Blast from the Past

O clássico clichê dos RPGs é remontado por Final Fantasy: The 4 Heroes of Light com muito estilo

A narrativa dos quatro heróis, um vilão e muitas princesas é revivida por esse lindo RPG, que traz a complexidade do gênero através de mecânicas simples


Sabe aquela história dos quatro heróis predeterminados a desbravar o mundo lutando contra as forças do mal para, ao fim da jornada, trazer paz ao planeta numa luta épica contra o supremo Lorde das Trevas? Como esquecer dos jovens que viviam suas vidas pacatas até descobrirem que em suas veias corre o sangue de um herói do passado, o que já é pretexto o suficiente para partir numa viagem para salvar a princesa? Esse clichê, que foi o embrião dos RPGs, é usado mais uma vez pela Square Enix numa franquia que não para de se modernizar: Final Fantasy! Dando um passo para trás, a série pretende reler os seus anos dourados, assim nasce o seu mais novo capítulo: The 4 Heroes of Light, o grande predecessor espiritual do recente Bravely Default (3DS). Terá sido, na verdade, um passo a diante?


Heroi, vilão, princesa

Você está dormindo quando, subitamente, sua mãe o acorda. Você pode optar por pedir mais 5 minutos ou levantar de vez, mas isso não muda o fato de sua mãe te acordar de qualquer jeito. Enfim, você acorda cheio de sono. E adivinha? É seu aniversário! Você finalmente alcançou a maioridade, mesmo que seu personagem seja só um pouco maior do que um pixel, o que é compensado pelo tamanho de sua cabeça. Mas quem disse que tamanho é documento? Ao invés de sua mãe preparar um bolo, chamar os amigos para um festa ou simplesmente dizer o quanto te ama, ela manda você ir até o rei e ponto final. Bom, você é o protagonista, não é? Então vá ver o rei de uma vez! 

Chegando ao castelo, que faz sua casa parecer uma caixinha de fósforos, você vai até a sala do trono e, para variar, recebe a notícia: “Sequestraram a princesa!”. Ok, o castelo tem mil e um soldados e nenhum conseguiu recuperar a filha do rei, mas Vossa Majestade tem fé que você, um jovem que mal curtiu a maioridade direito, consiga salvá-la. E o que você responde? “Sim, mas é claro!”. Acho que você, leitor, já percebeu o quão clichê esse Final Fantasy é, não?

E assim começa mais uma épica jornada!
Nessa jornada, você conhece novos companheiros, ajuda as pessoas para depois descobrir o quão mal-agradecidas elas são e é jogado em quests sem parar. Apesar de ser bem previsível e repetitivo, o enredo de 4 Heroes of Light traz momentos inesperados. Para começar, os personagens principais não são mudos como foram no passado. Apesar de estarem sempre a postos para ajudar qualquer um que se sinta injustiçado com a vida, eles demonstram suas vontades e mostram suas personalidades, inclusive o jogador pode escolher respostas para algumas perguntas feitas aos heróis. Mas são interessantes as discussões da equipe e as separações que o grupo sofre, afinal, ninguém consegue ficar tranqüilo depois de enfrentar todos os perigos do mundo sem receber um “Obrigado” em resposta.

Uma obra de arte animada

Acho que é exatamente com a frase acima que podemos caracterizar o estilo artístico de 4 Heroes of Light. A sensação é a de estar dando vida a uma pintura, ouvindo uma doce melodia e, ao mesmo tempo, enfrentando perigos que qualquer RPG deve ter. O visual consiste naquele típico cel-shading que conquistou os jogadores no DS em Zelda: Phantom Hourglass/Spirit Tracks e Dragon Quest IX. No entanto, ao invés de cores fortes e contrastantes, 4 Heroes of Light usa-se de um estilo mais harmônico e um tom pastel. As coisas não são minuciosamente detalhadas - cada pequeno elemento do cenário e personagens tem apenas uma cor e nenhum contorno. Eu garanto que é algo lindo de se ver, um estilo visual já usado antes, mas que se tornou especial e único quando incorporado a 4 Heroes of Light. 


Algumas coisas são importadas de outras sucessos do DS, como os modelos tridimensionais, que se parecessem muito com os do remake de Final Fantasy III, mas isto não tira a grandiosidade dos gráficos do jogo. Há alguns serrilhados que incomodam, mas a taxa de quadros é quase sempre fixa e algumas falhas são normais em qualquer jogo com gráficos 3D no DS. Detalhes em 2D como os menus e ícones das armas também foram muito bem desenhados, como se tivessem sido feitos não só para lucrar com o produto final, mas para ser algo realmente bonito. No entanto, o jogo não apresenta muitos inimigos “clássicos”, o que é uma falha para um jogo que promete reviver os anos dourados da franquia Final Fantasy, e alguns dos monstros novos adicionados neste game tem um visual um tanto quanto estranho.  

A câmera também dá ainda mais beleza ao game. É incrível os movimentos de perspectiva inseridos no jogo, como, por exemplo, quando você anda pelas cidades e percebe que elas parecem ser esferas. É o mesmo efeito usado nas galáxias de Super Mario Galaxy (Wii) e na sua vila de Animal Crossing, o que dá a impressão de que cada cidade deste Final Fantasy é um planeta. Ao longo do jogo, você perceberá outras artimanhas da câmera, e são raríssimos os casos em que ela se comporta mal.


A trilha sonora se apresenta bem como em qualquer Final Fantasy, repleta de composições muito acima da média. O time de desenvolvimento, que é quase o mesmo do remake de Final Fantasy IV para o DS, conseguiu retratar bem os cenários, personagens e monstros não só com o visual, mas também com as músicas. Cidades possuem melodias tranquilas e batalhas têm um ritmo mais acelerado, mas é interessante ouvir e notar que cada lugar possui uma composição única, o que dá certa personalidade a cada espaço do jogo. No entanto, apesar de lindas, as músicas não são o que chamamos de “clássicas”, o que, mais uma vez, entra em desacordo com a proposta do game. 

Em outras palavras, o mais novo Final Fantasy tem um estilo artístico exuberante e muito bem trabalhado, mas que peca um pouco nas referências a elementos memoráveis da franquia, o que o faz perder um pouco da sua identidade como um legítimo Final Fantasy e não um RPG qualquer.

Minha vez, sua vez

Enquanto caminha por campos imensos e calabouços obscuros, o que pode ser feito com o direcional em cruz de forma clássica ou pela tela de toque (opção que não funciona muito bem em cenários estreitos), inimigos aparecerão aleatoriamente. Para uma série que vem sempre se modernizando, um jogo da série Final Fantasy incorporar um esquema de confrontos randômicos que até os últimos Dragon Quest, franquia mais conservadora, abandonou é algo de impressionar. Como um RPG bem tradicional e digno de ser um game para os jogadores que curtiram as primeiras aventuras, 4 Heroes of Light adota o sistema de batalhas em turno. 

Você logo reconhecerá aquele menu com as opções de ataque, magia, item... Tem um ar nostálgico, mas não demora muito até você estranhar uma coisa: É tudo muito simples! A gigante dos RPGs teve um trabalho cuidadoso para impedir que os jogadores se compliquem com o sistema de lutas. Você percebe isso quando seleciona o comando ataque e nem tem a opção de definir o alvo. Algo que deveria ser chave para o sucesso numa batalha é retirado e simplificado da seguinte forma: personagens que usam espadas e armas a curta distância terão seus golpes direcionados automaticamente para inimigos da linha de frente, já arcos e flechas e shurikens atingirão sem dó os adversários da retaguarda. 

O sistema tem até certa lógica, e ela vale também para magias. Parece algo simples demais e basicamente uma forma de diminuir a complicação através da perda da liberdade, mas, quanto mais você joga, mais percebe que esse sistema abre espaço para o estrategismo. Quando se customiza os equipamentos e magias dos seus heróis, é preciso ter em mente em que inimigos eles automaticamente acertarão.

Muita calma, meu caro. Não vá desperdiçar
seus preciosos AP
Outro ponto que os jogadores logo estranham é a substituição do tradicional sistema de MP (Magic Points) para utilizar magias pelo AP (Action Point) para executar qualquer tipo de ação nas batalhas. A cada turno você recebe um AP de um máximo de 5 - são bolinhas que definem o que você pode ou não fazer. Habilidades básicas, como o ataque comum, consomem apenas um AP, logo, não há lucro nem prejuízo ao fim de um turno. Já magias colossais e outras ações intensas consomem mais AP, por isso não podem ser usadas ilimitadamente. 

O sistema de AP faz com que o jogador não fique dependente de itens que curem seu MP ou de ficar indo e vindo nas hospedarias para restaurar os pontos de magia. Para você pode parecer mais uma forma de simplificar as batalhas, uma vez que um sistema extremamente matemático e tradicional é trocado por bolinhas que não passam de 5. Ainda assim, o sistema de AP é bem interessante e é a base para o esquema de Brave e Default de Bravely Default.

Seu próprio herói

Indo na onda de sucesso de Dragon Quest IX para o DS, 4 Heroes of Light também abre espaço para customização dos personagens. Não é algo extremamente livre como em DQ, mas permite personalizar bastante seus personagens. Cada equipamento usado num heroi não chega a alterar radicalmente sua aparência, o que você altera é mais a “forma” de suas roupas do que as “cores” da vestimenta, que continuam quase sempre características de cada protagonista. 

As armas não só mudam a aparência, como também a postura do personagem. Equipando uma faca, seu herói se curvará para frente de forma que o faz assemelhar-se com um gatuno, já um cajado põe o seu personagem de postura ereta, como um verdadeiro mago. No entanto, as aparências enganam, e, neste jogo, enganam muito! Se você se preocupar apenas com a beleza dos seus personagens, com certeza será dilacerado no decorrer do jogo, pois é necessário escolher armas e armaduras levando em conta suas melhorias na batalha e não a moda do mundo de Final Fantasy. 
É muito divertido ir testando os visuais e as habilidades concedidas por cada classe
Destaque também para o sistema de classes. Grande parte dos jogadores menos familiarizados com RPGs complexos tendem a se assustar com o esquema de profissões, afinal, cada jogo adota um esquema próprio e ele requer muito comprometimento. Nadando contra a correnteza, 4 Heroes of Light faz da escolha de classes algo extremamente simples e funcional, mas complexo e crucial numa batalha. Você se adentra numa profissão basicamente ao colocar um novo chapéu no seu personagem. Mago branco ou mago negro, bandido ou bardo, domador de feras ou músico... As opções são muitíssima e todas têm suas próprias habilidades especiais. 

Pense bem no que seus herois e heroínas vão utilizar
Algumas profissões são um tanto quanto estranhas e parecem ter saído do mundo real e não de um mundo medieval e fantástico, como costureiro (Seamstress) e anfitrião (Party Host). Os chapéus vão sendo adquiridos ao desenrolar do jogo e podem ter suas habilidades intensificadas quando aderidos a gemas. O sistema de gemas é bem linear e não permite estrategismo, infelizmente. Basta preencher os espaços vazios no chapéu com as gemas do mesmo formato e pronto.


4 jogadores, 4 herois

Talvez a jornada solitária seja um caminho excelente para se jogar 4 Heroes of Light, mas, se são 4 Heróis, por que não 4 jogadores? Essa jornada também pode ser desbravada com mais três amigos, o que garante duas vezes diversão, ou melhor, quatro vezes! E o melhor é que você é recompensado pela jogatina em grupo. Basta ir até a casinha que permite a conexão com outros jogadores (apenas local, não há suporte a jogatina online) e trocar os pontos obtidos nas jornadas por itens e equipamentos incríveis. É possível ganhar estes pontos no singleplayer também, mas, convenhamos, é muito mais fácil (e divertido) dividir essa experiência com seus amigos e multiplicar as conquistas!

O fim da jornada

Enfim, ao termino de toda a jornada de 4 Heroes of Light, você se pergunta se o jogo é um RPG complexo e complicado ou se é um aventura simples e prática. O resultado é uma mistura destes dois conceitos antagônicos. A Square Enix e Matrix Software (desenvolvedora) realmente conseguiram algo que parecia ser impossível: trazer a complexidade de um RPG de forma acessível a todos os jogadores. É fato que algumas vezes essa “acessibilidade” torna as coisas simples demais, mas ela também ajuda você a se adentrar no jogo sem medo e se acostumar rapidamente às mecânicas do game. O nível de dificuldade é bem balanceado, com destaque para o encontro de monstros aleatórios: a chance de tropeçar em um inimigo no meio do caminho é bem menor do que a maioria dos RPGs. O visual, que lembra uma pintura, a história repleta de clichês e as músicas tocantes contribuem ainda mais para trazer a seguinte sensação de jogo: Final Fantasy: 4 Heroes of Light é um game gostoso de se jogar. 

Encarnar um Herói que parte em busca da Princesa a fim de salvar a dama e trazer paz ao mundo derrotando o Vilão... Há quanto tempo não fazíamos isso com tanto gosto?

Revisão: Lucas Oliveira e Paula Travancas
Capa: Vitor Nascimento


Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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