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Análise: The Legend of Legacy (3DS) é um RPG incomum e desafiante

Com foco na exploração e combate, esse JRPG traz uma experiência bem diferente de outros títulos do gênero.


The Legend of Legacy é um RPG fora do comum. Lançado pela Atlus para o 3DS, esse jogo, em uma primeira olhada, lembra um JRPG clássico: controle um grupo de heróis, explore calabouços e enfrente inimigos em um combate por turnos. Entretanto, The Legend of Legacy tem vários sistemas nada usuais e um foco diferenciado, sendo o resultado uma aventura bem única.

Desenvolvido pela nipônica FuRyu, o jogo contou com a participação de pessoas que trabalharam na série de JRPGs SaGa, o que justifica a semelhança entre The Legend of Legacy e os títulos dessa outra franquia — fãs até consideram o jogo de 3DS uma espécie de sucessor espiritual.

Avalon, a ilha dos mistérios

Toda a trama do jogo se passa em uma imensa ilha chamada Avalon, que, segundo uma lenda, é lar de um poderoso artefato mágico chamado Star Graal. O local surgiu misteriosamente durante uma exploração e aventureiros de todo o mundo decidiram ir para lá em busca de fama e tesouros. The Legend of Legacy tem sete protagonistas, cada qual com objetivos distintos. Alguns exemplos: Eloise é uma bela alquimista que procura a fonte da vida eterna; Garnet é uma templária enviada pela Igreja para investigar falsos deuses presentes na ilha; Filmia é um sapo e príncipe de um reino antigo e está em busca de outros da sua espécie.


Não se deixe enganar pela presença do roteirista de Chrono Trigger na produção de The Legend of Legacy: o foco é a exploração. Mesmo com muitos personagens únicos, a trama do jogo é leve e a quantidade de diálogos é mínima. A personalidade dos heróis não é explorada e só conhecemos um pouco de suas motivações na cena de abertura de cada um. Eventualmente, eles fazem alguns comentários durante a jornada, mas não chega a ser nada digno de nota. Até existe uma trama sobre o passado de Avalon, que é revelada pouco a pouco durante a aventura, mas ela é enigmática e truncada, sendo necessária muita atenção e até um pouco de dedução para conseguir entender alguma coisa. É uma pena, pois eu gostaria muito de ter conhecido mais um pouco sobre a motivação e a personalidade de alguns personagens.

Explorar é necessário

Descobrir os detalhes topográficos da ilha é o principal objetivo em The Legend of Legacy. Os heróis exploram florestas, desertos, ruínas e vários outros locais a fim de conhecer o passado de Avalon. A exploração, na maior parte do tempo, consiste em somente andar pra lá e pra cá, sempre buscando novos caminhos. Em alguns momentos, puzzles simples aparecem e nos exigem visitar certas partes do cenário em uma ordem específica. Pode parecer algo monótono, mas é divertido tentar encontrar novas áreas ao mesmo tempo em que se mapeia a área, busca tesouros e enfrenta inimigos.


Uma das características que mais gostei na exploração reside no fato sobre como as ações do grupo influenciam o mundo. Um exemplo é quando você vende um mapa completo na vila: após isso, outras pessoas aparecem nos calabouços e elas podem te dar informações úteis ou até mesmo novas habilidades, além de contarem suas histórias no bar. Certas estruturas só podem ser ativadas com poderes elementais e elas, normalmente, mudam alguma coisa nos cenários, abrindo novos caminhos. Tudo isso é, também, um incentivo para revisitar áreas.

Um combate bem estratégico

The Legend of Legacy conta com um sistema de batalha por turnos e apresenta várias características únicas — muitas herdadas de outros jogos da série SaGa.

A primeira questão interessante tem a ver com as ações em combate: os equipamentos definem o que cada herói pode fazer em batalha. Uma espada me permite atacar, um escudo é necessário para se defender das investidas inimigas, um kit de primeiros socorros permite curar aliados. Todos os personagens podem equipar qualquer item, o que permite fazer inúmeras combinações. A magia também está disponível, mas funciona de jeito inusitado: primeiro, o grupo deve fazer um contrato com um dos elementos básicos (vento, fogo ou água), só depois disso que é possível conjurar os feitiços. Acontece que os inimigos podem roubar o seu contrato e vice-versa, o que exige atenção do jogador.


Outro ponto importante do combate são as formações. Cada um dos três heróis que participam do combate podem assumir três papéis: ataque, defesa ou suporte. Posições de ataque aumentam a força dos golpes; o papel de defesa protege todo o grupo simultaneamente e melhora a efetividade das técnicas defensivas, já a posição de suporte aumenta a velocidade de ação e capacidade de cura daquele personagem. É possível montar várias formações misturando os vários papéis, além das posições poderem ser alteradas no início de cada turno.

Por fim, o jogo usa mecânicas bem inusitadas no campo de energia (ou HP) dos personagens. Reviver guerreiros derrotados durante o combate é simples: basta usar alguma magia ou item de cura qualquer. O detalhe é que toda vez que um herói é nocauteado ele perde parte de seu HP máximo — morrer várias vezes significa ter um personagem bem frágil. Por sorte, a energia de todos os personagens é recuperada após cada batalha, mas isso não deixa as coisas mais fáceis por conta da grande quantidade de confrontos. Para retornar o HP máximo ao seu estado normal, é necessário dormir na estalagem.


Os sistemas de batalha de The Legend of Legacy são bem interessantes e flexíveis, o que permite inúmeras estratégias diferentes. Dominá-los é extremamente importante, já que a dificuldade é bem alta e os calabouços estão infestados de monstros — perdi a conta das vezes em que fui derrotado. O mais legal é que, na maioria das vezes, é possível derrotar inimigos muito mais fortes que seu grupo somente com uma boa estratégia (e doses de paciência). O ponto negativo é que, fora um pequeno tutorial no início do jogo, nada nada é explicado direito — o jogador tem que se virar para entender os detalhes dos sistemas de jogo, o que pode ser frustrante para alguns por conta do alto desafio.

A força que vem da prática

Os heróis de The Legend of Legacy não têm pontos de experiência e se desenvolvem de uma maneira diferente: recebem atributos de acordo com as suas ações executadas em combate. Um personagem que sempre utilizar o papel de defesa terá, naturalmente, mais pontos de defesa. Já outro que sempre ataca, terá maior força. A mesma coisa acontece com as habilidades: para aprender novas técnicas, é necessário usar o mesmo tipo de arma continuamente. Algo legal é que os personagens podem aprender técnicas novas durante o combate, isso pode mudar os rumos da batalha drasticamente. Como qualquer personagem pode equipar qualquer item, é possível transformar todos os heróis em qualquer tipo de guerreiro.


É um sistema interessante, mas a falta de informações sobre ele atrapalha um pouco o planejamento. Em muitos momentos, meus heróis demoraram inúmeras batalhas para receber melhorias de atributos e novas técnicas. Já em alguns combates, determinado personagem aprendeu vários ataques novos de uma única vez. Percebi, então, que é bem mais fácil melhorar os atributos dos personagens ao enfrentar inimigos mais poderosos, e que alguns heróis aprendem técnicas de certas armas mais facilmente, contudo não custava nada jogo dar algumas dicas sobre isso. O curioso é que isso dificulta o tradicional grind, o que força o jogador a montar boas estratégias.

Uma bela ilha

A experiência de explorar Avalon fica ainda mais agradável por conta do visual e da sua música. The Legend of Legacy conta com gráficos que lembram uma pintura, de maneira bem parecida com o que foi feito em Bravely Default (3DS). Cada região é bem construída e conta com pequenos detalhes próprios, é tudo bem orgânico. Algo bem legal é mostrado na maneira como o cenário é montado: árvores, pedras e outros objetos do cenário surgem de dentro da terra, como se fosse um livro do tipo pop-up. A sensação que tive era a de realmente estar descobrindo um novo mundo conforme explorava mais a região, por mais que em alguns momentos desse de cara com um caminho sem saída ou com inimigo qualquer por conta do aparecimento repentino de um obstáculo.


A música é outro destaque e é de autoria de Masashi Hamauzu, que trabalhou em alguns jogos da série Final Fantasy e outros títulos da série SaGa. A trilha sonora é variada e repleta de violinos e piano, com alguns toques de sons eletrônicos. Em um momento, você ouve uma animada composição com violino para a vila de Initium; já o mapa conta com uma música enigmática e convidativa; ademais, o tema principal de batalha é intenso e memorável com sua mistura de piano e violino. A sensação de ouvir a música do jogo é um misto de clássico com toques de misticismo e modernidade — algo que combina muito bem com a proposta do jogo.

Viajando na companhia de aventureiros

Jogar The Legend of Legacy é uma experiência inusitada. Em um primeiro momento, parecia que eu estava jogando mais um daqueles títulos da década de 90 que mal tinham história e apresentavam um alto desafio. Esse RPG resgata um pouco isso e vai além.


É muito divertido explorar os vários calabouços do jogo: existem segredos para serem encontrados e inimigos poderosos para vencer. O desafio é bem alto, tanto que em muitos momentos meu grupo estava bem debilitado e eu só queria saber de fugir dos monstros — a tensão é constante. De qualquer maneira, gostei muito do sistema de batalha por exigir uma boa dose estratégica para vencer. É muito recompensador enfrentar monstros poderosos e, durante o combate, aprender novas técnicas que mudam completamente o rumo do embate. A ambientação é complementada pelo ótimo visual e música.

A história não é o ponto forte de The Legend of Legacy, mas, sinceramente, isso pouco afetou minha experiência com o jogo — fiquei muito mais entretido na exploração e no combate, aliás, prefiro isso a uma trama repleta de clichês. Mas confesso que gostaria que os personagens fossem melhor desenvolvidos, afinal, cada um deles tem um design bem único e motivações bem interessantes. Ou seja, se você gosta de histórias elaboradas e repletas de reviravoltas, The Legend of Legacy não é para você.


Outro problema que me incomodou é a ausência de clareza sobre os sistemas de jogo. Nunca soube direito como e porque meus personagens ganhavam novos níveis e atributos. Também não entendi certas inconsistências: meu mercenário Owen, que é recomendado para ataques físicos, aprendeu mais feitiços que o sapo Filmia, que, supostamente, tem maior afinidade com magia. Existe sim liberdade para moldar os personagens, mas alguns realmente se dão melhor com certos equipamentos — a não ser que você os treine exaustivamente.

Uma aventura incomum

The Legend of Legacy é um RPG fora dos padrões, assim como os títulos da série SaGa. A história é mínima e os personagens são subdesenvolvidos, o que é justificável por conta do foco na exploração. O combate repleto de possibilidades e o flexível sistema de desenvolvimento de heróis são os pontos altos do jogo, por mais que nada seja explicado direito. O ótimo visual e a excelente música complementam a experiência. The Legend of Legacy é para aqueles que procuram um RPG não convencional e repleto de desafios.

Prós

  • Belo visual e música;
  • Sistema de batalha interessante e repleto de possibilidades;
  • Desenvolvimento flexível das habilidades dos personagens.

Contras

  • Personagens com personalidades mal desenvolvidas;
  • Ausência de explicações claras sobre os sistemas de jogo.
The Legend of Legacy — 3DS — Nota: 8.5
Revisão: Jaime Ninice
Capa: Daniel Serazane

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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