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Análise: Liar Princess and the Blind Prince (Switch) é um encantador e melancólico conto de fadas

Título da NIS America nos traz os questionamentos de até onde vale a pena manter uma mentira para proteger alguém e realizar um desejo.



De vez em quando, encontramos aqueles jogos mais tímidos e de menor escala que os ambiciosos AAA da indústria, mas que são capazes de nos conquistar com suas características únicas. Trazendo detalhes singelos, podem surpreender e tornam a experiência de jogá-los até o fim muito gratificante. O resultado nem precisa ser inovador — basta que seja empregado o cuidado suficiente no desenvolvimento, para que algo na obra tenha seu mérito.



É o caso de Liar Princess and the Blind Prince, o simpático título de aventura publicado pela NIS America, cujo destaque está em sua narrativa. A história é contada como um livro de contos de fadas, aberto e narrado por alguém na hora de dormir. Embora vários elementos sejam realmente infantis, outros tem uma temática mais adulta. O jogo tem os seus problemas, mas me surpreendeu mais do que decepcionou.

Uma história sobre arrependimentos

No universo de Liar Princess and the Blind Prince, existe um reino cercado por uma densa floresta, onde habitam criaturas perigosas e assustadoras que usavam seres humanos como alimento. Todas as noites, uma loba que vive no local subia no topo de uma rocha e cantava uma linda melodia em direção à lua. Certo dia, ela  foi surpreendida ao ouvir alguns aplausos, vindos do chão da floresta.

A personagem avistou uma pequena figura lá embaixo: um príncipe que, atraído pela canção, aproximou-se da pedra. Pela primeira vez, aquela solitária loba experimentava a sensação de ter um público de verdade. Satisfeita por isso, ela decidiu que não faria nada de mal àquele humano que, por sua vez, não conseguia ver a figura que o encarava do topo da rocha.



Apesar dos perigos que existiam, o príncipe retornava para o local todas as noites para ouvi-la cantar. Certa vez, na intenção de descobrir a quem pertencia aquela voz, ele decidiu escalar a rocha. Sua aproximação foi percebida pela loba com temor: qual seria sua reação ao descobrir que se tratava de uma criatura como ela? Assim que chegou ao topo, o animal usou suas enormes patas para bloquear a visão do príncipe. Porém, o ato acabou ferindo os olhos do menino, deixando-o completamente cego.



Neste ponto, o jogo apresenta uma de suas abordagens: o arrependimento. Tentando desfazer o seu erro, a loba pede a ajuda de uma poderosa bruxa que reside na floresta. Através de um acordo, ela adquire o poder de assumir a forma de uma princesa humana e, então, vai de encontro ao menino no castelo. Assim, a perigosa jornada dos dois pela floresta tem início — motivada pela promessa da bruxa de recuperar a visão do garoto, caso ele seja levado até lá. A grande questão é que o príncipe não sabe que a princesa é, na realidade, a criatura responsável pelo seu infortúnio. Conforme a história avança, acompanhamos mais uma abordagem interessante: o quanto vale a pena sustentar uma mentira para proteger alguém?


A jornada do príncipe cego

Liar Princess and the Blind Prince é essencialmente um jogo de aventura com puzzles no caminho, além da presença de vários inimigos, que são os monstros da floresta. Controlada pelo jogador, o objetivo da princesa será proteger o príncipe e guiá-lo até o fim de cada fase. Por estar cego, ele não sabe para onde ir por contra própria e é incapaz de se defender. Portanto, o jogador precisará planejar sua estratégia para movimentar os dois personagens, evitando perigos e superando obstáculos.



Ao apertar o botão Y, a princesa dá a mão ao príncipe e este passa a acompanhá-la, caso os personagens estejam próximos. O interessante dessa ação é observar a reação dos dois: eles ficam apreensivos e tristes enquanto estão separados, mas ao se darem as mãos, demonstram sorrisos de tranquilidade. Somente como uma humana ela consegue acompanhar o garoto, além de interagir com alguns elementos do cenário e passar por lugares mais apertados — por outro lado, nesta forma ela é tão frágil quanto o menino.



É possível trocar para a forma de loba com o botão X, o que permite atacar inimigos e defender o príncipe. Seu tamanho aumenta bastante, possibilitando alcançar lugares mais altos e se tornando resistente a danos. O peso da forma de loba vale o dobro de um humano, o que afeta certos elementos do gameplay. O botão B permite saltar, sendo que o príncipe costuma pular cerca de meio segundo após a princesa.

Andar de mãos dadas com o menino, alternar entre as formas humana e bestial da princesa e eliminar inimigos são as principais ações que o jogador terá à disposição para avançar pelos cenários. Mais à frente na história, novas mecânicas são introduzidas — como de dar comandos ao príncipe para andar para uma direção ou pegar algum objeto. Mas não espere um game muito desafiador, pois os puzzles são simples e poucas vezes me vi em alguma situação mais trabalhosa para superar.



A maioria dos desafios envolvem movimentar plataformas, ativar alavancas ou atravessar abismos. Essa baixa dificuldade se mantém até o fim do jogo. Se por um lado isso é bom, ao tornar o gameplay mais acessível, também pode acabar afastando os jogadores que procuram por um título um pouco mais desafiador.

Mesmo assim, o jogo oferece um recurso para pular para a próximo nível após 10 minutos de jogatina. Essa opção não faz muito sentido, já que não estamos falando de um jogo que tenha desafios complexos. Também não há espaço para muita exploração, já que os caminhos das fases são bastante lineares. Até os colecionáveis (que desbloqueiam artes conceituais extras nas galeria) são fáceis de encontrar. A campanha também não é muito longa, e em cerca de 6 horas é possível chegar ao fim da jornada. Essas características resultam em um baixo incentivo para retornar ao jogo, uma vez que seja concluído.



Também há pequenos problemas de gameplay relacionados à movimentação dos personagens. Após saltarem em algumas situações que normalmente acertariam o pulo, um deles pode não conseguir alcançar a plataforma desejada. As animações são muito travadas, e podem induzir o jogador ao erro e fazê-lo cair. Algumas vezes, o comando de movimentação do príncipe o colocava posicionado na beira de uma plataforma, e do nada, ele caía sozinho depois de um tempo. Qualquer queda um pouco mais alta resulta na morte (exceto na forma de lobo), o que pode ser um pouco frustrante.

Um conto de fadas profundo

A apresentação da história de Liar Princess and the Blind Prince é o aspecto mais interessante do jogo. No lugar de cutscenes animadas, temos belas ilustrações acompanhadas de legendas e narração — o que inclui as falas dos personagens. A arte chama a atenção, tendo belos detalhes e esquemas de cores que os fazem parecer um livro. O design do título foi criado por Sayaka Oda, que foi a vencedora de um concurso anual da NIS America.



Essa beleza se apresenta tantos nos momentos dedicados à história, sem interação do jogador, quanto durante o gameplay. São belíssimos cenários desenhados à mão que conferem um tom mágico, belo e até um pouco assustador ao jogo. A trilha sonora ajuda a manter esse toque especial: ela é competente e confere ainda mais uma ambientação clássica de histórias sobre príncipes, princesas, monstros e bruxas ao jogo.

A forma bestial da princesa se apresenta com um monte de garranchos, como se uma criança de quatro anos tentasse representar no papel um monstro de um pesadelo. Os dois olhos da loba sempre aparecem do mesmo lado da cabeça. É um contexto interessante e proposital, destacando-se de todo o resto bem desenhado e detalhado. Em alguns momentos de clímax, o estilo de arte brilhante e vivo é substituído por outro mais simples, sem cores e com linhas fortes, chamando bastante a atenção. Essa diferença no visual ajuda a destacar ainda mais os momentos intensos que o enredo apresenta.



Por mais que a princesa faça o possível para que o príncipe não descubra a verdade, diversas situações ocorrem na história tornam as mentiras cada vez mais frágeis. Por um lado, são acontecimentos até um pouco infantis — uma criança poderia até nem notar a tensão da personagem por trás de tudo. Mas, todo o tempo, o jogo coloca em questão o quanto vale a pena manter uma mentira. Seja para realizar um desejo, proteger alguém amado ou tentar desfazer algo de errado que fizemos a um amigo. Essa abordagem me prendeu aos personagens e me fez ficar interessado na história até o fim do jogo.


Uma obra singela, embora imperfeita

Liar Princess and the Blind Prince é um jogo para quem procura uma boa história, com uma linda arte, trilha sonora competente e gameplay aceitável, ainda que um pouco problemático. Não é o mais indicado para quem procura algo mais desafiador. É uma obra que tem seus méritos e vale a pena acompanhar, principalmente se você se identificar com os questionamentos que a história propõe. No fim das contas, é realmente como se fosse um conto de fadas, para curtir sem muito esforço e esperar pelo final feliz.

Prós

  • História excelente, cativante e bem conduzida;
  • Belíssimo estilo de arte;
  • Personagens carismáticos;
  • Trilha sonora competente.

Contras

  • Dificuldade baixa demais;
  • Problemas de gameplay um pouco frustrantes;
  • Baixo fator replay.

Liar Princess and the Blind Prince — Switch/PS4 — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch

Revisão: André Carvalho
Análise produzida com cópia digital cedida pela NIS America

Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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