#Persona20th — Persona Q: Shadow of the Labyrinth (3DS)

Etrian Odyssey e Persona se encontram nesse ótimo crossover que é o único jogo da franquia para consoles Nintendo.

Mesmo com a crescente popularidade da série, Persona não aparecia em consoles da Nintendo. Provavelmente, a Atlus sempre pensou que o ideal seria continuar produzindo jogos para os sistemas da Sony, afinal o público cativo estava concentrado neles. Contudo, a desenvolvedora estava enganada: um Persona para 3DS era um dos maiores desejos dos fãs. Por conta disso e do sucesso de Persona 4 Arena (PS3/X360), foi lançado Persona Q: Shadow of the Labyrinth para 3DS, que é um misto de spin-off e crossover. O mais curioso é que o jogo combina conceitos de Persona e da série de dungeon crawler Etrian Odyssey — e a mistura deu muito certo.

O encontro de três mundos

Etrian Odyssey é uma franquia que afasta alguns jogadores por apresentar características como dificuldade acentuada, visual simples e sistemas de jogo mais clássicos. Sendo assim, é um pouco estranho a Atlus ter escolhido justamente essa série para misturar com Persona. Contudo, a explicação tem vários fatores. O primeiro deles é que um dos maiores projetos da Atlus para 3DS na época foi Etrian Odyssey IV: Legends of the Titan, sendo assim a equipe já sabia desenvolver para o portátil. Além disso, EOIV foi dirigido por Daisuke Kaneda, que já participou da produção de Personas. Isso tudo, somado ao fato de que o produtor de Persona, Katsura Hashino, queria fazer mais colaborações e spin-offs, deu origem a Persona Q.

Por ter como foco os fãs da série Persona, não há nada mais natural do que usar uma das características mais marcantes dos jogos, ou seja, seus personagens. Sendo assim, a trama de PQ reúne os heróis de Persona 3 e Persona 4. Tudo começa quando os dois grupos são levados para uma estranha dimensão paralela e são confinados em uma réplica da escola Yasogami de P4. No local, os heróis conhecem Zen e Rei, dois estudantes cujas memórias foram tomadas. Eles descobrem que para sair dessa realidade alternativa, todos devem explorar labirintos espalhados pela escola, que estão repletos de Shadows.


Convenhamos que essa é a ambientação ideal para agradar perfeitamente aos fãs. É muito divertido ver os personagens de ambos os jogos interagindo entre si em situações inusitadas. Esse tipo de recurso já havia sido explorado em Persona 4 Arena, mas em Persona Q o resultado é diferente, pois todos os heróis de ambos os títulos estão presentes na aventura — inclusive aqueles que, por motivos de força maior, não poderiam participar caso a trama se passasse após o término de suas respectivas jornadas. Para deixar tudo ainda mais interessante, há dois caminhos na história, cada qual focado em um dos grupos. O conceito principal da trama não muda, mas as interações e cenas dependem do time escolhido.
O “Q” do nome do jogo é uma referência a Etrian Odyssey, por mais que isso não fique claro no Ocidente. No Japão, a série EO se chama “Sekaiju no Meikyuu”, algo como “O Labirinto da Árvore do Mundo”, uma referência à Yggdrasil da mitologia nórdica. É muito comum lá esse nome ser reduzido para SQ ou MeiQ, sendo S de “sekaiju” e Q da última sílaba de “meikyuu”. Sendo assim, para representar a junção das séries foi escolhida a letra Q.

Exploração com toques clássicos

Como fã de ambas as séries, sempre fiquei me perguntando qual seria o resultado da mistura de franquias tão diferentes. Antes mesmo de jogar PQ, eu imaginei que o título seria um Etrian Odyssey com roupagem de Persona. Depois de muitas horas de jogo, a suspeita se confirmou, contudo, a presença de características de Persona são bem fortes e tornam a experiência única.

O grande foco da aventura de Persona Q é explorar os vários labirintos dessa Yasogami High alternativa, que está celebrando um festival bem similar ao que acontece em Persona 4. Sendo assim, os calabouços são baseados em atrações desse evento, como Alice no País das Maravilhas e “sala do terror”. Por conta disso, os desenvolvedores tiveram a liberdade para criar temas bem distintos sem parecer algo estranho no conceito de cada um dos Personas envolvidos — por mais, que no fundo, tenha sido uma oportunidade desperdiçada não ter algum labirinto baseado no Tartarus de P3 ou no Mundo da TV de P4, na minha opinião.


A exploração de labirintos é idêntica ao que vemos em Etrian Odyssey: andamos pelos locais em uma visão em primeira pessoa, como um dungeon crawler clássico, ao mesmo tempo em que mapeamos a área na tela sensível ao toque do portátil. Existem armadilhas espalhadas, pontos para pegar materiais que podem ser transformados em itens, e até mesmo os FOE, poderosos inimigos que aparecem no mapa e que devem ser evitados a todo custo. Cada andar dos labirintos traz algum puzzle ou mecânica diferente, o que torna a experiência bastante variada. Em alguns lugares, precisamos observar os padrões de movimento dos FOE para prosseguirmos com segurança; já em outros andares, o foco é descobrir o caminho correto em meio a várias armadilhas, e assim por diante.

Confesso que sempre fui indiferente a essa mecânica de cartografia (sempre coloco no modo de desenho automático) e nunca vi real necessidade em marcar manualmente pontos no mapa, mas isso foi diferente em Persona Q. Durante os labirintos, há vários puzzles que exigem marcar certas informações no mapa, sendo praticamente impossível prosseguir sem elas. Em um certo andar, por exemplo, é necessário visitar salas em uma ordem específica para prosseguir, porém a sequência correta está espalhada por pontos diferentes do local e depende da disposição das salas — só anotando tudo no mapa para entender. Além disso, cada andar conta com um baú que só pode ser aberto após mapear todo o local. São recursos que não eram utilizados em Etrian Odyssey e essas novidades trouxeram mais incentivos para construir mapas completos.


No fim das contas, não há muito de Persona na exploração de PQ. Todos os labirintos têm layout fixo, nada de calabouços gerados proceduralmente aqui. O mais curioso é que essas mecânicas remetem muito aos primeiros Personas e até mesmo a Shin Megami Tensei, já que esses jogos tinham fortes elementos de dungeon crawler em primeira pessoa.

Personas e muita estratégia

Assim como a exploração, o combate de Persona Q é fortemente baseado em Etrian Odyssey. O sistema de batalha é por turnos com visão em primeira pessoa, sendo que o grupo é dividido em duas linhas (uma na frente, ideal para ataques físicos; e outra atrás, para suporte e magia). Há grande foco em explorar as fraquezas dos inimigos (as técnicas disponíveis vêm das duas franquias) e em administrar o HP e SP de maneira efetiva. A dificuldade é alta e até mesmo monstros normais podem acabar com o grupo de heróis.


Nesse aspecto,conceitos de Persona estão bastante presentes. O primeiro deles é o sistema de Boost: ao acertar a fraqueza de algum inimigo ou ao fazer um ataque crítico, o personagem poderá executar alguma técnica especial no próximo turno sem consumir HP ou SP. Isto é claramente uma modificação do Press Turn System utilizado amplamente na série, com a diferença de ser mais flexível — é possível usar um ataque bem simples para executar uma técnica de alto custo no turno seguinte. Temos também a presença de opções de suporte (que, dessa vez, podem ser utilizadas em momentos específicos por meio das técnicas de Rise ou Fuuka) e o All-Out Attack (que é ativado de maneira diferente).

As entidades Personas, naturalmente, também estão presentes em PQ. Dessa vez, todos os personagens podem equipar criaturas por meio do sistema de Sub-Personas, que funciona de maneira muito semelhante às subclasses de Etrian Odyssey IV, só que mais flexível. Cada Persona conta com atributos e ataques diferentes, sendo possível combiná-las em monstros mais fortes.

Essa combinação de características resultou em um sistema de batalha familiar e novo ao mesmo tempo. É fácil ver que a base do combate é inspirada em Etrian Odyssey, mas fatores como Boost e Sub-Personas trazem mais identidade. As opções de estratégia são imensas: estão disponíveis 19 personagens diferentes, cada qual com atributos e aptidões únicas. Com a possibilidade de equipar Personas em qualquer herói, há a possibilidade de tentar reduzir alguma deficiência ou então acentuar pontos fortes.


Um ponto que achei ótimo em Persona Q é a maneira como o jogo te incentiva a experimentar e a mudar sempre. Foi muito comum eu chegar em algum ponto no qual os inimigos estavam me dando muito trabalho e só consegui avançar melhor alterando a composição do meu grupo. Mas confesso que em vários momentos montei alguns grupos específicos só por diversão — ver Yu, Makoto, Naoto, Aigis e Koromaru lutando juntos só é possível aqui.

O sistema de Sub-Personas ajuda a trazer variedade aos ataques dos personagens, contudo sempre precisei trocar constantemente as Personas por monstros melhores. Como os inimigos são bem poderosos e a quantidade de SP é muito reduzida, só com experimentação é possível avançar. Acredito que isso foi uma escolha certeira, pois diferencia o título ainda mais de Etrian Odyssey — nessa outra série, sempre utilizei uma única configuração de personagens, já que é muito custoso treiná-los e modificá-los.

Atmosfera estilosa

Enquanto as mecânicas são baseadas principalmente em Etrian Odyssey, a ambientação e o visual são focados em Persona. Isso significa que PQ utiliza da mesma direção de arte estilosa da série, assim como uma trilha sonora marcante. Algo inusitado é a escolha do visual “chibi” para os personagens que, provavelmente, foi feita para trazer identidade ao título e, de quebra, contornar limitações técnicas do portátil. Em um primeiro momento, achei estranha essa direção de arte, contudo passei a gostar depois de algum tempo — é fácil perceber que os designs exploram as características mais marcantes de cada um dos personagens.

Os laços de amizade também são explorados em Persona Q e é especialmente divertido ver os personagens dos dois jogos interagindo entre si. O problema é que não há muito espaço para explorar bem os membros dos dois grupos. Sendo assim, alguns personagens ficaram estereotipados demais: Chie parece somente uma garota louca por carne, Junpei é reduzido a um mero cara irritante, só o lado mulherengo de Teddy é mostrado, entre outros exemplos. De qualquer maneira, gostei demais das mil conversas divertidas (e malucas) que aparecem nos labirintos e na opção Stroll. É notável, também, o fato de que a maioria dos diálogos são dublados.


É uma pena que não foi incluída a mecânica de Social Links, uma das maiores características de Persona, mas até entendo que seria muito difícil implementar isso de maneira satisfatória por conta da quantidade de personagens. Ah, é ótimo também ver as personalidades dos protagonistas de P3 e P4, já que em seus jogos originais eles eram neutros por representarem o jogador — suas falas e personalidades foram baseadas nos mangás e animes da série. Há uma dupla de novos personagens, Zen e Rei, mas, particularmente, eu os achei bem desinteressantes, principalmente pela falta de um bom desenvolvimento em cima deles.

A trilha sonora é incrível e segue o estilo já consolidado da franquia. PQ é repleto de composições elaboradas e com vocais, como o ótimo tema de abertura “Maze of Life” e o tema de batalha “Light Up The Fire in the Night” (que tem duas versões, uma para cada um dos protagonistas). A música é de autoria de Atsushi Kitajoh (Trauma Center) e Toshiki Konishi (Persona 1 e 2 para PSP), e combinam perfeitamente bem com a ambientação, sem deixar de parecer com as composições de Shoji Meguro. Por contar também com o universo Etrian Odyssey, é natural que o compositor dessa série também participasse do projeto: Yuzo Koshiro é o autor de “Disturbances - The One Called from Beyond”, uma faixa que é tocada em um chefe opcional, sendo muito fácil sentir a atmosfera de EO nessa música.

Uma mistura excepcional

Persona Q: Shadow of the Labyrinth é uma aventura cativante que consegue combinar as melhores qualidades das duas séries envolvidas. Mecanicamente, o título é bem próximo de Etrian Odyssey, contudo a atmosfera e os personagens memoráveis fazem com que a experiência, no geral, seja a de um autêntico Persona. É fácil perceber que a intenção é agradar aos fãs da franquia, principalmente por conta da interação entre os heróis. Entretanto, o jogo oferece conteúdo e profundidade capazes de entreter também aqueles que não conhecem a série. Persona Q é mais uma prova do excepcional esmero da Atlus como produtora, mesmo quando se trata de spin-offs.

Revisão:Érika Honda

é brasiliense e gosta de explorar games indie e títulos obscuros. Fã de Yoko Shimomura, Yuzo Koshiro e Masashi Hamauzu, é apreciador de roguelikes, game music, fotografia e livros. Pode ser encontrado no seu blog pessoal e nas redes sociais por meio do nick FaruSantos.
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