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Análise: Kirby Star Allies (Switch) inova pouco, mas entrega uma aventura divertida

Como foco no multiplayer, Nintendo aposta em jogo que pretende agradar antigos fãs e conquistar novos admiradores.


Temos poucas certezas na vida, mas uma delas é: a Nintendo não economiza em jogos do herói de Dreamland. Enquanto algumas franquias da Big N são negligenciadas ou quase esquecidas, Kirby teve, nos últimos 10 anos, nada menos que 12 títulos lançados (isso contando a série principal e spin-offs). Se, por um lado, o excesso de produções parece bom para os fãs, por outro pode dar a impressão de que a empresa entregará games com pouco polimento e qualidade duvidável. Felizmente, não é isso que acontece com Star Allies, o mais recente capítulo da série.

Um jogo que encanta desde o início

A apresentação de Kirby Star Allies já dá o tom do jogo: muito bonita, trilha sonora com o padrão Nintendo de qualidade e nostalgia no nível certo. Dificilmente, alguém que é fã da série não vai ser fisgado logo nos primeiros minutos (incluindo aí o início da primeira fase). Resta saber se para novos jogadores a impressão que fica também é boa. Como sou fã de Kirby de longa data, é difícil tentar entender o sentimento de alguém que está conhecendo esse personagem agora, no Switch. Mas, dentro do possível, vou tentar adotar em alguns momentos o ponto de vista de quem está sendo apresentado ao bolota rosa neste jogo.

Falando nisso, esse é um aspecto que vale um elogio: o início da aventura é bem didático, apresentando mecânicas e estruturas básicas de gameplay para o jogador. É verdade que esse é, essencialmente, o começo de praticamente todos os jogos da série principal do Kirby, mas aqui esse movimento parece ser ainda melhor executado, principalmente, se considerarmos a inclusão de um elemento novo: a possibilidade de transformar algum inimigo em aliado. Isso é possível de se fazer durante todo o game, com quase a totalidade de adversários, sendo assim o principal diferencial de Kirby Star Allies.

Neste jogo Kirby pode combinar poderes adquirindo assim novas habilidades.

Kirby continua capaz de sugar um inimigo e absorver o seu poder, mas agora ele pode também jogar um coração nesse inimigo, o transformando em um parceiro. Essa nova mecânica traz possibilidades interessantes, pois, dependendo do momento do jogo, será necessário ter um time de aliados com poderes variados para passar por determinados desafios ou resolver algum puzzle.

Mas é justamente neste ponto que o jogo mais deixa a desejar: o foco é o multiplayer, mas ele nem sempre é divertido e consistente o suficiente. Felizmente, isso não ocorre o tempo todo, mas apenas quando precisamos da ajuda da inteligência artificial. O que, convenhamos, não deixa de ser um grande problema.

Um multiplayer bom dividindo os controles, mas pouco satisfatório com a IA

Joguei o jogo inteiro com meu filho e minha esposa. Fomos trocando os controles e experimentando as diferentes possibilidades de gameplay que o título oferece. Por isso, posso dizer, com muita convicção, que esse jogo traz uma experiência multiplayer bem divertida, quase no nível de "Return to Dreamland", do Wii (o melhor multiplayer do Kirby, na minha opinião). O problema é que em muitos momentos, o jogo te obriga a usar a IA como aliada, já que pra muitas coisas são necessários quatro personagens na tela.

Os personagens controlados pela inteligência artificial são bons, bons até demais (com exceção dos chefes, onde parece que eles assumem uma função quase decorativa) e como o jogo em si já não oferece muita dificuldade, a presença da IA torna o ato de passar pelas fases um passeio, bonito e encantador, é verdade, mas, ainda assim, a sensação de perigo e medo da derrota praticamente inexistem.

Um ponto positivo a ressaltar neste quesito é que, mesmo com todos os aliados e muitos inimigos para derrotar na tela, o jogo segue fluido do começo ao fim. A Nintendo realmente fez um ótimo trabalho de otimização e entregou um jogo sem nenhuma queda de frame rate.


Fácil demais?

É lugar-comum dizer que os games do Kirby são fáceis. Não acho que isso é de todo verdade, porque muitos jogos da série apresentam momentos realmente desafiadores. Kirby Star Allies, contudo, veio para reforçar essa sensação geral, tanto que em muitos momentos você se sentirá desestimulado em meio a missões repetitivas e pouco empolgantes. Some a isso o fato de que os puzzles existentes são óbvios demais e boa parte do desafio se perde. Em se tratando de um título com tanto potencial, isso realmente é uma pena.

Muitas mecânicas são reaproveitadas e, apesar das ideias serem interessantes e bem executadas, ver o mesmo estilo de gameplay em fases diferentes acaba tornando o ato de passar pelas fases um pouco cansativo. Felizmente, a jornada é curta (nem sempre isso é bom, mas aqui parece ser algo positivo) e isso impedirá que você desista pelo caminho. Se desistisse, aliás, seria uma pena, porque a última sessão entrega momentos épicos e muito divertidos. Assim, ao terminar a aventura a sensação geral é bem positiva, o que é uma faca de dois gumes, pois você vai querer mais e o que é oferecido nesse sentido é muito pouco.

Extras, sim. Mas não tão atrativos.

Como sempre nos jogos do Kirby, existem alguns extras. Logo de início, antes mesmo de terminar a campanha principal, você já pode jogar dois minigames. Um deles se chama Chop Champs, e o objetivo é tentar vencer outros três jogadores em uma disputa para ver quem corta árvores mais rápido. O outro, que segue o estilo do beisebol, é chamado de Star Slam Heroes. Aqui você precisa carregar uma barra de energia e acertar um cometa com a maior força possível. Também é disputado entre quatro jogadores, localmente ou com a inteligência artificial. Apesar de serem carismáticos, esses minigames não se sustentam por muito tempo, oferecendo um baixo fator de replay.

Vamos derrubar umas árvores?


Os modos extras para valer, digamos assim, são aqueles que você libera após o término da campanha principal. São eles o Guest Star ???? Star Allies Go! e o Ultimate Choice. Vou falar apenas o básico deles para não entrar em nenhum spoiler. Como esses modos são tratados na tela inicial do jogo como bônus que precisam ser liberados, eles entregam algumas surpresas que não quero estragar.

O Guest Star ???? Star Allies Go! dá ao jogador que joga como player 1 a opção de utilizar outros personagens. Durante toda a campanha, o player 1 controla apenas o Kirby e ainda que este possa absorver as habilidades de seus inimigos, jogar com eles oferece algo diferente e interessante. Esse modo não é uma repetição completa da campanha principal, mas um modo estilo speedrun, com algumas fases já jogadas anteriormente. E isso é um problema. Para experimentar cada um dos personagens disponíveis é preciso passar por todas as fases do Guest Star ???? Star Allies Go! (que nome estranho, hein?) com cada um deles. Não é permitido trocar de personagem entre uma fase e outra. E como são fases já jogadas e com um nível baixo de dificuldade, é bem provável que você não queira experimentar esse modo muitas vezes.

O Ultimate Choice, por outro lado, é uma batalha em sequência contra vários chefes. Existem níveis de dificuldade para escolher que deixam não só os chefes mais difíceis, mas reduzem o número de itens a que Kirby e seus amigos têm acesso. Este modo adiciona um pouco mais de vitalidade ao jogo, mas é pouco diante do que a Nintendo poderia entregar.


E então, continuamos amigos?

Antes de finalizar essa análise, preciso ainda falar da história do game. Sei que demorei muito para entrar nesse ponto, mas o motivo para isso é que a própria Nintendo trata aqui a história como um elemento de menor importância dentro da experiência, algo relativamente comum nos jogos do Kirby. De qualquer forma, o que motiva a bolota rosa nesta aventura? A proposta é essa: um ser misterioso envia corações malignos pelo universo, causando um desequilíbrio geral. Kirby vai então em busca de aliados para restaurar a ordem do cosmos. Esse enredo não foge muito ao que a Nintendo costuma trazer em aventuras do Kirby (algo ao mesmo tempo genérico e megalomaníaco). Além disso, existem poucas cinemáticas e diálogos durante a aventura, dando a entender que o importante mesmo é o gameplay e a diversão em conjunto. Como o objetivo central é alcançado apenas em parte, a falta de uma história consistente pesa mais do que em outros títulos de Kirby, mas não chega a atrapalhar o enfoque dado.

Após tudo o que falei até aqui, preciso confessar que fico dividido em relação a esse jogo. Ao mesmo tempo em que me decepcionei com a aventura curta e pouco estimulante em alguns momentos, é muito difícil para quem é fã da série não se empolgar com um jogo tão bonito e bem acabado. A Nintendo realmente tem um carinho por essa série, e isso é algo que devemos valorizar.

Por algum motivo a Nintendo optou por não inovar muito nesse título. Fez uma ode aos clássicos, apostou na diversão cooperativa e entregou uma experiência que tem a dupla (e complicada) função de agradar novos e antigos jogadores. Pelos resultados de venda de Kirby Star Allies, a Big N parece ter acertado, mas o principal aqui não é o número de cópias vendidas e sim a sensação geral do jogo.

Kirby é um personagem que nos aproxima de um dos aspectos mais interessantes dos videogames: um sentimento puro e simples de alegria. Como mencionei antes, joguei com meu filho de oito anos e, preciso confessar, eu mesmo me senti criança em vários momentos, rindo e me encantando com esses personagens carismáticos e envolventes. Então, só o que posso dizer no final é que sim, Kirby, continuamos amigos — e já esperando pela próxima aventura (que certamente virá).

Prós

  • Trilha sonora competente;
  • Um dos jogos mais bonitos do Switch;
  • Modo cooperativo local muito divertido;
  • Jogabilidade clássica de Kirby funcionando muito bem.

Contras

  • Campanha curta;
  • Gameplay repetitivo e puzzles simples demais;
  • Modos extras não oferecem um fator replay consistente.

Kirby Star Allies — Switch — Nota: 8.0

Revisão: Vinícius Veloso
Análise produzida com cópia do game comprada pelo próprio redator

Pesquisador nas áreas de estética e cibercultura com Mestrado em Cultura e Sociedade (UFMA) e Doutorado em Comunicação (UnB). Além de escrever sobre jogos, produz o Podcast Ficções e tem um blog sobre literatura, filosofia e cotidiano.
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