“- A areia consumiu tudo”
“- De novo... falhamos em salvar o mundo de novo. Quantas vezes já foram? E quantas vezes mais ele desaparecerá na areia dessa forma? Estou cansado disto tudo, irmã.”
“- Eu também. Mas não podemos desistir. Temos que conseguir. Senão...”
“-... sim, você tem razão. Temos que fazer isto. Mas será que podemos mesmo salvar o mundo?”
“- Não sei... mas temos que ter fé por enquanto.”
“- Vamos. Vamos começar novamente.”
“- Sim. Vamos começar novamente. É pra isso que serve nosso poder, de qualquer forma.”
O jovem casal de irmãos, Lippti e Teo, encontra-se em um cenário triste. O mundo está à beira da morte, sendo rapidamente engolido pela areia. As duas crianças têm um poder que pode salvar o mundo, mas a coisa não é tão simples assim: embora eles possam voltar no tempo, eles próprios não podem alterar o passado. Eles precisam de um guerreiro que, com a ajuda do poder de viajar no tempo, possa alterar o decorrer dos eventos e impedir que o mundo acabe no terrível destino da destruição.
Assim começa Radiant Historia, mais um RPG excepcional para o DS, desenvolvido pela Atlus (responsável também pelas séries Megami Tensei e Trauma Center, entre vários outros jogos), que mistura doses perfeitas de elementos tradicionais e inovações, resultando em um prato cheio tanto para os fãs de longa data como aos novatos no gênero.
De volta para o outro futuro
Voltemos à história do jogo. Na trama de Radiant Historia, vemos o mundo dividido por uma grande guerra entre duas importantes nações: Alistel e Granorg. Os confrontos por si só já são o suficiente para causar um grande dano ao planeta, mas essa briga acaba só encobrindo um problema muito maior. O uso descontrolado da Mana do planeta está fazendo com que o mundo e seus habitantes sejam convertidos em areia, rapidamente transformando o planeta em um enorme deserto. E é isto o que acaba levando-o à sua própria destruição. Os enigmáticos irmãos gêmeos Lippti e Teo, entretanto, são portadores de um incrível poder que os permite viajar no tempo, o que pode muito bem ser a resposta para evitar a destruição do mundo. Determinados em encontrar alguém que os ajude nessa missão, os irmãos depositam suas esperanças em Stocke, um jovem guerreiro e agente secreto de Alistel. Com a ajuda de Lippti e Teo, Stocke descobre que um misterioso livro chamado White Chronicle, que por acaso se encontra em sua posse, lhe permite viajar pelo tempo e espaço, possibilitando-o voltar ao passado e mudar a história.
É aí que entra uma das grandes sacadas de Radiant Historia, já que o jogador recebe a liberdade de voltar para o passado, retornar ao presente e até de viajar entre diferentes linhas do tempo paralelas. À medida que o jogo vai progredindo, diversos eventos são gravados no White Chronicle, contando tudo o que tem acontecido na aventura de Stocke até então. Nos save points, além de salvar o progresso, o jogador pode optar por usar o White Chronicle para viajar no tempo e espaço, selecionando um evento da história para o qual deseja ser transportado. Isto é particularmente útil em momentos da aventura nos quais Stocke precisa decidir como progredir. Normalmente você poderia ficar preocupado em fazer a escolha correta, com medo de que a opção escolhida traga conseqüências mais para frente que só possam ser corrigidas começando um jogo novo. Em Radiant Historia, entretanto, você pode ficar tranqüilo para escolher qualquer opção, mesmo que você tenha certeza que é a errada, pois basta depois voltar no tempo e escolher outra opção. É desta forma, aliás, que você acabará se deparando com muitos dos finais alternativos.
Dentre estes vários momentos de decisão, contudo, o primeiro deles, logo no começo do jogo, tem uma importância bem maior. A partir deste ponto, a história se divide em duas, dependendo da escolha feita: a “história normal” e a “história alternativa”. Mas, novamente, não se preocupe em fazer a escolha “correta”, pois é possível alternar livremente entre as duas linhas de tempo. Aliás, o jogo obriga o jogador a fazer isso. Pode acontecer, por exemplo, que em determinado ponto de uma das linhas de tempo, Stocke e seus amigos precisem de certa habilidade que eles ainda não tem e que é impossível de ser obtido da forma como as coisas se encontram. Mas, se você alternar para a outra realidade, você acabará descobrindo que, nela, a tal habilidade pode ser convenientemente aprendida.
Mas não pense que o White Chronicle será preenchido com uma árvore de eventos extremamente complexa, pois a única ramificação grande é essa inicial. As demais levam para finais prematuros ou missões opcionais. Há uma boa quantidade destas missões, aliás, garantindo bastante conteúdo extra para aqueles que gostam de aproveitar os jogos ao máximo. No total, são 236 eventos que completam o White Chronicle, sendo que cerca de 40 são missões opcionais. Outro grande ponto positivo é que, pelo fato de ficarem registradas no White Chronicle, é fácil consultar quais destas missões estão disponíveis, detalhes sobre o que precisa ser feito e se já foram completadas ou não. Esse registro é muito útil também para a história principal, pois, pelo fato de você ficar alternando entre realidades, o que acontece pode ficar confuso. E isso ocorre frequentemente. Você se pegará pensando, por exemplo, “mas eu já não passei por aqui?” ou, “eu já não tinha encontrado esse personagem em outro lugar?”, até se dar conta que isso havia acontecido sim, mas na outra linha de tempo. Considerando isso, é até bom que existam apenas duas ramificações na história, caso contrário a confusão seria ainda maior.
É bom ter em mente, entretanto, que é apenas possível se transportar para alguns eventos específicos (normalmente, no começo de um novo capítulo ou em momentos de decisão). Portanto, antes de voltar para algum momento do passado, por exemplo, certifique-se que você não está muito longe de um destes eventos para os quais é possível se transportar. Caso contrário, você terá que jogar uma boa parte da história novamente para chegar ao lugar onde tinha parado. Sim, como você deve ter imaginado, viajar no tempo implica passar por alguns trechos da história mais de uma vez. Mas isto felizmente não é tão problemático quanto pode parecer, pois os cutscenes podem ser avançados simplesmente pressionando “start”. Além disso, a experiência dos personagens, status e itens são mantidos entre as viagens, o que também é muito conveniente.
Visual clássico e música inesquecível
Os gráficos de Radiant Historia são muito bem feitos. Lembrando um pouco o estilo de Ragnarok Online, os cenários são tridimensionais, mas os personagens são mostrados como sprites bidimensionais. O resultado é algo que faz lembrar os RPGs do SNES, mas ainda assim usando as capacidades gráficas do DS. Não há nenhuma animação pré-renderizada, mas assim como muitos clássicos da era 16 bits, a história é muito bem contada sem o uso delas. A música também é de primeiríssima qualidade, o que não poderia ser diferente vindo do compositor Yoko Shimomura. Mesmo se o nome não soar familiar, você talvez conheça algumas de suas outras obras, como as trilhas sonoras de Super Mario RPG e da série Kingdom Hearts. Preciso dizer mais alguma coisa?
A grade de batalha
Agora é hora de falarmos sobre o sistema de batalhas, um aspecto importantíssimo em qualquer RPG que se preze. Pra começar, o jogo pode até lembrar clássicos do gênero, mas não há nada de batalhas aleatórias, o que já é um grande ponto positivo. Os inimigos ficam visíveis no cenário e você pode até atacá-los previamente com a espada para deixá-los atordoados e começar a batalha com uma vantagem. Mas até aqui não é nada que ainda não tenha sido visto antes. É quando a luta começa que Radiant Historia se destaca.
No campo de batalha, os inimigos são colocados sobre uma grade de tamanho 3 x 3, onde podem se movimentar em seus respectivos turnos. A posição dos inimigos dentro da grade já é importante por si só: aqueles que estão na linha de frente causam mais dano aos heróis, mas também perdem mais pontos de vida quando atacados, enquanto que os inimigos de trás causam e recebem menos dano. Várias habilidades usadas pelos inimigos também utilizam o posicionamento dentro desta grade. Um escudo, por exemplo, pode ser colocado em uma das células da linha de frente, protegendo qualquer inimigo que estiver atrás. Certas magias têm efeito sobre algumas células específicas da grade, aumentando a força ou recuperando pontos de vida dos inimigos que estão sobre elas, por exemplo.
A estratégia, portanto, é saber jogar os inimigos para os lugares certos. É isso aí, os inimigos não se movem apenas quando querem, você pode empurrá-los também. Dentre os ataques especiais de cada personagem, existem alguns que tem o efeito de deslocar os inimigos para frente, para trás ou para os lados. Isto não serve apenas para posicioná-los em lugares estratégicos, mas também para amontoá-los, atacá-los simultaneamente e executar combos. Se um inimigo está na frente do outro, por exemplo, você pode empurrá-lo para trás, em cima do outro, e o próximo ataque atingirá os dois, ao invés de apenas um. Isso pode ser feito sucessivamente, jogando um inimigo em cima do outro e causando danos enormes ao grupo todo. Naturalmente, os inimigos não são estúpidos o suficiente para ficarem amontoados e, uma vez que o turno dos heróis terminar, os adversários agrupados se re-posicionarão. Talvez isso faça você pensar “bom, então não dá pra fazer um combo tão grande assim... afinal, se são três heróis que ficam ativos durante a batalha, no máximo serão três ataques seguidos”. Mas é aí que o comando “change” entra em ação. Durante a luta, a tela superior do DS mostra quem atuará nos dez próximos turnos e, no turno de algum dos heróis, o jogador pode optar por trocar de vez com outro personagem ou até com um dos inimigos. Desta forma, é possível fazer com que os heróis ataquem muitas vezes consecutivas.
Deu pra perceber que o comando change é um elemento chave na estratégia de batalhas de Radiant Historia, não é? Além de tornar possíveis combos extensos, ele permite que o jogador escolha a ordem dos turnos, buscando uma maior eficiência. Mas não pense que você pode ficar trocando os turnos livremente, sem custo nenhum. Ao executar o comando change, o personagem fica com uma cor avermelhada até que o seu turno chegue novamente. Isso significa que ataques a ele causarão mais dano que o normal. Portanto, é necessária cautela ao fazer estas trocas.
Ataques consecutivos aos inimigos geram um combo, que é contabilizado na tela e que aumenta conforme o número de inimigos simultâneos atingidos ou do tipo de ataque utilizado. Mas este combo não serve apenas para causar estragos enormes ou para você se gabar para seus amigos. No final da batalha, o jogador é recompensado com uma porcentagem extra de pontos de experiência e dinheiro, de acordo com os combos obtidos. Ou seja, quanto maiores os combos, mais experiência e dinheiro você receberá.
Pequenos deslizes
Esse sistema deixa as batalhas sempre divertidas e dinâmicas, fazendo com que Radiant Historia passe longe de uma das grandes armadilhas dos jogos de RPG, a de batalhas monótonas. A história também é muito cativante e não recorre (ou, pelo menos, não muito) aos famosos clichês do gênero, além de contar com muitos personagens interessantes. Poder viajar no tempo à vontade, repetindo partes da história e fazendo diferentes escolhas é outro ponto forte deste jogo que o destaca dentre muitos outros. Poderíamos, então, dizer que Radiant Historia é um jogo sem falhas? Passou perto, mas infelizmente não é bem assim. Os pontos positivos do jogo certamente são mais que suficientes para tolerarmos os negativos... mas uma análise não estaria completa sem mencioná-los.
O primeiro é até um pouco irônico. Está claro que o fato de poder, a qualquer momento, retornar a diferentes pontos da história, dá ao jogador uma grande liberdade. Entretanto, há certa restrição dentro desta liberdade, já que o jogo raramente permite que o jogador se afaste da área de interesse do ponto da história no qual se encontra. Se você está em um evento em que deve atravessar uma floresta para ir a um determinado povoado, por exemplo, tente pegar um caminho que leve a outro lugar - mesmo a um lugar onde você já esteve - e você frequentemente verá Stocke parar e dizer que aquele não é o caminho certo. Pois bem, esta restrição poderia ser contestada dizendo que uma alternativa é simplesmente voltar para algum evento no qual o lugar aonde se quer ir está acessível. Isso é verdade, mas significa que você deve se lembrar cada lugar que cada evento dá acesso. Também implica que você deve viajar no tempo e, portanto, se estiver em um momento em que fazer a viagem não é conveniente, o desvio acaba tendo que ser postergado.
O outro problema é um pouco mais frustrante, porque é o tipo de coisa que já deveria estar bem estabelecido em jogos de RPG: mapas. O único mapa usado em Radiant Historia é o mapa do mundo, onde o jogador escolhe o local para onde quer ir. Ao entrar nos locais, entretanto, não há nenhum tipo de mapa. Em cidades e povoados isso não é um grande problema, mas ao explorar florestas, cavernas e coisa do tipo, não ter um mapa para visualizar os vários caminhos e passagens pode ser bem irritante.
Se você ainda não tem um 3DS e está preocupado com uma falta de jogos para o bom e velho DS, agora que toda a atenção está focada no seu sucessor, pode permanecer tranquilo por mais um tempo. Mesmo na sua reta final, o DS ainda está recebendo alguns ótimos lançamentos, e dentre eles, Radiant Historia. Elementos clássicos trarão sentimentos nostálgicos de uma era que muitos se lembrarão com carinho, enquanto os aspectos inovadores impedirão que a experiência adquira uma sensação repetitiva demais. Se você é fã de RPG, principalmente dos tradicionais da era do SNES, não deixe passar este jogo de jeito nenhum, pois a satisfação é garantida.
Prós
- História original, complexa e bem elaborada;
- Sistema de batalhas inovador, dinâmico e que incentiva a estratégia;
- Mecânica de viagem entre as linhas do tempo muito bem implementada;
- Várias missões opcionais para cumprir;
- Visual muito agradável, misturando elementos 2D e 3D.
Contras
- Pouca liberdade para explorar os cenários;
- A falta de mapas é frustrante.
Radiant Historia – Nintendo DS – Nota Final: 9.0
Diversão: 9.0 | Gráficos: 8.0 | Som: 9.5 | Jogabilidade: 9.0