20 anos de Pokémon, 20 lições de Game Design - #06: Design iterativo

Pokémon é muito mais do que a mesma coisa a cada geração… não que haveria problema se o fosse.

em 06/02/2016
Design iterativo é uma metodologia de desenvolvimento muito utilizada na criação de jogos eletrônicos. O processo é simples: assim que possível, um protótipo basicamente funcional do game é criado. Ele é testado e analisado e, com os resultados, refinado e melhorado. A nova versão, por sua vez, é testada e analisada, criando-se outra ainda melhor a partir dela. O processo é repetido (iterado) quantas vezes forem necessárias. Esse método é ágil e costuma render excelentes resultados, se bem implementado. A cada iteração, o produto começa a tomar forma o suficiente e mais refinamentos são aplicados.




Apesar de muito utilizada em projetos em desenvolvimento, o design iterativo também pode ser usado no decorrer da vida comercial de um título. Isso é especialmente verdadeiro no caso dos MOBAs e MMOs — jogos do gênero podem ser vistos como grandes experimentos iterativos de longo prazo. Semanalmente (em alguns casos, até mesmo diariamente) esses games recebem atualizações, com melhorias e mudanças implementadas após o estresse da última versão do game pelos desenvolvedores e jogadores. Esses novos recursos, por sua vez, podem ter efeitos adversos no metagame e comunidade, exigindo mais testes e futuras atualizações, num ciclo potencialmente infinito.
Isso sem fatorar as eventuais expansões.
Apesar de não receber atualizações constantes como World of Warcraft ou League of Legends, Pokémon é um exemplo muito interessante de design iterativo dentro de uma série. Cada geração pode ser observada como uma iteração do mesmo design básico. As mecânicas básicas da franquia permanecem as mesmas desde Red & Blue (encontros aleatórios, captura de Pokémon, batalhas, o pedra-papel-e-tesoura elemental, etc.), mas novas funcionalidades e recursos são adicionadas em torno delas. A reclamação de que tudo permanece o mesmo com o decorrer dos lançamentos é, no mínimo, equívoca: cada iteração traz melhorias e refina ainda mais a fórmula mágica da série.

De geração em geração

Red & Blue não eram exatamente jogos perfeitos. Apesar de inovadores, o metagame era completamente desequilibrado. O tipo psíquico tinha uma vantagem desleal contra os outros Pokémon e poucos monstrinhos e golpes eram realmente úteis nos níveis mais avançados. Havia bastante espaço para melhorias.
Isso vai levar algum tempo.
Na segunda geração, elas vieram. Os monstrinhos ganharam a habilidade de segurar itens e utilizá-los durante a batalha, permitindo que jogadores criassem novas estratégias. Novos tipos também foram introduzidos — noturno e metal — para lidar com o tipo psíquico. A mecânica de breeding também fez sua estreia, assim como os egg moves. E, claro, novos Pokémon e golpes foram adicionados, abrindo todo um leque de possibilidades.

Os novos recursos, apesar de bem-vindos, trouxeram novos problemas consigo. O metagame ainda girava em torno de poucos Pokémon — principalmente os novos — e era difícil utilizar mecânicas como Effort Values para treinar as equipes.

Na terceira iteração da franquia, os Effort Values foram renovados, tomando a forma conhecida hoje em dia e tornando-se parte integral do metagame. Fazer com que determinados Pokémon assumissem diferentes papéis ficou mais fácil, aumentando a versatilidade de muitos monstrinhos. Houve também a inclusão de novas berries, além dos hoje em dia onipresente Choice Band e das batalhas em dupla.
E, mais importante de tudo, adicionaram o Treecko!
Contudo, nem tudo era um mar de rosas. Um problema que vinha se alastrando desde a segunda geração enfim veio à tona: a separação do ataque e defesa em físicos e especiais não foi muito bem planejada. O que definia se um golpe seria especial ou não era seu tipo. Água, Grama, Fogo, Gelo, Elétrico, Psíquico, Dragão e Noturno eram considerados especiais, enquanto os outros tipos pertenciam à categoria física.

O problema? Alguns Pokémon não podiam usar os bônus do mesmo tipo de maneira efetiva. Se um Pokémon usar um golpe do mesmo tipo que ele, ganha um bônus de 50%. Enquanto um Alakazam, com seu special attack alto, se transformava numa máquina ainda mais mortífera ao utilizar golpes psíquicos, um Gyarados não podia se beneficiar do mesmo tipo de bônus ao usar um golpe aquático, já que seu forte era o attack.



Você de novo, cara?
Entra em cena a quarta geração, refazendo a separação entre golpes físicos e especiais. Desde Diamond & Pearl, o tipo não é mais determinante para a categorização do golpe. Agora, golpes de todos os tipos podiam ser especiais ou físicos, permitindo que cada Pokémon pudesse usar o melhor de suas habilidades e status.

Chegamos, então, às últimas iterações da série. Enquanto a quinta geração trouxe o Team Preview (mudando para sempre o metagame competitivo) e novas abilities, a sexta implementou um novo tipo — Fada — para lidar com a crescente ameaça dos dragões e as Mega Evoluções, tornando certos Pokémon mais antigos úteis de novo.
Cê não morre, né?

E que venham mais iterações!

Cada nova geração traz algum melhoria ou mudança, tornando os jogos ainda mais complexos e profundos. Alguns problemas surgem com certas adições, claro. Algumas Mega Evoluções, por exemplo, desequilibraram completamente o jogo e monopolizaram o cenário competitivo — especialmente Mega Rayquaza. Algo para os desenvolvedores refletirem e tentarem resolver na próxima iteração. Entretanto, mesmo com os problemas e desequilíbrios, Pokémon ficou mais interessante e divertido com os anos — apenas iterando seu design e trazendo adições em torno de suas mecânicas básicas.

Apesar de estar em sua sexta iteração, a série está longe de ser perfeita. Quem sabe com mais algumas não fique perto disso? Afinal, grandes clássicos de tabuleiro como xadrez e go, considerados por muitos jogos “perfeitos”, só atingiram a forma que têm hoje depois de sofrerem inúmeras iterações no decorrer de centenas de anos e serem testados por bilhões de pessoas. Talvez em sua centésima iteração Pokémon atinja um status similar.

Revisão: Luigi Santana
Capa: Esdras Ferreira
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