Crônica

Como Etrian Odyssey IV (3DS) me fez gostar de dungeon crawlers e jogos difíceis

Explorar belos labirintos e enfrentar inimigos formidáveis me fez mudar a maneira de ver alguns títulos que não me agradavam anteriormente.


Sempre gostei de RPGs, mas nunca fui fã de franquias populares como Final Fantasy e Dragon Quest, prefiro títulos mais obscuros e inusitados. Mesmo assim, nunca dei muita atenção à série Etrian Odyssey, que é bem diferente dos JRPGs mais tradicionais. Os títulos dessa franquia resgatam características do chamado subgênero dungeon crawler: o objetivo é explorar calabouços e enfrentar inúmeros perigos, normalmente em visão de primeira pessoa. Além disso, jogos da série Etrian Odyssey são conhecidos pela dificuldade elevada e o sistema de cartografia. Três episódios foram lançados para DS e dois para 3DS.

Só fui dar uma chance à franquia no 3DS em Etrian Odyssey IV: Legends of the Titan. Comecei a jogar casualmente, mas pouco a pouco me apaixonei pelo título e, no processo, mudei minha opinião sobre dungeon crawlers e jogos de dificuldade elevada.

Evitando o sofrimento

Conheci a série Etrian Odyssey de maneira muito curiosa: por meio de sua trilha sonora, que sempre foi muito discutida no blog Hadouken. Mas, mesmo gostando muito de RPGs, nunca me interessei em jogar os títulos da franquia. O fato de ser um dungeon crawler em primeira pessoa e a suposta dificuldade elevada sempre me mantiveram bem longe de seus labirintos desafiantes — afinal nunca gostei de jogos cujo desafio fosse tão alto ao ponto de ser frustrante.


Anos se passaram, o 3DS tornou-se o portátil da vez, e uma versão de demonstração de Etrian Odyssey IV: Legends of the Titan foi lançada na loja online do console. Deixei de lado os meus preconceitos e decidi experimentar. Gastei mais de três horas na demo do jogo e até gostei de tudo o que vi, mas ainda estava receoso de mergulhar de vez na aventura. Minha mente gritava “Não! Não deve ser tão divertido assim!”, logo decidi conversar com alguns colegas sobre isso. A opinião foi unânime: “Não jogue Etrian Odyssey, é uma série de jogos para japoneses malucos e masoquistas! A não ser que você esteja a fim de ser derrotado várias vezes por inimigos idiotas como moscas e sapos...”. Com medo de me decepcionar, esqueci da existência de Etrian Odyssey IV.

Muito tempo depois, após terminar o popular Bravely Default (que me deixou com gosto ruim na boca por conta de sua repetição), um amigo de senso crítico apurado e no qual confio muito insistiu que eu jogasse Etrian Odyssey IV e me emprestou o jogo. Bem, meu progresso da demo ainda estava guardado e eu queria algum RPG para ocupar meu tempo… Por que não? Dei uma nova chance e não consegui largar.

Superando preconceitos

Mesmo já tendo uma boa ideia do que me esperava, minha experiência com o jogo, no início, foi um pouco frustrante. Etrian IV é brutal: se você não prestar atenção, inimigos comuns podem derrotar seu grupo facilmente. E pra complicar, ao menos no início, itens de recuperação são caríssimos. Mas, ao invés de sentir vontade de desistir, me senti incentivado a continuar. A dificuldade do título não é daquelas baratas e injustas. Seu grupo foi destruído? A culpa é sua de não ter construído uma estratégia boa ou ter tentado explorar algum lugar no qual sua equipe ainda não tem força suficiente para sobreviver.


Explorar um novo calabouço sempre me deu um misto de deslumbre, descoberta e tensão, afinal eu nunca sabia o que esperar — e nem se iria sobreviver muito tempo. A maioria das vezes que recebi um game over foi por pura afobação: mesmo com meu grupo já um pouco debilitado, eu insistia em continuar, pensando que sobreviveria tranquilamente… para ser derrotado por ratos e morcegos comuns. Claro, um pouco de grind é inevitável, mas o jogo te dá meios de fazer isso de forma prazerosa e rápida.

Percebi aos poucos que minha maior motivação era querer saber o que tinha em cada canto dos labirintos, queria treinar e melhorar meu grupo, queria conseguir derrotar os temíveis F.O.E. (inimigos poderosos que rondam os vários mapas). Quando fui parar para perceber, já tinha mais de 30 horas de jogo e não conseguia mais largar meu 3DS.
Meu 3DS mal foi desligado enquanto joguei Etrian Odyssey IV

Mergulhando em um mundo deslumbrante

O que me fez viciar em Etrian Odyssey IV foi a excelente ambientação: tudo é feito e pensado para você mergulhar no jogo. Navegar nos labirintos em primeira pessoa, observando os detalhes e segredos, é muito recompensador. É como se eu estivesse lá naqueles ambientes, guiando meu grupo de heróis. A música então… como amante de game music, fiquei apaixonado pela ótima trilha sonora de autoria de Yuzo Koshiro — que compôs a música de títulos como Streets of Rage 2 (Mega Drive) e Kid Icarus: Uprising (3DS). Todas as faixas casam perfeitamente com as situações: a suave e relaxante melodia das florestas, o som misterioso de cavernas profundas, o tema aventureiro do dirigível voador, o enérgico e viciante tema de batalha.


RPGs costumam ter tramas elaboradas, mas nesse a história é um mero detalhe, um pano de fundo e motivação para se aventurar pelo mundo. Confesso que isso não atrapalhou minha experiência, pelo contrário. A ausência de muita história me deu liberdade para explorar o universo do título, sem ter que lidar com inúmeras situações clichê e entediantes que costumam assolar o gênero. O ótimo ritmo de jogo e a vontade de desbravar sempre foram suficientes para me incentivar a continuar jogando. E confesso: apeguei-me ao meu grupo, mesmo ele sendo feito de um bando de mercenários silenciosos, sem personalidade e com traços não muito sérios; não altero a formação dele, mesmo tendo aparecido outros personagens mais fortes.
Os mercenários de Etrian Odyssey IV parecem ter saído de um anime

Estilo incompreendido

Depois de mais de 60 horas de aventura, fiquei me perguntando o motivo de tanta gente evitar esse tipo de jogo, mesmo ele tendo todas as características que um bom RPG precisa apresentar. Percebi que essa repulsa tem a ver com três principais fatores: o visual, as mecânicas clássicas e a alta dificuldade. Em uma era na qual jogos têm apelo gráfico forte, é difícil vender uma aventura cujos os combates e exploração são em primeira pessoa, repletos de efeitos visuais simples, sem representação forte dos personagens. Para alguns é difícil se interessar por algo assim, eu mesmo nunca considerei jogar esta série por conta do visual simplificado.


O segundo ponto a se considerar são as mecânicas tradicionais da série Etrian Odyssey: as batalhas são por turnos e sem firulas, ao contrário de RPGs modernos que preferem sistemas de combate direcionados à ação. Mesmo RPGs modernos que utilizam turnos nos embates tentam incluir novidades em uma tentativa de atrair novos jogadores, como o Brave e Default de Bravely Default e a possibilidade de interromper ações inimigas em Child of Light (Multi).

Por fim temos a alta dificuldade de Etrian Odyssey IV. Indo em direção contrária a da indústria, o desafio do título é bem alto e é possível ser derrotado facilmente até por inimigos comuns. Muitos se sentem frustrados por isso e preferem evitar completamente esse tipo de experiência, por mais que séries como Dark Souls provem que existe público que busca alto desafio. A soma de todos esses fatores deve afastar muito jogadores.

Mudança de paradigmas

No fim das contas, jogar Etrian Odyssey IV abriu minha mente de maneiras que eu não esperava. Depois de inúmeras horas explorando as terras do título, percebi o charme de dungeon crawlers e a diversão de superar situações de desafio elevado. Agora tenho vontade de conhecer outros jogos desse gênero e também alguns títulos cujo principal destaque é justamente a dificuldade. E vocês, já passaram por alguma situação parecida? Que jogos mudaram seus paradigmas e horizontes?

Revisão: Alberto Canen
Capa: Felipe Araujo

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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