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Análise: Octopath Traveler II (Switch) aprimora em todos os aspectos seu antecessor

Talvez o mais belo jogo em HD2D até agora e um dos melhores títulos do Team Asano da Square Enix, mostrando-se atento às críticas ao seu antecessor.


Publicado pela Square Enix e desenvolvido em parceria com a Acquire, assim como os demais títulos da série, Octopath Traveler II é uma sequência de Octopath Traveler (Switch), mas se passa muitos anos depois no mesmo mundo e com novos protagonistas. O game tem o mesmo diretor (Keisuke Miyauchi) e os mesmos produtores (Tomoya Asano e Masashi Takahashi). Trata-se de um RPG de turno de alta fantasia com uma narrativa fragmentada em oito histórias separadas, mas eventualmente interconectadas, e com um estilo artístico apelidado de “HD2D”, o qual mistura elementos 3D e efeitos modernos com pixel art à moda de JRPGs da era 16-bits.

Oito novos protagonistas em uma trama mais longa, fluida e interconectada

Escrito por Takashi Hino e contextualizado por Kakunoshin Futsuzawa (o mesmo que trabalhou no primeiro Octopath Traveler e em Octopath Traveler: Champions of the Continent), o enredo de Octopath Traveler 2 segue a fórmula do primeiro jogo da série de segmentar sua narrativa em oito subtramas independentes (uma para cada protagonista), as quais possuem de 3 a 5 capítulos cada. Uma vez finalizadas, há um último trajeto que relaciona o grupo como um todo. Todas as rotas principais juntas levam cerca de 70 horas — algo em torno de 10 horas a mais em comparação ao primeiro título da série.

Como escrevi em minha prévia para a Revista Nintendo Blast N.º 157, uma das principais críticas ao Octopath Traveler de 2018 foi o fato de sua trama fragmentada conectar muito ligeiramente as rotas de seus personagens, aproveitando muito pouco o potencial interativo entre eles, salvo alguns comentários ocasionais sem voice acting entre os membros (um elemento que foi preservado nessa sequência). Contudo, novas atitudes foram tomadas em relação à conexão narrativa do novo octeto.

Convém observar que o octeto não pode estar inteiro na party. Diferente de Octopath Traveler: Champions of the Continent, em Octopath Traveler II só é possível escalar quatro personagens para o grupo, então o jogador precisará alterar seus personagens de vez em quando nos bares das cidades, tal como ocorre em Romancing SaGa


A primeira atitude foi a de repensar o level design de modo a permitir que o jogador escolha alguém como membro fixo inicial e, em vez de acompanhar uma rota de cada vez até o fim, incentivá-lo a acompanhar as oito rotas de forma alternada, assim aumentando o nível de seu grupo de personagens proporcionalmente ao recomendado em cada capítulo. Isso ajudou a “matar dois coelhos com uma cajadada”, pois outra crítica ao primeiro Octopath Traveler mirou o excesso de grinding necessário para seguir em várias partes das histórias.

Vale ressaltar também que a rota final integra mais profundamente os personagens e suas subtramas que até então pareciam quase inteiramente independentes. Por fim, outra mudança que se destaca no aspecto da conectividade é a adição das Crossed Paths Routes, quatro rotas paralelas mais curtas, cada qual envolvendo a colaboração de dois protagonistas:
  • Agnea Bristarni (dançarina) e Hikari ku (guerreiro);
  • Osvald V. Vanstein (acadêmico) e Partitio Yellowil (mercador);
  • Temenos Mistral (clérigo) e Throné Anguis (ladra);
  • Castti Florenz (apotecária) e Ochette (caçadora).

Embora escritas de forma linear e simples, e sem muito peso na trama principal, essas rotas paralelas desenvolvem de forma única a sinergia entre as diferentes personalidades do elenco e tornam o grupo mais orgânico. Por outro lado, a independência de enredo entre todas as rotas (principais e secundárias) pode levar o jogador a perder o ritmo dos roteiros e a se sentir ora menos conectado a um personagem e ora mais interessado em outro.

Agrava essa percepção o fato de que as temáticas são bastante diferentes: algumas histórias são mais épicas e clássicas, como de Hikari e Ochette; outras são casuais, como de Agnea e Partitio; outras são trágicas, como de Throné e Osvald; e outras são de mistério, como de Temenos e Castti. Por outro lado, essa variedade também pode ajudar a quebrar a monotonia e a experimentar o mundo de Solistia sob diversos olhares, como através da perspectiva de um príncipe exilado (Hikai), um sacerdote (Temenos) intrigado com alguns segredos da Igreja, uma ladra órfã (Throné) criada e aprisionada desde pequena por um grupo de bandidos, ou simplesmente uma singela dançarina (Agnea) com um sonho de ser uma grande estrela.

Algumas dessas histórias possuem ainda alguns personagens secundários destacados e bem aproveitados, como é o caso do cavaleiro Crick, que acompanha o sacerdote Temenos em sua jornada, e às vezes é chamado de seu “cordeiro”. Confira um pouco da atuação desses personagens no trecho de vídeo abaixo.


A interação entre os dois é muito leve e pura, mas ao mesmo tempo traz uma reflexão profunda a respeito da fé e da manipulação religiosa. Por outro lado, muitas histórias carecem de personagens secundários de peso. Além disso, um ponto fraco recorrente é a escrita dos vilões, a qual em boa parte das vezes tende a ser bem previsível e a seguir o típico estereótipo de antagonista estérico e cruel — o caso mais evidente é o da história de Castti.

Provavelmente a rota principal mais bem escrita é a de Osvald, um acadêmico que foi preso por matar sua própria filha e mulher, mas com base em uma condenação injusta. Com sua reputação destruída, mas, com perspicácia e um grande conhecimento acumulado, ele consegue fugir da prisão e procurar  vingança, bem como tenta impedir que seus estudos sobre magia sejam usados para propósitos que podem ser catastróficos para todo o mundo de Solistia.


Em contraste, a trama mais desinteressante talvez seja a da caçadora Ochette, a qual se limita a uma aventura para capturar criaturas lendárias ao redor do mundo e então voltar para sua ilha de origem para enfrentar uma grande calamidade prevista nas lendas locais. Além disso, há frequentemente cenas convenientes demais e inverossímeis e quase todas as rotas.

Contudo, no saldo final, podemos dizer que as mudanças no design narrativo do jogo foram mais positivas, embora a estrutura central de histórias independentes permaneça e haja rotas mais superficiais. Há uma oscilação na qualidade do desenvolvimento dos personagens, mas de modo geral está melhor que no antecessor da série. Além disso, o conteúdo do jogo foi ampliado consideravelmente. Somando o conteúdo principal às várias sidequests que se pode fazer nas cidades (mesmo que boa parte seja desinteressante), o título rende facilmente mais de 100 horas.

Um level design mais fluido e flexível e batalhas um pouco mais dinâmicas

Em termos de gameplay, a primeira coisa a ser destacada é que felizmente o requisito de grinding foi muito atenuado em Octopath Traveler II. Em parte, isso se deve a uma maior sintonia da exploração com a experiência narrativa interconectada que comentamos no tópico anterior, mas também por melhoria do balanceamento no combate. Apenas na passagem para os capítulos finais que pode haver necessidade de parar para evoluir seus personagens um pouco. Depois de terminar uma ou duas das histórias, os finais das demais serão mais fáceis, pois os personagens estarão mais fortes.

Além disso, a exploração em dungeons é prática, podendo usar Game Speed 2x para acelerar a caminhada, e os cenários possuem uma boa extensão; não ficam desgastantes ou monótonas. É favorável também o fato de ser fácil se deslocar pelo mapa por teletransporte através das cidades já visitadas. Por outro lado, a exploração segue trajetos simples, apenas com alguns baús escondidos, e os encontros aleatórios ainda podem ser incômodos em alguns momentos, mas toleráveis.


Vale destacar também que o dinheiro no jogo pode ser conseguido facilmente, caso aproveite bem seu mercador, Partitio Yellowil, que tem o sonho ingênuo de dar emprego e boas condições de vida a todos em Solistia. Este é um membro chave para a proposta do game e é o único com sidequests próprias (Scent of Commerce), as quais dão acesso a algumas coisas únicas, como um navio personalizado para velejar pelos mares.

Tanto no mar quanto em terra, há uma boa variedade de criaturas, o que é algo especialmente útil pelo fato de poderem ser capturadas e domadas por Ochette durante as batalhas. Apenas é questionável a insensibilidade dessa escolha, principalmente considerando a premissa da narrativa da personagem e o fato de que a qualquer momento é possível matar suas criaturas domesticadas e servi-las de churrasco para os membros da party.


Os sistemas do jogo foram projetados por Yuji Okazaki, Go Tanaka e Takumi Hirai. Durante a exploração, além do esperado de RPG, temos duas novidades importantes de sistemas que enriqueceram significativamente a flexibilidade interativa do jogo. A primeira delas é o ciclo dia-noite, que pode ser alterado simplesmente apertando o botão ZL; e a segunda é a ampliação do sistema de Path Action (habilidades para serem usadas fora das batalhas).

Cada personagem possui dois tipos de ações únicas que podem ser usadas em NPCs. Uma delas só pode ser aplicada durante o dia e a outra somente durante a noite. Throné, por exemplo, pode nocautear alguém durante o dia ou roubá-lo durante a noite; e Partitio pode negociar itens com um NPC genérico durante o dia ou à noite contratá-lo como um membro de suporte, o qual pode ser chamado temporariamente nas batalhas. As Path Actions não só são úteis como também importantes para alguns momentos das histórias de cada um dos personagens.


Junto a essas melhorias de sistemas no level design, temos uma novidade no combate que acaba fazendo mais diferença do que pode parecer à primeira vista. Trata-se de os Latent Powers, que nada mais são que poderes únicos de cada personagem indicados por um ícone circular próximo aos dados de vida dos membros da party, o qual vai aos poucos ganhando cor até brilhar em uma coloração específica (cada personagem tem um círculo de uma cor diferente). Basicamente funcionando como o Limit Break de Final Fantasy VII e outros jogos da série depois dele.

De resto, temos novamente o sistema de Boost, comum nas séries Bravely e Octopath Traveler do Team Asano. Esse sistema funciona com base na ideia de que cada turno, via de regra, fornece um ponto de ação (Battle Point ou BP) para cada personagem com o qual se pode atacar, usar um item ou fazer alguma outra ação. Ocorre que os BPs podem ser acumulados e usados de forma a multiplicar o dano de um ataque, intensificar o efeito de uma magia ou item, ou mesmo serem requisito para alguma habilidade especial.


Por fim, temos também de volta o conhecido sistema de classes, mas agora está mais flexível. Cada personagem possui uma classe primária, mas também pode ter uma classe secundária. Ao evoluir as habilidades ativas dessa classe secundária, também ele liberará suas habilidades passivas, as quais podem ser equipadas a qualquer momento, mesmo estando com outra classe; cada personagem possui quatro slots para habilidades passivas.

Essa simultaneidade de classes e a customização de habilidades passivas tornam a jogabilidade bem mais interessante e flexível, principalmente considerando que os inimigos nessa série possuem diferentes pontos fracos. Ao acertá-los por um número de vezes com os golpes certos, os inimigos ficam vulneráveis e atordoados por um turno. Esse sistema brilha sobretudo nas lutas contra chefes; algumas podem ser bem longas ou muito rápidas, a depender da estratégia do jogador.

Talvez o mais belo HD2D até então, mas ainda com pontos a serem aperfeiçoados

Hoje um estilo amplamente presente nos RPGs do Team Asano, na CBU2 Divisão 6 da Square Enix, o estilo HD2D foi já empregado em parceria com outras desenvolvedoras, como a Artdink, para Triangle Strategy (Switch), gerando variações de aplicações de pixel art com elementos em 3D. Entretanto, originalmente essa técnica visual foi criada em parceria com a Acquire para Octopath Traveler. Nessa sequência, a missão do estúdio foi a de aprimorar sua criação dentro das condições do Nintendo Switch e da Unreal Engine 4.

A arte do jogo foi liderada por Mika lizuka, que coordenou um trabalho minucioso para a ambientação de pixel art, sendo especialmente detalhadas as cidades com suas respectivas variações dia-noite. Por outro lado, a direção de arte do título mantém as câmeras guiadas como no jogo anterior e no remake de Live A Live (Switch), em vez de ter cenários em 3D com rotação de câmera, como aqueles de Triangle Strategy. Mas não se preocupe, em vários momentos há bons jogos de câmera, como em cinemáticas ou quando você aplica algumas habilidades especiais em combate. Confira um pouco do estilo cinemático com variação dia-noite no trecho de vídeo abaixo.


Porém, se ele se aproxima do HD2D de Live A Live na câmera, se afasta na direção de luz. Enquanto o remake do clássico de Super Famicom era menos exuberante em efeitos de luz, Octopath Traveler II segue as tendências de sua própria série e enche os olhos com blur, lens flare e outros efeitos luminosos que frequentemente geram contrastes exagerados ou ofuscam detalhes e expressões de personagens em algumas cenas.

Por outro lado, o “copo meio cheio” é que isso torna algumas paisagens encantadoras e dá um clima luxuoso para mansões, cidades e castelos, bem como torna alguns ataques mais suculentos. Se soma a isso também uma pixel art linda e detalhada dos chefes do jogo.


O charme maior dessa série, no entanto, acredito que esteja na forma como seus personagens geralmente não são apenas um grupo de heróis tentando salvar o mundo, mas pessoas relativamente comuns com seus sonhos e ambições.

O fato de serem adultos com realidades concretas também dá ao mundo de Solistia uma concretude maior, como um lugar onde se pode viver de diferentes formas e onde muitas coisas acontecem em simultâneo. O design dos personagens reflete isso muito bem. As ilustrações de Naoki Ikushima mais uma vez capturam com maestria o estilo natural, plural e ordinário do mundo de Octopath Traveler, e as cenas nas cidades conseguem capturar esse espírito em cada canto. Confira no trecho de vídeo abaixo um pouco da experiência audiovisual em New Delsta.


Por fim, temos a trilha sonora original (OST) e a produção de som, mais uma vez sob os cuidados de Yasunori Nishiki. Seu trabalho no primeiro Octopath Traveler lhe rendeu muitos prêmios, como o Famitsu Awards 2019 e uma indicação ao The Game Awards 2018. Felizmente ele atingiu as altas expectativas e entregou outra excelente OST, com seu estilo orquestral luxuoso misturado com elementos de rock durante as batalhas e ritmos e instrumentos de outros estilos populares (a depender da região de Solistia).

Suas variadas peças costumam ter melodias que enfatizam cordas (principalmente) ou sopro e geralmente são magicamente marcantes e cíclicas sem serem enjoativas — como a Decisive Battle 2 —, e possuem algumas transições belas e inteligentes, como no chefe final da rota de Agnea. Há também composições relaxantes e um pouco dançantes nas cidades — como peças de jazz em New Delsta —, além de algumas suaves e lindas canções na voz de Yuria Miyazono. Na playlist abaixo você pode conferir amostras das músicas do game.

Um Octopath Traveler novo, maior e melhor

Apesar de pouco inovador em gameplay e de deixar pontos a serem melhorados no estilo HD2D, bem como ter uma história que ainda poderia ser mais orgânica e interessante, Octopath Traveler II possui muito conteúdo, geralmente bons protagonistas, uma linda a variada OST e uma gameplay dinâmica, versátil e acessível, com o cuidado de responder parcial ou totalmente às principais críticas ao primeiro Octopath Traveler. Este título é altamente recomendável a fãs de JRPGs em estilo clássico da era 16-bits e àqueles que gostaram de algum outro jogo do Team Asano.

Prós

  • Um significativo aprimoramento no estilo HD2D, especialmente no detalhismo de algumas cidades em variação dia-noite, animações e jogos de câmera;
  • Novos sistemas a uma revisão do level design tornaram a exploração e as batalhas mais dinâmicas, versáteis e fluidas;
  • Geralmente boas lutas contra chefes, nas quais o sistema de batalha e a customização dos personagens brilham e oferecem diferentes estratégias;
  • Protagonistas carismáticos e geralmente bem desenvolvidos que se complementam e dão uma rica experiência panorâmica ao mesmo tempo mundana e épica da região de Solistia;
  • A rota final e as Crossed Paths Routes contribuem para estreitar os elos entre os personagens durante suas oito jornadas alternadas;
  • Trilha sonora mais uma vez espetacular, não enjoativa e variada, incluindo algumas peças memoráveis e ótimas transições.

Contras

  • A história ainda continua com rotas essencialmente independentes, de modo que os demais personagens da party possuem nenhum peso durante o desenrolar de cada trama, e é pouco desenvolvido o elo entre eles;
  • O roteiro traz muitas vezes premissas bastante ingênuas e eventos muito convenientes e inverossímeis, como no caso da rota de Partitio;
  • Algumas subtramas não tem um desenvolvimento muito interessante e os vilões de modo geral tendem a ser simplórios e previsíveis;
  • Raramente as histórias dos protagonistas possuem bons personagens secundários ou tempo suficiente para desenvolvê-los;
  • O estilo HD2D ainda poderia ser melhor em manipulação de câmera e receber um melhor polimento em efeitos de luz;
  • Embora com uma experiência fluida, a gameplay traz pouca inovação tanto em termos de exploração quanto em termos de combate;
  • A exploração poderia ser mais elaborada para além de baús escondidos e os encontros aleatórios poderiam ser evitáveis em alguns casos.
Octopath Traveler II — PC/PS5/PS4/Switch — Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Diogo Mendes
Análise produzida com cópia digital cedida pela Square Enix

Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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