Você se lembra do jogo Space Station Silicon Valley, para o Nintendo 64? Se a resposta for “não”, eu não te culpo. Afinal de contas, não foi um dos títulos mais populares para o console. Posso começar dizendo que este jogo foi desenvolvido pela DMA Design. Caso este nome também não signifique nada para você, talvez valha a pena dizer que é a mesma empresa que desenvolveu um antigo e divertido jogo chamado Lemmings. Ou então, talvez você tenha mais familiaridade com o novo nome que a empresa passou a usar a partir de 1999: Rockstar North. Isso mesmo, a responsável por jogos polêmicos como Grand Theft Auto, Manhunt e Red Dead Redemption. E não se engane: mesmo sendo para o Nintendo 64 e tendo uma aparência, a primeira vista, infantil, Space Station Silicon Valley não é tão inocente assim. Continue lendo este Blast from the Past para recordar (ou descobrir) a estação espacial abandonada, a enorme quantidade de animais robóticos que a habitam, a abdução de seus corpos inanimados, uma divertidíssima jogabilidade, puzzles extremamente engenhosos e um dos bugs mais frustrantes da história dos videogames.
Para começar, analisemos a caixa de Space Station Silicon Valley: na parte de frente, vemos alguns animais, como um cachorro, uma hiena e um urso polar, de aparência bastante cartunesca. Na parte de trás, imagens que também mostram diversos animais simpáticos e um visual colorido que promete um jogo nos moldes de Super Mario 64. Não é de se estranhar se muitas pessoas, ao verem a caixa deste jogo, criassem uma primeira impressão de se tratar de um jogo infantil. Ainda mais por causa da injusta fama que o Nintendo 64 ganhou. Mas os que deram uma chance a Silicon Valley foram recompensados com um jogo extremamente divertido, desafiante e com um humor até que bastante negro.
Estações espaciais, heróis de aluguel e um amor impossível
A história do jogo já dá uma idéia do que vem pela frente: no “futurístico” ano de 2001, uma estação espacial foi construída para ser um parque de diversões de última tecnologia, um experimento em inteligência artificial e evolução robótica (ahhh... lembram-se do ano 2001, quando nossa tecnologia estava tão avançada a ponto de fazerem uma construção desse tipo? É... eu também não). Sete breves minutos após o seu glorioso lançamento, entretanto, a estação desaparece misteriosamente, sem deixar nenhum rastro. No ano 3000, após apenas um milênio sem notícias da estação, esta reaparece, de maneira tão misteriosa quanto havia desaparecido. E, para piorar as coisas, o gigantesco “parque de diversões” está indo diretamente em direção à Terra, ameaçando colidir com o planeta e exterminar toda a humanidade. Após várias excursões à estação que não retornaram mais, a única solução encontrada é enviar um par de “heróis de aluguel”: Danger Dan, um ser humano comum, fora de forma, calvo e que usa óculos e seu parceiro Evo, um robô super inteligente e “auto-evolutivo” que nasceu do resultado do experimento Silicon Valley (como é que foi possível ter um resultado de um experimento que não durou nem sete minutos, eu não faço nem idéia).
Acontece que, quase chegando no local, Dan e Evo se encontraram em meio a uma importantíssima discussão: decidir qual estação de rádio ouvir. A briga esquenta a tal ponto que pilotar a nave acaba ficando em segundo plano e, antes que qualquer um dos “heróis” pudesse perceber, a nave chega a toda velocidade na estação Silicon Valley, colidindo com ela e fazendo um pouso um tanto quanto forçado.
Abramos aqui um parêntese para brevemente contar a romântica história de Flossy e Roger. Flossy é uma ovelha. Roger é um cachorro. Ambos são criaturas robóticas, parte da exótica “fauna” que passou a tomar conta da estação espacial. Flossy e Roger sabem da diferença entre suas espécies (se é que robô tem espécie), mas eles não se importam, pois o amor entre eles é maior do que qualquer diferença ideológica. Um verdadeiro relacionamento romeuejulietano, por assim dizer. E eis que, mesmo contrariando as próprias regras da natureza, os dois finalmente se encontram, em uma verde planície, para demonstrar o amor um pelo o outro. Mal os dois se vêem e os beijos e carinhos começam. E termina logo também, porque a nave de Dan e Evo cai bem em cima de Roger, matando o coitado do cachorro.
Nesta queda brusca, Evo é projetado violentamente para fora da nave, destruindo seu corpo robótico em vários pedaços. Por sorte, a única parte realmente importante de Evo é o chip central que, não só fica intacto, como cai bem em cima do “cadáver” de Roger. Evo é então capaz de se instalar nos restos do cachorro e controlar o seu corpo. Começa, assim, a aventura de Evo de encontrar as suas partes espalhadas e também de encontrar uma maneira de impedir que a estação colida com o planeta Terra. E quanto ao valente herói Danger Dan? Este fica na nave, só dando instruções a Evo.
Deu pra ver que a coisa é bem bizarra, né?
Escolha sua arma... quero dizer, seu animal
A principal característica da jogabilidade em Space Station Silicon Valley gira em torno justamente da habilidade de Evo de se “possuir” e controlar corpos de animais robóticos, sendo que cada animal tem diferentes atributos e habilidades. E se você acha que essa idéia parece divertida, pode estar certo de que é melhor ainda. Isso porque não estamos falando apenas de animais “normais” como cachorros e ovelhas, mas também de coisas como raposas motorizadas, coelhos-helicóptero, huskys esquiadores com lançadores de foguete e muito mais. A idéia de controlar os cadáveres de animais pode parecer um pouco cruel (e isso porque agora a pouco estávamos falando que este jogo poderia causar uma impressão de ser infantil!), mas lembre-se que são todos robôs. E, além do mais, Evo depende disto, pois se ficar exposto em sua forma de chip eletrônico, ele vai perdendo energia aos poucos.
No total, são 43 diferentes criaturas possíveis de se controlar e, como eu disse, cada uma delas tem diferentes características. O cachorro pode pular e atacar com mordidas, tem uma resistência não muito boa, mas se dá bem nadando. O rato motorizado pode entrar em lugares pequenos, é extremamente rápido, mas é também muito fraco e morre se entrar na água. A tartaruga-tanque é lenta, mas atira bolas de canhão e seu casco lhe proporciona uma resistência formidável.
Este vasto “arsenal” de animais leva a missões divertidas e variadas, com puzzles muito bem elaborados. Em uma fase, você tem que levar ovelhas para dentro de um cercado (sendo que você pode optar por guiá-las com o cachorro ou então matá-las e controlar seus corpos), em outra você tem que tocar uma música em um teclado e em outra você tem que ligar um computador. Os cenários também são sempre bem diversificados, sendo que as fases são divididas em 4 diferentes setores da estação espacial: Euro-Eden (planícies verdejantes), Arctic Kingdom (terras e águas geladas), Jungle Safari (densas florestas) e Desert Adventure (desertos áridos).
Não particularmente bonito, mas com muita graça
Os gráficos, apesar de coloridos e cartunescos, são bem precários, mesmo para a época. Os modelos são bem “quadradões” e os cenários são pobres em detalhes, tornando-o inferior nesse aspecto a vários jogos de Nintendo 64 que foram lançados antes, como o próprio Mario 64. O som, por outro lado, funciona muito bem. Cachorros latem, ovelhas balem, hienas riem e ratos... soltam gases, aparentemente. A música é animada e divertida, mas o interessante é que ela vem de caixas de som espalhadas pela estação. Quanto mais você se aproxima de uma destas caixas de som, a música fica mais forte e à medida que você se afasta da caixa, o volume abaixa. Se você quiser, você pode até destruir as caixas de som, para silenciar a música (aliás, esta é uma missão de uma das fases).
E logo de cara fica claro que humor é o que não falta neste jogo. A história, os animais, as missões e situações em que o jogo te coloca, tudo está repleto de humor e piadas muito bem boladas e só tornam a experiência ainda mais divertida.
Contando com apenas 31 fases, o jogo é bastante curto. Entretanto, há vários objetivos opcionais para se cumprir, como encontrar todas as células de energia de uma fase e encontrar as partes do corpo de Evo, o que destrava a 31ª e última fase. O mais divertido, entretanto, é colecionar os troféus dourados. Cada fase esconde um destes troféus e, para obtê-los, você deve cumprir alguma missão alternativa, algo bem mais difícil de se descobrir (para conseguir o troféu da primeira fase, por exemplo, é necessário destruir três ovelhas usando o foguete propulsor da nave). E a recompensa é boa por juntar todos os troféus: liberar uma fase especial e ver o verdadeiro final.
A falha imperdoável
O final “normal” é totalmente insignificante. Depois da batalha e missão finais, simplesmente vemos as palavras “não há final, não tínhamos mais dinheiro”. Portanto, a vontade de ver a verdadeira conclusão da história é grande. Mas não há problema, afinal de contas, juntar os troféus é uma tarefa desafiadora e divertida. Parece uma fórmula perfeita, não é? Deveria ser, mas não é. Isso devido simplesmente à existência de um bug absurdo que faz com que um dos troféus seja, literalmente, impossível de pegar. Você faz o necessário para o troféu aparecer, ele aparece, você vai até ele, encosta nele e... nada! O personagem simplesmente atravessa o objeto, sem obtê-lo, como se nem estivesse lá. Como é que uma falha tão grave pode ter passado pelos testes do jogo?!? E isso acontece logo na sexta fase, não é nem em nenhuma parte avançada do jogo. Nas outras fases, os troféus podem ser obtidos normalmente. O que será que aconteceu? Parece até que foi de propósito, uma piada de extremo mau gosto. Ou vai ver as palavras do final normal são verdadeiras, talvez os produtores realmente ficaram sem dinheiro para fazer o verdadeiro final. Existe um código para destravar a fase secreta, mas quanto a o que acontece no verdadeiro final, e se ele existe mesmo... são segredos que provavelmente apenas os envolvidos no desenvolvimento do jogo sabem.
Quero mais!
Space Station Silicon Valley é um jogo que certamente não teve a popularidade que merecia. Parece que o jogo foi posteriormente lançado também para o PlayStation, com o nome “Evo’s Space Adventures”... mas, se essa versão realmente foi lançada, ela foi mais obscura ainda, pois existem pouquíssimas informações a respeito. O Game Boy Color também recebeu uma adaptação do jogo, mas a complexidade do original foi fortemente prejudicada pelas limitações do portátil e acabou nem sendo lançado fora das terras européias.
Se você tem um Nintendo 64 e nunca jogou Space Station Silicon Valley, procure por ele. É bem provável que você tenha uma agradável surpresa. Este é um jogo que merecia uma seqüência digna... afinal, precisamos mais oportunidades de controlar hipopótamos cor-de-rosa e raposas-foguete. Pelo menos, o jogo poderia ser lançado para o Virtual Console... e, de preferência, com o bug do troféu corrigido.