Blast from the Past

Sonic and the Black Knight (Wii) completa dez anos e nos perguntamos: ele era tão ruim assim?

A segunda (e última) incursão do ouriço nos clássicos da literatura foi considerada um fracasso em seu tempo — mas quais foram os motivos que implicaram nessa derrocada?


Às vezes, a impressão é que a Sega não sabe o que fazer com o Sonic. Não de uma maneira necessariamente ruim — embora às vezes seja o caso —, mas no sentido de aplicá-lo em uma série de ideias aleatórias que, à primeira vista, não condizem com o personagem de maneira alguma. Afinal, qual seria a justificativa factual para incorporar o personagem Sonic dentro de clássicos da mitologia e literatura? Que tipo de brainstorming foi realizado pela Sonic Team até chegar nesse inusitado casamento?


Pois bem, o primeiro título advindo desse processo foi Sonic and the Secret Rings (Wii). Nele, o Ouriço cai no sono enquanto lia As Mil e Uma Noites e ele é acordado por uma entidade chamada Shahra, que se intitula como uma Gênio dos Anéis. Ela pede a ajuda do nosso herói para enfrentar um poderoso vilão conhecido como Erazor Djinn, cujo objetivo é coletar os sete World Rings e usar o seu poder para moldar o mundo árabe à sua própria forma.

Dessa maneira, Sonic precisava se aventurar pelas histórias das conhecidas Noites Árabes em uma corrida contra o tempo para reunir esses sete anéis secretos. Seus famigerados amigos também estão lá, mas caracterizados como personagens clássicos da mitologia árabe. Tails, por exemplo, foi representado como Ali Babá, enquanto Knuckles assumia o papel de Sinbad. Robotnik, por sua vez, assumiu o papel do Rei Shahryar, o Rei que noite após noite era enganado por sua noiva, Sheherazade, cujas histórias sempre eram interrompidas num cliffhanger no intuito de despertar a curiosidade de seu esposo e impedir que ela fosse decapitada na manhã seguinte.

Apesar da história incomum, o título ainda contava com um gameplay bem tradicional para os Sonics em perspectiva 3D, com o protagonista se movimentando por um caminho pré-determinado, quase como um desses endless runner. A diferença é que, com o Wii Remote na horizontal, o ouriço começava a correr com um movimento de inclinação do controle para frente, enquanto ele poderia desviar dos obstáculos virando para a esquerda ou direita. O pulo e o famoso homing attack eram realizados ao apertar do botão 2.

Embora não seja um sucesso estrondoso, é possível afirmar que Sonic and the Secret Rings repercutiu positivamente. O fato de ter se saído mediano nas críticas somado às vendas consideravelmente boas acabou beneficiando o ouriço, que tinha acabado de amargar o fracasso de Sonic The Hedgehog (X360/PS3). Isso levou à produção de uma sequência enviesada na mesma temática, mas deixando a ambientação árabe e se aprofundando um pouco na história bretã.


Do Oriente Médio para a Idade Média

A história de Sonic and the Black Knight (Wii) é bem parecida com a de seu antecessor. Aqui, Merlina, neta do lendário feiticeiro Merlin, acaba invocando Sonic para o seu universo no intuito de salvá-la de um Rei Arthur corrompido pelos poderes de imortalidade garantidos pela bainha da Excalibur. Cabe então ao ouriço empunhar a própria espada lendária e salvar o reino.

Eventualmente, ele acaba se encontrando com as versões arturianas de sua turma. Gawain, Percival e Lancelot, três cavaleiros da Távola Redonda, foram encarnados respectivamente por Knuckles, Blaze e Shadow. Os três se tornam personagens jogáveis em determinado ponto do jogo e contam com variações de gameplay que Secret Rings não tinha, podendo empunhar diferentes armas que não sejam Caliburn — que nada mais é do que outro nome para Excalibur. Além deles, Amy, Silver e Jet representam A Senhora do Lago e os cavaleiros Galahad e Lamorak. Tails, indiscutivelmente considerado o principal sidekick do herói, acaba assumindo o papel de um simplório ferreiro. Paciência.


A Espada Era a Lei — Infelizmente

Um dos grandes motes em relação à produção e desenvolvimento de jogos para o Wii era justamente o pensamento de que o sensor de movimento era a grande ideia mercadológica por trás do aparelho — e não estavam errados nisso — e, portanto, era estritamente necessário que os jogos precisassem, necessariamente, centralizar a sua jogabilidade em tal gimmick — agora sim já encontramos o erro. 

Dessa forma, em oposição à Sonic and the Secret Rings, que contava com um gameplay simplificado do Wii Remote na horizontal, Black Knight já foi concebido com o intento de se aproveitar dessa característica singular do Wii. Na prática, isso fez com que o jogador tivesse que balançar o controle todas as vezes em que o personagem tivesse que brandir sua espada. O principal problema por trás disso é que, primeiramente, há muitos inimigos em nosso caminho, fazendo com que o WiiMote tivesse que ser constantemente chacoalhado. Como se isso não bastasse, o próprio game não colaborava e apresentava um tempo de resposta pouco refinado, além do fato de exigir uma sincronia rítmica, visto que um chacoalhão na hora errada brecava o personagem e o fazia ter que embalar na corrida novamente.  



A questão é que a graça de Sonic é justamente sua velocidade exacerbada, dessas em que o personagem disparava pelo cenário e o jogador apenas fingia que sabia para onde estava indo e o que estava acontecendo na tela. Ser atingido por um inimigo, perder os anéis acumulados e ter que começar a correr novamente é uma coisa. Agora, ver uma coisa dessas acontecendo por uma falha de jogabilidade — e não do próprio jogador — é outra completamente injusta e que acabou prejudicando muito o resultado final.

Outro ponto singular ao longo do gameplay é a existência dos Soul Surge, que funciona quase como um quicktime event, quando é necessário chacoalhar o Wii Remote nos momentos certos para que o ouriço emende os ataques entre um inimigo e outro utilizando o mesmo movimento do homing attack. O problema é que tal mecânica também é vítima dos controles imprecisos.


Quantos livros Sonic leu na vida? Dois.

Não leve Sonic and the Black Knight a mal. Ele não é um jogo essencialmente desastroso, mas ainda está muito distante de ser considerado bom. Conceitualmente, ele é interessante. A trilha sonora é realmente marcante — talvez pela dificuldade artificial promovida pelos controles falhos, nos fazendo ficar presos numa mesma fase por uma eternidade até superá-la. O visual é esplendoroso para o aparelho em que ele rodava. O problema central é que o título exige uma habituação desnecessária por parte de quem o joga no sentido de se acostumar com a jogabilidade medíocre em vez de simplesmente apresentar um gameplay minimamente funcional desde o princípio.

Por conta disso, Black Knight não conseguiu surfar na mesma desculpa de Secret Rings, que pareceu levemente melhor do que realmente era por causa da tragédia que era seu antecessor direto, mesmo que aqui nós estejamos falando do pífio Sonic Unleashed (Multi). Talvez seja por isso que as incursões de Sonic pelo mundo da literatura tenham ficado por aí. 

Sabe o que é pior? Falamos tudo isso de Sonic and the Black Knight. Mesmo em seu tempo, ele já era considerado um game não essencialmente ruim, mas apenas mais um título para ser esquecido. Aí a Sega foi lá, mandou um “espera aí, segura meu saquê por um minuto para eu mostrar uma coisa” e produziu Sonic Boom (Wii U/3DS). 

Revisão: Vinícius Fernandes

É jornalista formado pelo Mackenzie e pós-graduado em teoria da comunicação (como se isso significasse alguma coisa) pela Cásper Líbero. Tem um blog particular onde escreve um monte de groselha e também é autor de Comunicação Eletrônica, (mais um) livro que aborda história dos games, mas sob a perspectiva da cultura e da comunicação.
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