A história dos JRPGs — NES (Parte 1)

Relembre os primeiros RPGs japoneses do NES/Famicom.

Semana passada iniciamos um ambicioso projeto: recontar a história dos RPGs japoneses. No primeiro artigo da série, falamos sobre os JRPGs do Master System, e explicamos um pouco da ideia do projeto. Nesta semana falaremos sobre os jogos do NES ao longo de 3 partes. Hoje, entre outros interessantes títulos, comentaremos sobre importantes séries, como Dragon Quest, Final Fantasy e Megami Tensei.


Lançado no Japão em 15 de julho de 1983 com o nome Famicom (Family Computer, ou computador da família), o NES chegaria ao Ocidente cerca de dois anos depois, na sua versão americana. No ano seguinte chegou à Europa, e só chegou ao Brasil de forma oficial em 1993, 10 anos após seu lançamento japonês. O console, que vendeu mais de 60 milhões de unidades, trouxe pela primeira vez séries que atravessaram décadas: Zelda, Metroid, Mario Bros., Mega Man, Kid Icarus, entre outros. E quando o assunto são os JRPGs, a história não foi diferente. Vem com a gente nessa viagem.

Hydlide

Desenvolvedora: T&E Soft. Lançamento: 18 de março de 1986.

A primeira, e mais importante, informação sobre o título é que ele é considerado um jogo ruim. Em uma primeira olhada, não é estranho compará-lo com The Legend of Zelda (1986). Mas Hydlide é um game mais antigo que LoZ, visto que foi originalmente publicado em dezembro de 1984, para PC-6001 e PC-8801. Entretanto, a diferença, tanto de proposta quanto de qualidade, é substancial. O game da T&E Soft é um RPG de duração curta, focado na repetição e em um sistema de batalha pouco empolgante: podemos mudar entre modo ataque e defesa para ir de frente aos inimigos (o chamado bump system) e rezar para sair vitorioso do embate.

O jogo traz uma história sucinta: no começo vemos um dragão atacar uma princesa, fazendo ela se dividir em 3 fadas. Nossa tarefa é encontrar as fadas e vencer o dragão no castelo final. Parece divertido, mas não é. Hydlide traz uma série de opções de design ineficazes e apenas três faixas músicas, sendo que uma delas toca em loop durante o jogo inteiro (que, aliás, é muito parecida com o tema de Indiana Jones, de 1981).

Dragon Quest

Desenvolvedora: Chunsoft/Enix. Lançamento: 27 de maio de 1986.

Se Dragon Quest é considerado o primeiro RPG japonês, Yuji Horii seria o pai do gênero. O termo JRPG não vem apenas de uma questão geográfica, mas sobretudo de diferenças significativas entre um Final Fantasy, por exemplo, e um Wizardry ou Ultima. Sistemas, mecânicas, temáticas, personagens, ambientação, narrativa, enfim, toda uma gama de distinções que fazem com que aquilo que se cataloga como um JRPG seja tão diferente daquilo que chamamos de WRPG.

O primeiro Dragon Quest é a pedra fundamental disso. Entretanto, sua ligação com os RPGs Ocidentais não é reduzida. No começo dos anos 1980, diversos jogos do gênero chegaram, oficialmente ou não, aos computadores japoneses. Entre tantos títulos, os já citados Wizardry e Ultima foram essenciais para a formação de Yuji Horii como game designer. O desenvolvedor resolveu criar um jogo menos complexo que estes, que poderia ser jogado por um público mais amplo, de crianças a adultos.
Encontrou no Famicom o sistema perfeito. Aí a questão era desenvolver o título de forma que com apenas dois botões o jogador poderia dar todos os comandos em um RPG. Em Dragon Quest não precisamos montar os atributos de nosso personagem, não precisamos lidar com diversos sistemas complexos, apenas seguir nossa jornada com muito grinding, exploração e backtracking.

A história é simples, mas simpática: o rei nos dá a missão de resgatar a princesa e vencer o Dragonlord, tudo isso seguindo os passos do lendário herói Erdrick. A partir daí é batalhar muito, ficar feliz quando aparecer um golem dourado, gastar dinheiro com novos itens e explorar para conseguir as relíquias necessárias para chegar até o temido Dragonlord. Horii, em entrevista, diz que via a necessidade do grinding como um sistema de abnegação, no qual o jogador deveria se esforçar muito para conseguir o novo LVL, o novo item.
Capa americana, já com a alteração do nome.
Fosse pela arte de Akira Toriyama, pela música de Koichi Sugiyama, ou pela simples genialidade de Yuji Horii, Dragon Quest se tornou o simbolo de todo um gênero, uma das séries mais amadas no Japão e o “marco inicial” desta história que estamos contando.
Deadly Towers e The Legend of Zelda
Seja pela atmosfera, história, ou por algum outro fator, certos jogos de aventura e ação são ligados ao gênero dos RPGs japoneses. É o caso desses dois títulos, parecidos quando pensamos em suas descrições, e completamente diferentes do ponto de vista de execução e do resultado final do jogo. Ambos lançados em 1986, Deadly Towers é geralmente considerado um dos piores títulos do NES, enquanto The Legend of Zelda tornou-se um clássico e um dos jogos mais celebrados da história dos games.

Dragon Quest II

Desenvolvedora: Chunsoft. Lançamento: 26 de janeiro de 1987.

Por Alexandre Wolowski

Após o sucesso do primeiro jogo, era a hora de inovar e contar uma nova história para os jogadores. Passando-se cem anos após os eventos do primeiro Dragon Quest, o enredo começa com um ataque liderado pelo poderoso mago Hargon ao castelo de MoonBrooke. Hargon tem como objetivo invocar o demônio mais poderoso de todos, chamado de Malroth.

Sabendo do ocorrido, o rei de Midenhall envia seu filho, que é descendente de Erdrick, para derrotar Hargon. Em sua jornada ele encontra aliados, como o Príncipe de Cannok e a Princesa de Moonbrook, os quais compactuam do mesmo objetivo. Com muitas melhorias em relação ao seu sucessor, Dragon Quest II também introduziu a possibilidade de controlar mais de um personagem da sua equipe, sendo o primeiro jogo da série a fazer isso.
Impensável para nós hoje em dia, mas nos anos 1980 a opção era por "ocidentalizar" a capa da versão americana, ao invés de usar os traços de Akira Toriyama.

Glory of Heracles (Heracles no Eikou)

Desenvolvedora: Data East. Lançamento: 12 de junho de 1987.

Em meados de junho de 1987, a série Dragon Quest já era um título de peso no mercado japonês. O uso da temática da mitologia grega também não era uma novidade, já que Kid Icarus havia estreado no Famicom em 1986. Glory of Heracles, ou 闘人魔境伝 ヘラクレスの栄光 no original japonês, uniu a mitologia grega com as mecânicas de Dragon Quest.

Assim como o primeiro título de Dragon Quest, controlamos apenas um guerreiro em Glory of Heracles. Em sua busca para liberar Venus das mãos de Hades, Hércules vence diversos desafios baseados na história dos “doze trabalhos de Hércules”. O sistema de batalha e de exploração do mundo se assemelham bastante aos de DQ.

The Magic of Scheherazade

Desenvolvedora: Culture Brain. Lançamento: 3 de setembro de 1987.

Além dos mundos de fantasia inspirados em dragões e heróis de capa e espada, os RPGs já se inspiravam em diferentes cultura e mitologias do mundo, como vimos em Glory of Heracles e também aqui em The Magic of Scheherazade (アラビアンドリーム シェラザード). Dessa vez devemos guiar o descendente do mago Isfa pela Arabia para livrar o mundo das maldades do vilão Sabaron, e resgatar Scheherazade e sua família.

O visual do jogo é bem trabalhado, o personagem principal tem uma roupa muito simpática e que o destaca na tela. O sistema de batalha não é tão diferente dos outros jogos da época, mas traz alguns efeitos interessantes. Além disso, o descendente de Isfa, cujo nome nós que damos, conta com a ajuda de 11 personagens que se juntam à equipe.

Digital Devil Story: Megami Tensei

Desenvolvedora: Atlus. Lançamento: setembro de 1987.

Por Nicolas Tavares

Hoje famosa, a série Shin Megami Tensei começou no NES em 1987 com Digital Devil Story: Megami Tensei (デジタル・デビル物語 女神転生, em japonês). Foi desenvolvido pela Atlus e publicado pela Namco (na época chamada Namcot), utilizando como base a série Digital Devil Story, escrita por Aya Nishitani. Megami Tensei, que significa ressurreição da deusa, é o primeiro livro da franquia.

O jogo é uma continuação dos livros. Depois de ter criado um programa de computador que permite invocar demônios, Akemi Nakajima teve que enfrentar Loki e Set. A batalha e o resgate de sua amada Yumiko Shirasagi acabou deixando um portal aberto entre o reino humano e o demoníaco. Lucifer sequestra a deusa Izanami e sobra para o casal ir até o outro mundo salvar a divindade.

Toda a ação acontece em primeira pessoa e estamos sempre navegando dentro de uma dungeon. As batalhas aleatórias acontecendo da mesma forma que Dragon Quest ou Final Fantasy: os personagens agem em turnos e escolhem suas ações.

O grupo é formado por Nakajima, capaz de usar seu computador para invocar ou tentar convencer um demônio a entrar para a equipe; Yumiko pode usar magia para curar ou atacar; e os três espaços restantes são reservados para as criaturas invocadas por Nakajima. Como no restante da série, podemos fazer fusão de demônios para obter aliados mais fortes, já que eles não ganham experiência.

Graficamente, é um jogo feio. As cutscenes não são ruins, mas as dungeons têm paredes mal trabalhadas cercadas de preto (até o chão é preto). Os inimigos variam de “bacana esse monstro” para “minha irmã de três anos desenha melhor que isso”. A trilha sonora é muito boa, mas a repetição começa a desgastar as músicas. Por sorte, a Atlus aprendeu com os erros quando lançou a continuação.

Final Fantasy

Desenvolvedora: Square. Lançamento: 18 de dezembro de 1987.

Por Alexandre Wolowski

Em meados de 1987, a pequena desenvolvedora de jogos Square passava por dificuldades financeiras. Após inúmeros jogos fracassados como: Alpha, Death Trap e King’s Knight, era hora de dar um jeito na Crise. Porém, a empresa possuía poucos recursos para conseguir desenvolver um jogo com grandes nomes.

Então, o diretor de planejamento e de desenvolvimento da Square, Hironobu Sakaguchi, resolveu por sua mão e desenvolver algo grande. Mas, havia um problema, ele sabia de suas limitações e que não era bom em fazer jogo de ação. A saída mais fácil foi, então, fazer o que ele sabia fazer de melhor: contar uma história. E então ele contou.
Para a capa americana de Final Fantasy, a Square escolheu não usar os traços de Yoshitaka Amano.
 O mundo estava sendo assombrado por quatro demônios, que queriam dominá-lo e trazer destruição. Então surgem os Quatro Guerreiros da Luz, que possuíam quatro artefatos e tinham em seu destino a tarefa de salvar o mundo. Após uma longa jornada, os quatro guerreiros derrotam os demônios: Lich, Marilith, Kraken e Tiamat.

Mas derrotar os demônios não foi suficiente, porque eles acabaram criando o demônio Chaos que é enviado para o passado. Para derrotar Chaos, os Quatro Guerreiros da Luz precisam viajar para o passado e unir suas forças para conseguir cumprir a missão e voltar para suas casas. As famosas summons, assim como os simpáticos Chocobos e Moogles, não fizeram suas estreias no primeiro jogo da franquia, mas os cristais (tema recorrente) já marcavam presença, ainda que chamados de “orbs” na tradução original. Já em relação à batalha, Final Fantasy se diferenciava de Dragon Quest por mostrar nossos heróis na tela.

Os temas musicais de Final Fantasy e Dragon Quest

Por Luiz Roveran

Tanto Final Fantasy quanto Dragon Quest tiveram o poder de consagrar seus respectivos compositores: Nobuo Uematsu e Koichi Sugiyama. Os estilos de cada um, no entanto, resguardam diferenças entre si.

O tema de Sugiyama para Dragon Quest permeia toda a série, tem raízes claras em uma música de caráter marcial e que busca convidar o jogador à aventura. Seu início simula uma chamada feita por um naipe de trompetes, como o sinal que toca em salas de concerto e teatros avisando que o espetáculo irá começar — remete a algumas aberturas operísticas, como a do Orfeu, de Monteverdi. Seu baixo marcadíssimo, executado pela onda triangular, dá a movimentação necessária à função da peça no game.

Esteticamente, a música de Uematsu bebe da mesma fonte usufruída por Dragon Quest, mas é um tema mais contrapontístico, ou seja, com diversas linhas melódicas que se movimentam de forma independente, mas estabelecendo relações entre si. É por meio desta simultaneidade de melodias que o tema de Final Fantasy encontra força para puxar o jogador para dentro de seu mundo virtual.

Dragon Quest III

Desenvolvedora: Chunsoft. Lançamento: 10 de fevereiro de 1988.

Por Alexandre Wolowski

O terceiro jogo da série foi lançado um ano depois de seu antecessor e na cronologia da série, ele se passa antes do primeiro Dragon Quest, sendo que os três primeiros jogos da série são partes da mesma história. Agora nosso herói tem a incumbência de salvar o mundo do demônio Baramos. Fazendo amizades e reunindo aliados, o herói viaja pelo mundo percorrendo cidades e cavernas para descobrir o paradeiro do demônio para por um fim às suas maldades.

Diferentemente dos anteriores, agora a jogabilidade deixou de ser linear e o jogo dá a opção de um mundo aberto e com ciclos do dia e da noite. Ele também inseriu na série o sistema de classes, o qual seria utilizado posteriormente em outros jogos da franquia e acabaria se tornando uma  marca.

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E termina aqui o começo de nossa viagem pelos RPGs japoneses do Famicom (NES). Três séries comentadas aqui chegam a 2015 com grande força, o que faz ser relevante relembrar suas origens. Mais interessante, talvez, é resgatar títulos que ficaram no passado, que não chegam até os dias de hoje e que provavelmente não receberão remakes, mas que deixaram sua marca nessa história. Esperamos vocês na próxima parte, que será publicada na semana que vem.

Tem algum memória com esses jogos? Alguma história bacana? Não deixe de nos contar nos comentários.
Revisão: Alberto Canen
Capa: Peterson Barros

Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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