Analógico

Analógico: Deus Ex Machina - prejudicando histórias desde 445 a.C.

Videogames são compostos por diversos elementos, temos toda a parte sonora e gráfica, questões artísticas, mecânicas de jogabilidade e por ... (por Bruno Grisci em 20/07/2011, via Nintendo Blast)

Deus saindo da máquina para estragar alguma história.Videogames são compostos por diversos elementos, temos toda a parte sonora e gráfica, questões artísticas, mecânicas de jogabilidade e por aí vai. Um ponto em especial, que nos jogos aparece de diferentes maneiras, é o enredo. Cada jogo conta a sua história de uma maneira única, mas algumas características das narrativas continuam presentes, especialmente em RPGs e com a tendência de criar jogos “cinematográficos”, com várias animações e diálogos. Dentre essas características, uma se destaca negativamente: Deus Ex Machina.
Pronuncie corretamente.

Deus Ex O Quê?

O dramaturgo grego Euripides é conhecido pelo uso de Deus Ex Machina em suas peças.Deus Ex Machina é um recurso de construção de narrativas tão antigo quanto a própria ficção. Para compreendermos o que ele é, vamos voltar alguns séculos no passado, até a antiga Grécia, para sabermos um pouco mais sobre o teatro grego. Nessas peças, era comum que a trama fosse ficando cada vez mais enrolada, até que, chegando nos minutos finais, um ator interpretando um deus literalmente era abaixado no palco através de uma espécie de guindaste e, com seus poderes e sabedoria divina, solucionava todos os problemas.
A expressão latina Deus ex machina vem do grego e significa “Deus surgindo da máquina”, uma referência a essa prática das peças gregas.
Valeu pela aula de etimologia e história, mas eu ainda não entendi o que é isso tudo. - Leitor frustrado com a explicação
Vamos à definição atual então:
Deus Ex Machina é uma força externa que resolve um problema aparentemente insolúvel de um modo extremamente improvável (e, geralmente, anticlímax). - tvtropes
Para facilitar, vamos ver um exemplo. Imagine estar quase numa batalha contra um chefão. Ele é extremamente forte, e você está sem as suas armas e sozinho. Quando ele está prestes a te jogar de um abismo, um enorme dragão te salva e entrega uma espada especial para a batalha. Você destrói o inimigo e continua sua jornada, mas depois percebe: o que aquele dragão estava fazendo ali? Na verdade, nem havia sido mencionado que existiam dragões. E por que um dragão estaria carregando uma espada?
E assim temos um Deus ex machina, quando seu personagem estava prestes a ser derrotado um elemento externo apareceu abruptamente e o salvou. O mesmo vale para o caso de, em vez de um dragão, você tropeçar na espada que convenientemente estava largada por ali ou se começasse a chover e o chefão derretesse.
É importante observar, entretanto, que para confirmar o Deus ex machina é necessário olhar a obra como um todo, e não a cena isolada. Se a batalha fosse em um local onde a presença de dragões fosse conhecida, ou se mais tarde na história você descobrisse que seu mestre havia planejado tudo e escondido a espada para você encontrá-la, não teríamos mais esse recurso, pelo menos não em sua totalidade.

Níveis de Deus Ex Machina

  • Total: um elemento do enredo que não existia e não possui nenhuma explicação lógica. No nosso exemplo inicial, seria o dragão aparecer sem nem ao menos ter sido mencionado previamente.
  • Tempo e localização ilógicos: quando o elemento existia, mas aparece em um local sem explicação. Imagine que na nossa história haviam nos dito que dragões existiam, mas um aparecer para nos salvar não tem sentido.
  • Cortar e colar: o autor, tentando disfarçar o Deus Ex Machina, “volta” na história e acrescenta alguma informação, mas ainda assim fica forçado. É como se no começo da nossa história disséssemos que havia um dragão patrulhando aquela área e depois não tocássemos mais no assunto até ele aparecer.
  • Fridge Brilliance: parece Deus Ex Machina, mas não é. Em um primeiro momento o acontecimento parece forçado e sem sentido, mas depois você lembra de algo que o torna totalmente possível. E se fosse destacado na nossa história que o medalhão do herói atrai dragões?

Por que isso é tão ruim?

Basicamente porque estraga toda a lógica e estrutura da história. De que adianta criar todo um universo, personagens, conflitos, dilemas, problemas e depois jogar tudo isso fora com um acontecimento totalmente desconexo? Usar Deus Ex Machina evidencia a falta de criatividade e de controle sobre a própria história do autor. Claro que a “gravidade” varia, pode ser que não seja algo tão importante e então possamos relevar, mas uma única utilização desse recurso é capaz de comprometer totalmente um enredo.

Um exemplo nos videogames

Para não ficarmos apenas na teoria, vou trazer um exemplo bem simples e que a maioria de vocês já devem conhecer. Em todo caso, o texto abaixo pode conter spoilers para quem não jogou Super Smash Bros. Brawl, leia por sua conta e risco.
Quem jogou o modo Subspace Emissary em Super Smash Bros. Brawl pôde presenciar um Deus Ex Machina. Quando todos os personagens unem-se para enfrentar o chefe final, Tabuu, ele transforma todos em troféus com o Off Waves e está prestes a concluir seu plano, quando Sonic surge repentinamente e quebra as suas duas asas, enfraquecendo o Off Waves e liberando todos para a batalha final.

Vídeo não recomendado para quem não jogou Super Smash Bros. Brawl.
Como a história do Subspace Emissary é simples, não chega a ser um problema tão grande. O fato de Sonic, um dos personagens mais aguardados do game, não ter aparecido antes também deixou óbvio para os jogadores que ele surgiria nesses momentos finais. Não deixa, entretanto, de ser Deus Ex Machina.
Nota: Sonic foi adicionado tardiamente no jogo, portanto é possível que a história do Subspace Emissary já estivesse adiantada e o final foi o melhor lugar para adicionar o ouriço azul.
Para conferir mais exemplos de Deus Ex Machina nos games (e em outras obras), clique aqui.
Agora que você já sabe o que é um Deus Ex Machina, compreender obras de ficção ficará um pouco mais claro. Entender esse conceito também é importante para que possamos evitar a sua utilização em nossos próprios trabalhos e para termos um senso crítico mais apurado. Poderia continuar, mas alienígenas invadiram a cidade e obrigaram o encerramento desse texto.
Eu digo: acabe-se esse texto.

Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


  1. Ícaro, preciso dizer que me tornei fã das suas matérias? =)

    Eu já havia reparado no Deus Ex Machina a algum tempo, não só nos jogos como também nos mangás semanais ( eu acompanho cinco deles, e vejo isso acontece constantemente ). O que eu não sabia era dar uma explicação mais satisfatória sobre o assunto, e nem mesmo sabia como chamar.

    Valeu pela matéria! :D

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  2. Amei esse texto. Nunca tinha ouvido falar dessa expressão, mas gostei muito da sua analise. Abriu meus horizontes para um entendimento melhor de como funciona uma boa trama.

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  3. E pra mim o próprio Tabuu nunca era pra ter existido. passamos vários anos acreditando que a Master Hand era o ser supremo de Smash Bros. Aí de repente surge esse vilão, sem sentido e sem graça, com um poder absurdo a ponto de controlar a Master Hand e derrotar todos os personagens de SSBB com apenas um golpe. Não aceito isso. ;p

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  4. Eu achei essa matéria genial. Nunca tinha parado pra reparar especificamente nisso, mas é bem frequente mesmo, e mostra como algumas tramas de jogos são mal amarradas. Parabéns!

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  5. Já conhecia o termo, seu uso, porque antes eu escrevia contos de sci-fi e fantasia, aí sempre busquei ler sobre a construção narrativa pra evitar esses erros. SOU A FAVOR de dar continuidade à essas coisas, falar de tramas, histórias, dentro do universo dos jogos, fazendo um paralelo com livros, quadrinhos, acho que dá pano pra manga! Abraços.

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  6. Jogando Zelda WW, eu fiquei sem fechas enquanto enfrentava um chefe q só podia ser vencido com elas.

    No local não havia jarros, matinhos nem nada q pudesse estar guardando fechas dentro!!!

    Então, quando o meu contador de fechas zerou e eu fiquei pensando como faria pra enfrentar o chefe, eis q o próprio chefe "vomita" 10 fechas bem na minha frente (tinha até uma pequena animação mostrando isso), seria essa situação uma Deus Ex-machina???

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  7. O exemplo do Brawl não é tão desconexo,se vocês analisarem o castelo do DDD foi sugado por aqueles portais tensos e parou no Subspace, e como o Bowser fez o DDD virar trofeu...o castelo , o DDD, Luigi e Ness ficaram no castelo, ele ajuda a recuperar os outros lutadores, enquanto, depois de Bowser raptar a Zelda ou Peach, Kirby olha curiosamente para um button que o DDD criou e engole, após isso, Kirby resgate todo o resto , Tabuu então,após ser achado no The Great Maze, tenta usar as OFF WAVES, mas Sonic o impede, se vocês verem,a unica parte que ficou a sub entender é como o Sonic entrou no Subspace Emissary. :)

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  8. Esse chefe no caso é o Gohdan.A alcunha dele já diz:o grande juiz.Ele não pode te julgar sem ser justo,e justo é lhe fornecer subsidios pra lutar de igual com ele.Mas agora,pensando bem,é meio estranho mesmo ele cuspir flechas quando as suas acabam!!!bizarro....mas no Ocarina tbn acontece algo parecido quando se enfrenta o Bongo Bongo...

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  9. Primeiramente, muito obrigado a todos pelos elogios e incentivos, espero continuar trazendo conteúdo relevante para vocês.

    Cezar Berger Junior, o objetivo é esse mesmo, pretendo fazer mais textos relacionados, só não prometo que serão toda semana ;)

    Suicune, esse exemplo que você deu, olhado rapidamente, poderia ser considerado sim um Deus Ex Machina, mas lendo a ótima explicação do Nivaldo Wesley, existe uma lógica por trás. Claro, o objetivo principal da Nintendo não era nem com o enredo, mas sim resolver o problema da falta de flechas de uma maneira criativa, e para isso precisou recorrer a um pequeno Deus Ex Machina. Mas em um jogo, talvez às vezes precisemos sacrificar um pouco esse lado para permitir uma jogabilidade mais interessante, não acha?

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  10. Pode ser... Mas acho q os tradicionais jarrinhos seria uma saída mais "normal" pra resolver esse problema!!! Mas o q o Nivaldo falou faz sentido mesmo!!!

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  11. Muito interessante essa espressao mas como voce disse tem que ser analisada muito bem, e acho que um caso que voce citou não é.
    Mas gostei muito de conhecer o que eu sempre quiz saber o nome...Valeu

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