens silenciosos reativos, cujas falas não estão lá, embora eles falem por outros meios.

Foi daqui que chamaram um jardineiro? Link e Mario são dois tipos de personagens silenciosos. O primeiro é fácil de deduzir, pois em seus jogos só ouvimos interjeições, mas e o segundo? O Mario tem inclusive um dublador (Charles Martinet) que grava suas falas, como ele pode ser considerado um personagem silencioso? Talvez essa classificação fique mais simples se observarmos um exemplo de cada um deles. Em The Legend of Zelda: Ocarina of Time (N64), há o momento quando Link invade o jardim do castelo de Hyrule e se encontra com a princesa Zelda. Ela pergunta ao protagonista “qual o seu nome?” e, após um visível silêncio, ela responde “Link?”. Veja bem, nós jogadores não vimos a boca de Link mexendo, nem uma caixa de diálogo com o nome do protagonista e muito menos um som que indique uma fala, mas é inquestionável que o personagem, naquele momento, respondeu “Link”.

Super Mario estrelando "Férias Frustradas com a Família" Já com Mario o exemplo é bem interessante. Em Super Mario Sunshine (GC), logo no começo, Mario está em viagem à Ilha Delfino com a Princesa Peach e o então estreante Toadsworth. Após a tumultuada chegada ao aeroporto da ilha, graças à gosma que se encontrava na pista de pouso, todos descem para investigar. Em um dos cortes de cena, aparece um momento em que Toadsworth e Mario estão conversando. O encanador até mexe a boca e gesticula com as mãos, porém não ouvimos uma palavra sequer. Desta forma, assim como Link, é inegável dizer que Mario tem a capacidade de produzir som, porém não vemos isto nos jogos.

No mundo da Nintendo, muitos personagens seguem este estilo silencioso. Donkey Kong, Samus Aran, os protagonistas de Pokémon, os personagens principais de Animal Crossing etc. E cada um deles não fala por uma opção do criador do jogo, e tem a ver com a imersão.

A identificação através da falta de palavras

I'm so cool! Não é incomum encontrar na internet diversas críticas à nova versão do Sonic. Uma das principais reclamações é que o personagem ganhou uma personalidade graças à voz. Desde Sonic Adventure (DC e GC), Sonic tornou-se altivo e malandro, combinando o visual com uma voz mais “cool”. Na cena inicial de Sonic and the Black Knight (Wii), o ouriço exibe seu estilo mais revoltado com suas frases engraçadinhas e sua vontade de comer hot-dogs. Ou seja, colocando esta personalidade no Sonic, a Sega o afastou de alguns jogadores. Ou pelo menos é um dos motivos da rejeição recente do Sonic. Outro exemplo de personagem que não conquistou a simpatia dos fãs foi Samus Aran, em Metroid: Other M (Wii). A Samus “tagarela” criada pelo estúdio de produção do jogo se distanciou da Samus silenciosa dos games anteriores, e muitos jogadores não sentiram a empatia pela personagem.

Já Mario, por exemplo, consegue nossa identificação ficando em silêncio. Ele apenas reage aos estímulos das fases, assim como nós mesmos. As frases dubladas que os produtores escolhem são apenas para dar um toque cômico, nunca para a imersão. Quando é tragado por um buraco negro em Super Mario Galaxy (Wii), o grito do Mario se distorcendo acaba servindo como um prelúdio à musiquinha que indica que você perdeu uma vida.

Imersão é o maior motivo do uso de personagens silenciosos. Em entrevistas, Shigeru Miyamoto já afirmou que deu o nome de Link ao protagonista de The Legend of Zelda porque ele gostaria que criasse um “link” (“elo” em inglês) com o jogador. A identificação com o personagem é causada graças a inúmeras estruturas no jogo: Link sempre começa o jogo acordando e somos apresentados ao mundo novo, a evolução das habilidades acontece simultaneamente ao crescimento das habilidades do jogador e, por fim, o personagem ser silencioso te faz acreditar que o Link é você mesmo.

... ... Muitas vezes a ausência de falas pode ser usada para causar um impacto, ou uma referência. Os personagens principais de Pokémon não falam, mas o que aconteceria se dois se encontrassem? No final de Pokémon Gold & Silver (GBC), achamos um treinador no fim da jornada. Ao conversar com ele, a caixa de diálogo mostra só um “... …” e logo é revelado que ele é o Red, protagonista de Pokémon Red & Blue (GB). Além de ser uma brincadeira metalinguistica (ou seja, o jogo fazendo referência a algum elemento do próprio jogo) sobre os personagens não falarem, ainda dá um impacto no momento. Você pode não concordar com uma palavra que eu disse, mas você também acha o silêncio do Red muito mais forte que qualquer frase que a equipe de produção pudesse ter colocado.

Ainda sobre Pokémon e Zelda, quer maior prova que a intenção é fazer o jogador se identificar com o protagonista que a liberdade na escolha dos nomes? Em ambos os jogos, você tem a possibilidade de colocar seu próprio nome, e assim será chamado durante todo o jogo. O ponto, então, é a identificação.

A evolução das questões técnicas

Quero ver manter esta pose depois de perder. No mundo dos videogames, não só no mundo dos jogos Nintendo, personagens silenciosos são bem comuns. Ou pelo menos eram. Antigamente, com as limitações técnicas, era muito mais fácil usar um personagem que falava através de suas ações ao invés de criar seus diálogos. Hoje em dia temos espaço de sobra nas mídias, permitindo protagonistas com diálogos dublados e outros detalhes antes impossíveis. A opção por personagens silenciosos, então, passa a ser mais artística que técnica. Muitos textos podem ser encontrados analisando personagens recentes que possuem a característica de serem silenciosos.

Mesmo com essa evolução técnica, a Nintendo ainda utiliza o recurso do personagem silencioso como uma técnica efetiva de imersão, e podemos até dizer que faz parte do “estilo Nintendo” de se criar jogos. E você, lembra de mais algum personagem silencioso que tem esta característica para você se sentir próximo a ele? Conte para nós nos comentários.

Revisão: Mateus Pampolha


Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


  1. Tópico muito interessante. Você podia citar a fonte das informações!

    ResponderExcluir
  2. Se esqueceram de mencionar o Crono (Chrono Trigger)! Um belo exemplo de jogos de RPG com personagens silenciosos, além de ser de outra empresa. Também temos a protagonista de Portal e Portal 2, que eu já esqueci o nome... '-.-

    ResponderExcluir
  3. Falei disso com um amigo dias atrás, estávamos discutindo sobre a série Dead Space e disse que achava genial o silêncio absoluto de Isaac Clarke durante todo o primeiro jogo (inclusive seu rosto só aparece em 2 ocasiões), essa característica só contribui ainda mais com a imersão e faz com que você "encarne" o solitário (e quieto) engenheiro!

    No segundo jogo o personagem "ganha" falas e uma personalidade mais independente (antes ele só obedecia ordens), resultado: perdeu toda empatia conquistada em DS1... E não por acaso, perde-se também grande parte do terror presente no primeiro game.

    A EA tinha uma grande franquia em mãos, mas fez o favor de estragar...

    ResponderExcluir
  4. yamiryuu_zero

    é que na matéria só foi usado jogos feitos pela nintendo. E Samus e Sonic quando começaram a falar ficaram bem mais chatos

    ResponderExcluir
  5. Não entendo porque as empresas insistem em fazer personagens que se parecem mais atores de cinema. Por isso os jogos da Big N cativaram e cativam até hoje muitos jogadores de diversas idades.

    A imersão é inegável quando não há fala ou personalidade definida em um personagem, pois transferimos toda nossa personalidade ao personagem. Além dos títulos pela matéria e pelos leitores, um outro exemplo clássico de personagens silenciosos são da série LEGO. Além do apelo da própria marca e estilo artísticos dos jogos, sem dúvida o fato dos personagens serem mudos (talvez até por serem brinquedos) divertem tanto crianças quanto adultos.

    ResponderExcluir
  6. Desculpem-me pela digitação tosca anterior... as mãos se anteciparam ao cérebro.

    ResponderExcluir

Disqus
Facebook
Google