#Zelda30th: as origens da lenda

Começando as comemorações do aniversário da série, falamos sobre seus três primeiros jogos.


Trinta anos atrás o mundo era bem diferente. Star Wars tinha concluído sua primeira trilogia há pouco mais de três anos, o movimento Diretas Já aqui no país havia ocorrido dois anos antes e a Guerra Fria se aproximava do fim. Também por volta deste período algo novo e especial começava a dar seus primeiros passos: videogames. Eles já existiam há mais tempo, sim, mas ainda só estavam engatinhando. No começo de 1986 o Nintendo Entertainment System completava pouco mais de quatro meses na América do Norte, mas já caminhava para seus três anos de idade no Japão, lá sendo chamado de Famicom. A Nintendo, nessa época, planejava lançar uma “expansão” para o console: o Famicom Disk System.


O Nintendo Entertainment System
Usando disquetes como a mídia na qual os jogos ficariam armazenados, o Disk System procurava apresentar jogos maiores e com melhor qualidade visual. O principal título que seria lançado junto dele contava com a presença de desenvolvedores que atiçavam bastante a imaginação dos jogadores. Embora na época os conceitos de “direção e controle criativo” nos jogos eletrônicos não eram suficientemente levados a sério, saber que a equipe envolvida em Super Mario Bros. estava diretamente envolvida na confecção daquele novo título já conseguia gerar motivos para empolgação

Famicom Disk System
Em 21 de fevereiro de 1986, Zelda no Densetsu era lançado junto do Famicom Disk System. Mais de um ano depois, chegava à America do Norte com o nome que é mais conhecido no ocidente: The Legend of Zelda. E, depois de 30 anos, podemos afirmar que o uso da palavra “lenda” no nome da série não é só uma referência à mitologia contida nos jogos, mas também uma representação literal do status da franquia na indústria. Zelda é uma lenda para todo jogador, para todo desenvolvedor, para todo apreciador dessa mídia ainda tão nova mas que já nos é capaz de proporcionar tantas situações diferentes. Seja nos corredores vertiginosos do Forest Temple de Ocarina of Time ou na dificuldade absurda e pessimamente construída de Adventure of Link, todo mundo que jogou um título da série carrega consigo uma experiência marcante e um momento favorito.

Só que, para entender como Zelda chegou no lugar que hoje ocupa, devemos explorar as suas raízes, e é sobre isso que faremos hoje aqui.

Mario e Link, os verdadeiros irmãos Nintendo

Shigeru Miyamoto
Super Mario Bros. e The Legend of Zelda foram desenvolvidos pela mesma equipe e ao mesmo tempo. Esse desenvolvimento conjunto fez os dois jogos serem pensados com filosofias de design opostas, quase que como um exercício para quem estava envolvido no projeto: Super Mario Bros. deveria ser o jogo linear, enquanto Zelda seria o oposto. Para Shigeru Miyamoto, a melhor forma de Zelda passar isso seria tendo como inspiração principal as explorações de montanhas que ele fazia quando pequeno. Sempre lidando com o desconhecido ao andar por elas, era óbvio para ele que simular aquilo em um jogo seria o mais próximo de um oposto à linearidade de seu outro projeto.

Enquanto no Mario original, a partir do momento que a fase 1-1 aparece, é óbvio o que você deve fazer para avançar, sendo absurdamente intuitivo perceber o ponto inicial e o ponto final, Zelda só apresenta ao jogador seu ponto inicial, dando em sua primeira tela quatro possibilidades para o jogador progredir. Mas não é uma escolha igual à de Mega Man, outro clássico dos 8-bits que permite que você escolha em qual fase quer ir desde o começo em vez de jogar uma sequência pré-definida. A escolha de Zelda é sobre entender e encontrar o seu próximo passo. O jogador não sabe, mas naquele primeiro momento seu objetivo é achar a espada para poder se defender dos vários monstros que assolam Hyrule. Ela está na sua cara, mas isso é desconhecido por você. A caverna que deve ser explorada para obter a arma é tão atraente quanto os outros três caminhos. Além da tentativa e erro, como saber o que fazer?

Miyamoto tinha intenções claras quando fez o jogo desta forma. Em versões anteriores à que chegou nas lojas, Link começava o jogo com a espada em mãos. Durante testes de jogabilidade, este fato ocasionava uma reação de instinto de quem estava jogando, no sentido de que não existia a contemplação da próxima ação a se tomar, só o ataque frenético. Com a espada em mãos desde o começo, criou-se uma linearidade na forma de como quem jogava pensava em progredir. Miyamoto decidiu então deixar a espada como o primeiro item a se obter, deixando o jogador indefeso no primeiro momento, fazendo com que ele tivesse que analisar a situação que se encontrava e tomar a decisão que julgasse melhor.
A lendária tela inicial do primeiro Zelda. Note os 4 caminhos disponíveis.
E é nisso que se torna óbvia a diferença na filosofia do design de Super Mario Bros. e The Legend of Zelda. Em Mario você usa reflexos e instintos para sobreviver e chegar no seu ponto B. Em Zelda você contempla a situação para, apenas então, pensar em chegar ao ponto B. Essa forma diferente de jogar criava o que a equipe queria com o jogo: a experiência conjunta. Por vezes alguma área poderia ser tão dificil que o jogador não ficava mais preso em procurar informações dentro do jogo. Ele começava a pesquisar em revistas, conversar com amigos. Um senso de comunidade era criado, e o objetivo do jogo havia sido atingido.

Os segredos de Mario e Zelda
Curiosamente, Super Mario Bros. conta com uma característica que Miyamoto considerou como uma das poucas coisas que Mario e Zelda poderiam ter em comum: segredos.
Zelda de NES é uma grande junção de segredo após segredo para chegar na próxima parte, incentivando a interação entre os jogadores para a troca de conhecimento do jogo e como chegar em novas áreas; Mario tinha suas Warp Zones. Por mais que seja uma característica miníma para todo o resto do jogo, a localização deles foi uma informação muito trocada pelos jogadores na época, permitindo uma experiência conjunta. Claro, bem distante da que Zelda passa, mas a ideia é semelhante.

The Legend of Zelda (NES)

Após o desenvolvimento, a lenda teve seu início. A estrutura da história era extremamente básica, sendo somente a missão de salvar a princesa Zelda das mãos do terrível Ganon. Não existiam tons narrativos nem picos emocionais, o jogo funcionava somente sob essa premissa. Mas isso não é um ponto fraco, muito pelo contrário. Tal estrutura permite que a experiência com o jogo seja muito mais sobre a jornada do que o destino, tendo em vista que tudo que Link obtém e vivencia faz o game se tornar muito maior que um simples jogo de exploração.

Explorar o cemitério, descobrir a rota para sair de Lost Woods, achar os itens secretos que facilitam o jogo… Cada momento é extremamente marcante e único para cada jogador, fazendo a experiência ser muito maior do que qualquer um esperaria. Mas o mais curioso é falar tudo isso tendo em mente algo bem importante: o jogo, graças à evolução da indústria, não é mais nem de perto a experiência que foi quando do lançamento.
Essa imagem grita "queria estar vivo".
Jogar o Zeldinha (como o primeiro Zelda é popularmente conhecido) 30 anos após seu lançamento é uma experiência com pontos frustrantes. Na terceira dungeon do jogo, por exemplo, você se encontra com um inimigo chamado Dodongo. Ele só morre com o uso de bombas em sua boca, e na sala que você entra em confronto direto com ele, é obrigatório matá-lo para proceder. Mas, caso você não tenha bombas disponíveis no momento, não há nada na dungeon inteira que irá lhe abastecer, obrigando você a caminhar até o começo do templo e, uma vez fora dele, ir até outra ponta do mapa, onde está localizada a única caverna onde você pode comprar bombas. Isso é justifícavel, dada a época e como os videogames ainda eram embrionários, mas este tipo de experiência pode afastar pessoas que quiserem jogá-lo agora.

O mundo também não lhe dá dicas para onde ir, e mesmo sabendo que isso é intencional e faz parte da ideia do game (o compartilhamento de informações entre os jogadores) é muito fácil se sentir completamente desmotivado a continuar quando você está perdido.

Ao mesmo tempo, o senso de descoberta ou da própria procura de informação é fantástico. Poucos jogos que tive oportunidade de jogar conseguiram passar o senso de aventura que The Legend of Zelda passa. É surpreendente pensar que os responsáveis pelo jogo atingiram os seus objetivos com ele de forma tão certeira.

Sequência e erros: Zelda II: The adventure of Link

Com o sucesso de The Legend of Zelda, a Nintendo, assim como fez com Super Mario Bros., logo autorizou a produção de uma sequência. Só que a equipe responsável pelo primeiro título não estava disponível, o que fez os responsáveis pelo jogo serem outros. Miyamoto retornaria, mas em vez de criador, foi o produtor.

Com uma janela de desenvolvimento corrida, e com uma ideia que mudava completamente o que tinham de experiência do jogo anterior, Zelda II: The Adventure of Link seria lançado em 14 de janeiro de 1987, 11 meses depois do Zeldinha.

Existem três abordagens possíveis para falar sobre Adventure of Link: falar com o olhar da época, falar com o olhar que temos de Zelda hoje em dia e falar dele puramente como um jogo. Em qualquer um dos três casos acima colocados, a conclusão que se chega é a mesma: Zelda II é um rascunho cheio de ideias boas, mas que não deixa de ser um rascunho em nenhum momento.

Muitas coisas inicialmente introduzidas aqui se tornariam pontos comuns na série. Pontos onde Link pode recuperar suas forças (embora aqui seja uma casa de uma dama de vermelho no meio das cidades que o jogador visita, e não uma fonte de fadas) e a barra de magia tem suas primeiras aparições aqui, por exemplo.
Essa imagem grita "queria estar morto".
Mas claro, não só de ideias boas Adventure of Link é construído. O sistema de nível, no qual você ganha experiência para melhorar seus atributos assim como em qualquer RPG, é pessimamente implementado e não funciona bem. A falta de itens além da espada torna o jogo um beat’n’up meio complexo demais e o design de fases é desastroso, abusando do uso de falsa dificuldade. Lembro com muita “felicidade” de um corredor na segunda dungeon onde não havia espaço para pular e antes da porta tinha um inimigo que (pasmém) só podia ser derrotado com um ataque desferido enquanto Link estivesse pulando. E não, não tem nada de analisar a situação para saber como agir neste caso. Isso não tem nenhuma relação com a filosofia que originou o maravilhoso Zeldinha, só é ruim mesmo.

É um jogo interessante para se jogar por valor histórico, mas nada muito além disso. Sua dificuldade frustrante e os controles horríveis podem muito bem fazer jogadores não aguentarem dez minutos nele.

Ainda assim, o jogo foi um sucesso.

O melhor pedido de desculpas possível: The Legend of Zelda: A Link to the Past (SNES)

Em 1988 o desenvolvimento para o próximo título da série começou. Graças ao sucesso de seus irmãos mais velhos, A Link to the Past pôde encarar um período de desenvolvimento bem maior. Começando sua vida como o terceiro Zelda para o NES, ele acabou sendo transferido para o SNES pouco depois. Em novembro de 1991, o jogo seria lançado. E logo na sua tela inicial, é óbvio o que estamos presenciando.

A Link to the Past é a sequência que o primeiro Zelda merece. Expandindo os conceitos colocados em prática lá naquele primeiro jogo e adicionando os pontos positivos de Adventure of Link (barra de magia, cidades com NPCs, etc.), e ainda polindo as partes que nos jogos anteriores normalmente eram frustrantes (se você encontra um dodongo aqui, pode apostar que em algum lugar da sala existe uma forma de obter bombas).

ALTTP também coloca uma boa história na série, com a criação de uma mitologia por trás. Também estabelece Link como um herói predestinado e cria o conceito dos Sages. O mundo não é mais desolado e solitário igual ao do Zeldinha, agora sendo repleto de pessoas e coisas para se fazer além de ir procurando as próximas dungeons.

O jogo foi o primeiro a usar o cartucho de 8MB do SNES, sendo enorme. Existe uma grande quantidade de segredos e miniobjetivos para serem completados. Suas dungeons são das mais variadas possíveis e, mais importante, o retorno dos multiplos itens, que lhe ajudam a passar das dungeons.
Essa imagem grita "é bom estar vivo". Chega a dar uma felicidade até.
Também conta com dois mapas: o mundo normal e o Dark World. Essa estrutura de dois atos/mundos seria reutilizada em Ocarina of Time (N64) e Twilight Princess (GC/Wii) com a era do link adulto e o reino de Twilight, respectivamente, mas o seu primeiro uso ainda é genial. Por meio de um espelho, Link pode ficar andando pelos dois planos, sendo que só pode chegar em certos pontos de um mundo quando ele atinge seu equivalente no outro. É uma das mecânicas mais bem usadas do jogo e extremamente marcante.

O jogo foi um sucesso e com toda certeza é um dos melhores jogos de SNES. Marca a conclusão dos primeiros anos de Zelda, agora com a série já firme em qual direção seguir. Estes três primeiros jogos têm o começo e a evolução de uma série que, com o passar dos anos, só nos trouxe boas memórias. Completando 30 anos daquele primeiro título, só temos o que comemorar.

Parabéns, Zelda!

Revisão: Vitor Tibério


Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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