A ausência de crianças nas propagandas do Switch — que mensagem a Nintendo quer passar?

O marketing do Nintendo Switch privilegia jovens adultos em seus trailers. Esse é um indício de uma mudança na postura da empresa em relação aos seus produtos ou apenas uma tentativa de abraçar um novo público?


Desde o lançamento do Switch, a Nintendo tem empregado o mesmo tom no marketing do novo console: jovens adultos jogando seus games favoritos, na maior parte do tempo fora de casa. Um destaque óbvio é a característica de console híbrido, que permite ao usuário transportar os jogos da sala de casa para qualquer outro lugar. Mas outro destaque (esse um tanto estranho, na minha opinião) é a ausência de crianças nessas propagandas. Afinal, que mensagem a Nintendo quer passar para o seu público?

Videogame é coisa de criança

Todo adulto que gosta de jogar videogames deve ficar um pouco incomodado com a afirmação de que games são coisa de criança. Mas deveríamos mesmo nos sentir assim? Quando era criança, a minha mãe não jogava videogame. Aliás, eu não conhecia nenhum adulto que fazia isso. Eventualmente alguém com mais de 20 anos pegava o controle para uma disputa rápida, mas isso era algo raro. Os videogames eram mais assunto de criança mesmo.

Com o tempo essas crianças foram crescendo, o mercado foi mudando e, atualmente, boa parte do universo dos games é feito para os adultos. Do ponto de vista financeiro é um grande negócio. Afinal, você vende a ideia do jogo para quem tem poder aquisitivo para comprá-lo e não para os pais que precisam conter ansiedade dos filhos em relação ao consumo. No entanto, pensando em perspectiva, isso também pode ser ruim. Se os games de hoje são feitos, prioritariamente, para adultos, como será construída uma nova geração de jogadores? E é aqui que entra a importância da Nintendo.

Precisamos de jogos para quem?

Se você olhar a lista dos jogos com maior pontuação no Metacritic e comparar os melhores em cada um dos consoles atuais, você vai perceber um padrão esperado. Dentre os 10 melhores de Playstation 4 encontramos a seguinte classificação da ESRB (órgão responsável por fazer a classificação etária dos games na América do Norte): um jogo com classificação “E” (para todos), um com “E10+” (para crianças com mais de dez anos) e outro com “T” (adolescentes). Os outros sete da lista estão classificados como “M” (para maiores de 17 anos). No Xbox One acontece algo parecido: dois jogos classificados como “E”, um “E10+” e três “T”. Quatro, por fim, estão classificados como “M” entre os 10 melhores para o console da Microsoft. A lista dos melhores do Switch, por sua vez, apresenta apenas dois classificados como “M” (para maiores de 17 anos). Dos outros oito games, seis são “E10+” e dois possuem a classificação “E”.

Sim, é o óbvio que já sabemos: a Nintendo é a empresa que possui o portfólio mais amigável para crianças. Longe de ser uma característica ruim, vejo isso como algo extremamente positivo. Como pai, me sinto muito confortável em comprar consoles e jogos da Nintendo para meu filho. Além disso, posso aproveitar esse tempo junto com ele ou sozinho. Afinal, esses produtos possuem sim um apelo infantil, mas não são exclusivos para esse público, pois colocam um sorriso no rosto de qualquer pessoa. E as experiências que jogos como The Legend of Zelda e Pokémon entregam ultrapassam qualquer limitação de faixa etária.

No entanto, essa característica do apelo global do console não se reflete no marketing que vende o aparelho para os consumidores. Desde o primeiro trailer do Switch já era possível perceber essa tendência. No entanto, me chamou a atenção o fato de que até mesmo o anúncio de um jogo como Super Mario Party, tão característico do laço da Nintendo com o público infantil, foi feito utilizando apenas imagens de adultos.

Para não sermos injustos, é importante dizer que na propaganda exibida durante o Super Bowl de 2017 até aparecem algumas crianças. O Super Bowl, importante dizer, é o maior evento esportivo dos Estados Unidos, assistido por milhões de pessoas em suas casas. São famílias, portanto, que se reúnem para assistir a final do futebol americano. E isso talvez nos dê uma pista do motivo pelo qual a Nintendo não coloca crianças na publicidade não veiculada pela televisão.
Um raro momento com crianças nas propagandas do Switch.

Mudança de rumo, sem perder a essência

A insistência da Nintendo em suas franquias consagradas e a continuidade do foco em jogos para a família, mostram que quase nada mudou na visão da empresa japonesa criadora de Mario, Zelda e tantos outros jogos amados por crianças e adultos no mundo todo. Contudo, depois do fracasso de vendas do Wii U parece que um marketing precisava ser feito para diversificar o público consumidor do novo console.

O Wii teve o marketing construído tendo como base os jogadores casuais e o Wii U falhou em atrair um público novo para a Big N. O Switch, depois disso, precisava se mostrar como algo diferente, ainda que próximo do mesmo que os fãs estavam acostumados. A mudança veio por meio da predominância de adultos nas propagandas veiculadas na web, ambiente em que jovens adultos são maioria. No entanto, estes adultos aparecem sempre com um comportamento infantilizado (o que não é exatamente uma crítica, mas uma constatação). Se você observar as propagandas do New 2DS vai perceber que elas possuem o mesmo estilo daquelas do console híbrido. Substitua as crianças por adultos e cada 2DS por um Switch e você vai entender o que estou dizendo.

Admita, você nunca foi em uma festa assim.


No final, a mensagem que a Nintendo parece querer passar é que ela ainda faz jogos para todos, focados na diversão, no entretenimento simples e na leveza que sempre caracterizou suas franquias. Mas para ganhar um ar de modernidade, ela agora faz isso mostrando millennials em situações nem um pouco realísticas, se divertindo com Super Mario Party em um restaurante ou jogando Mario Kart Deluxe dentro de um carro a caminho de um autódromo de kart. Tem funcionado, mas reações negativas na última E3, em que muitas pessoas reclamaram que a Nintendo só trouxe mais do mesmo, mostram que esse  marketing pode estar alimentando um hype para consumidores que buscam algo distante da essência da empresa. Como será o futuro? Só as novas propagandas dirão.

Revisão: Diogo Mendes

Pesquisador nas áreas de estética e cibercultura com Mestrado em Cultura e Sociedade (UFMA) e Doutorado em Comunicação (UnB). Além de escrever sobre jogos, produz o Podcast Ficções e tem um blog sobre literatura, filosofia e cotidiano.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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