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Análise: Shakedown: Hawaii (Switch) combina roubo de carros e simulação de negócios antiéticos

"GTA retrofuturista" é um sucessor espiritual divertido e inspirado para Retro City Rampage.


Após estrear com o charmoso Retro City Rampage (Multi), a produtora VBlank volta a explorar a premissa de um Grand Theft Auto ao estilo retrô com seu sucessor espiritual, Shakedown: Hawaii (Multi). De volta aos anos 80, a nova aventura traz uma ambientação a la Miami Vice que troca os arcades e a jogatina 8-bits por um retrofuturismo vaporwave de fazer inveja a qualquer assassino de aluguel com fantasia de animal.


Combinando as mecâncias tradicionais e já consagradas do subgênero com um novo aspecto de gerenciamento de "negócios", o jogo chega prometendo não apenas um upgrade gráfico em relação ao antecessor, mas também uma experiência mais complexa e variada. Será que ele dá conta do recado?


Reconstruindo a carreira

O CEO da Feeble Industries, um respeitável conglomerado comercial do Havaí, pensou que estava com a vida feita para sempre. Após sua rápida ascensão financeira durante os anos 80, o cara arrumou tempo para coroar sua renda mensal com os royalties de seu livro de conselhos sobre gestão de negócios, "My Company Runs Itself: I'm at the Beach" ("Minha Empresa se Administra Sozinha: Estou na Praia"). Cumprindo a proposta do título, o empresário se considerou aposentado, curtindo sua rotina entre a praia e sua mansão e deixando todas as preocupações nas mãos de pessoas contratadas.

Trinta anos depois, no entanto, a saúde financeira da Feeble acaba atingindo seu ponto baixo. São novos tempos: as vendas via internet estão acabando com o varejo, o streaming prejudica o lucro das locadoras de vídeo e as novas estratégias de marketing tem deixado os métodos quadrados da Feeble comendo poeira nos rendimentos mensais.

Como bom administrador que é, o CEO sabe que "o olho do dono é o que engorda o boi". De volta ao comando após décadas de férias, o cara está determinado a jogar qualquer jogo sujo que seja para alçar a Feeble de volta ao seu lugar de direito. Ou então, quem sabe, um pouquinho além — talvez se tornar o dono da ilha inteira seja o bastante para saciar o apetite de poder do velhote?

Quando falamos em qualquer jogo sujo, é no sentido literal: não são só as cartas do marketing agressivo ou da espionagem industrial que estão na mesa, mas sim um verdadeiro arsenal de crimes que vão do estelionato ao homicídio, passando por todas as variantes de sabotagem possíveis! Juntam-se ao CEO em sua nada nobre missão o seu filho Scooter, um punk aspirante a DJ sem grandes ambições; e o mercenário de aluguel Al, inicialmente responsável pelos "serviços sujos" em disputas de terras além-mar. 


Enquanto o antecessor Retro City Rampage homenageava principalmente os games retrô e a cultura pop dos anos 80, Shakedown Hawaii opta por trazer uma paródia bastante inspirada de Grand Theft Auto, situada em um carismático ambiente retrofuturista. 

O roteiro minimalista investe muito no humor, fazendo sátira não apenas das tramas criminalísticas de GTA, como principalmente de temas pouco comuns como práticas anti-éticas de marketing e de relações da indústria com o consumidor em geral.



O surrealismo da ambientação e os personagens caricaturais garantem que os eventos totalmente sem sentido da trama convençam bem dentro de seus limites. As cutscenes trazem situações cômicas focadas mais na paródia cultural do que em personagens e, embora bastante numerosas (e um tantinho repetitivas), permanecem interessantes e imprevisíveis do início ao fim.

Grand Theft Vaporwave

Apesar de muitos anos terem se passado desde o auge da carreira do nosso personagem principal, a cidade não mudou tanto desde então: os smartphones ostentam telas de LED desenhadas diretamente no centro dos telefones celulares do tipo "tijolão", fitas cassete competem lado a lado com serviços de streaming e os tablets rodam sistemas operacionais que lembram o saudoso Windows 3.1  —  tudo isso embalado a um estilo audiovisual que é synthwave puro.

Os gráficos ao estilo 16-bits são o upgrade mais imediatamente notável em relação à ambientação 8-bits do jogo anterior, e um dos pontos altos de toda a experiência. Desde o nível de detalhamento dos sprites dos carros e construções até as mais diversas animações, tudo no jogo é construído com ares autênticos que convencem como um produto da época, algo que é raro mesmo com a profusão do estilo nos dias de hoje.

A trilha sonora é outro destaque à parte, complementando perfeitamente os visuais coloridos com faixas empolgantes (e grudentas na cabeça) que parecem ter saído diretamente do processador de som de um Mega Drive. Fãs do estilo terão um atrativo imediato sob a forma do audiovisual do jogo, um conjunto bem mais detalhado que de seu predecessor e que traz um trabalho detalhista que é digno de nota.

A jogabilidade, por sua vez, não traz grandes novidades ou transformações em relação ao jogo anterior, podendo ser descrita de forma sucinta como uma releitura arcade dos dois primeiros GTAs. Em um esquema de mundo aberto e com visão de sobrevôo, o jogador controla seus personagens ao longo de um conjunto generoso de missões de história, participa de desafios opcionais ou então propaga o caos livremente pela ilha.



Além de contar com um arsenal razoável de armas (que vão das tradicionais pistolas e fuzis até opções menos ortodoxas, como um secador de cabelos), o roubo de veículos é o grande elemento central da ação. Tanto os controles veiculares quanto os comandos do personagem em "modo pedestre" são fluídos e bem responsivos, reproduzindo com precisão a jogabilidade arcade intentada  —  não é necessario temer a experiência um tanto travada dos GTAs mais clássicos.

A tonalidade leve dá as caras também nas mecânicas. Por exemplo, o atropelamento dos civis e a destruição geral da cidade rendem pontos, e é possível tocar o terror ao estilo Mushroom Kingdom, pulando na cabeça de seus adversários para matá-los. Essas mecâncias são muito bem exploradas também através de vários desafios ao estilo arcade espalhados por todo o mapa.



Para além da construção inspirada das mecânicas de GTA em estilo 16-bits (ficando, assim, milhas à frente dos próprios games iniciais da franquia de sucesso), o game investe em um aspecto de gerenciamento de propriedades, que adiciona uma camada de simulação ao estilo tycoon à experiência tradicional de roubo de carros e tiroteios desenfreados com a polícia.


"Mas e aí, será que o crime compensa?"

Enquanto Retro City Rampage é uma experiência que ganha o jogador pela absoluta simplicidade, Shakedown: Hawaii traz uma premissa mais ambiciosa, dando enfoque à missão pessoal do CEO em se tornar proprietário de cada metro quadrado do paraíso oitentista que chama de cidade natal. 

Para tanto, o jogador administra não apenas os inventários e as fortunas pessoais de cada um dos três personagens controláveis, mas também gerencia todo o patrimônio financeiro do conglomerado que o velhaco vai expandindo desde que retorna da praia para reverter a situação da Feeble.



A parte principal do jogo se desenrola no esquema conhecido de mundo aberto: escolhendo entre missões de história e sidequests, uma série de desafios variados vai levando nosso personagem de aquisição a aquisição. Em geral bastante curtas em extensão, cada missão é emoldurada por pequenas cutscenes de diálogo que apresentam o novo esquema (ou o próximo passo do esquema antigo) do velho golpista, retratando sua descida gradual rumo à total imoralidade.


Da descoberta terrível do clickbait até a participação em reality shows violentos, passando por disputas territoriais por plantations em terras estrangeiras, a jornada é um percurso de muita insanidade temperado com momentos aleatórios. Ainda que o humor específico possa não agradar a todos, a leveza e simplicidade da trama devem ser o suficiente para manter o jogador ao menos curioso a respeito do que acontecerá em seguida. 

Se em um minuto controlamos o CEO enquanto ele intimida um proprietário local a vender seu negócio, no momento seguinte acompanhamos Scooter na tentativa de jogar um game frustrante onde todo o conteúdo está trancado atrás de lootboxes. Enquanto os updates do jogo vão sendo baixados, cortamos para as desventuras de Al, que metralha soldados de guerrilha em meio à floresta caribenha.

Enquanto o roteiro traz essa marca bem agitada e inventiva do início ao fim, em termos de mecânicas a variedade por vezes não é tão empolgante assim. Embora traga jogabilidade sólida e ágil, o design das missões é uma caixa de surpresas, entregando sequências bacanas mas por muitas vezes pecando pela simplicidade e brevidade dos conflitos.

Fica a impressão de que era possível explorar mais a fundo cada mecânica proposta, através de delineamentos mais complexos de missão. Por outro lado, os segmentos mais curtos facilitam para a jogatina portátil  —  ponto para a versão do Switch, que se torna uma excelente pedida para uma sessãozinha rápida de ação ao estilo arcade.


Cada personagem traz seu próprio estilo de missões: o CEO é o multitarefas que faz de tudo um pouco, mas normalmente se concentra em atividades de chantagem e extorsão. Trata-se do personagem mais "poderoso", uma vez que é possível colocar uma quantia do patrimônio da Feeble para ser sacada diariamente como seu salário, o que dá um bom aporte financeiro para suas atividades ilícitas. 

O velhote também se envolve em divertidas (e absurdas) missões em percursos de desafio plataformescos e arenas de combate, sob a desculpa de participar (como toda boa celebridade em decadência) de um bizarro reality show televisivo.



Scooter acaba cuidando das atividades mais rasteiras do aspecto criminalístico: pequenos furtos de carros, roubo de casas e contato de frente com gangues amadoras. No restante do tempo, o cara coleciona micos que vão desde cair no já citado esquema abusivo de lootboxes até as tentativas falhas de emplacar sua carreira musical. 

Completando o trio de facínoras, o misterioso Al passa boa parte do jogo em um cenário totalmente diferente: lutando contra milícias em uma guerrilha feroz pelo controle de fazendas em uma área rural caribenha, suas missões trazem grandes tiroteios com mecânicas de cover e escapadas heróicas por entre rios e florestas.




Os shakedowns, mecânica que dá nome ao jogo, são um dos elementos de sidequest mais comuns de toda a experiência. Trata-se da intimidação dos estabelecimentos locais: inicialmente para se obter a cobrança de uma "taxa de proteção", mas seu uso principal é liberar o estabelecimento em questão para a compra. 

Essas missõezinhas variam entre a boa e velha depredação das lojas até estratégias mais criativas como atropelar o proprietário e arrastá-lo pela rua ou jogar papel higiênico nos vasos sanitários do lugar. Para essas missões, o CEO garante seu anonimato através de um disfarce vilanesco customizável.

São centenas de construções compráveis que vão desde lojas de roupas, barbeiros e cafés até lojas de armas, supermercados e fliperamas. Alguns locais encontram-se desde o início disponíveis para a compra, enquanto outros dependem de objetivos diversos para serem habilitados para shakedown e posterior aquisição. 

O aspecto gerencial é bastante simplificado: basicamente, o jogador escolhe entre investir o caixa da Feeble comprando novos edifícios ou aplicando multiplicadores para boostar os lucros de empresas já adquiridas. Esses multiplicadores são habilitados em sua maioria através de missões de história (embora alguns apareçam a partir de sidequests), e consistem em estratégias variadas de marketing selvagem.

Através de uma interface bastante básica, o jogador checa os rendimentos diários de cada parte de seu patrimônio e administra seus multiplicadores. Como o objetivo é ser dono da ilha inteira, não há qualquer opção de venda: "Nenhuma propriedade a menos!" é o lema do CEO. A progressão dessa frente se dá de forma bastante linear e, embora peque um pouco pela simplicidade, acaba divertindo (e viciando) bastante, no mínimo pelo aspecto obsessivo em ver os números crescendo sem parar.


Uma maior integração entre a parte administrativa e as sequências de ação poderia beneficiar bastante a experiência. Talvez mais sidequests ligadas às propriedades compradas pudesse trazer mais variedade e tornar a experiência ainda mais completa: as missões de conquista de Al e a coleção de carros da Subprime Auto são alguns dos aspectos mais legais do jogo, e fazem pensar que mais conteúdo do tipo ajudaria a trazer mais variedade. Porém, dada a extensão do jogo, para um indie ao estilo arcade tão acessível e divertido é difícil ver esse aspecto como algo menos do que um belo bônus de conteúdo. 

Ainda assim, a jogabilidade primorosa e a diversão viciante não deixam de dar espaço a um pequeno incômodo em determinados momentos, a respeito da fluidez do jogo. O sequenciamento de missões muito curtas com cutscenes numerosas corta um pouco a fluência em algumas partes, e é compreensível que o jogador se incomode com a repetitividade das tarefas, após sessões mais alongadas de jogo. 



Com uma engine tão funcional, parece uma oportunidade um tanto desperdiçada a ausência de mapas de missão mais complexos e, talvez, ação mais variada e desafiadora, ao menos para pontuar os momentos mais importantes da trama. Em especial, a parte gerencial acaba tendendo a ficar muito fácil a partir de determinado ponto da história, já que os lucros diários vão subindo exponencialmente e é possível acumular quantias exorbitantes em caixa apenas deixando os (rápidos) ciclos diários passarem enquanto se toca o terror pela cidade.



Trata-se de um daqueles games em que, mesmo com as falhas bem reconhecidas, a diversão acaba pesando muito mais no longo prazo. Com um patch recente trazendo diversas melhorias necessárias para a interface (e corrigindo alguns bugs elementares ainda presentes na versão de lançamento), o jogo é garantia de diversão retrô para todo fã de um bom caos urbano em mundo aberto. Só não se deve esperar muitas inovações em termos de jogabilidade, em comparação ao título anterior.

Como sandbox de ação arcade com temática de GTA, Shakedown: Hawaii consegue entregar tudo o que promete e mais um pouco. Ainda que seu lado mais experimental peque pela simplicidade e linearidade, tomado como o projeto de pequeno porte que é o jogo não deixa de encantar do início ao fim — e ao longo das inúmeras digressões no meio do caminho. Afinal de contas, aquela viatura foi quem me cortou, hein!

Prós

  • Belíssimos gráficos 16-bits, com sprites e animações detalhados e com feeling retrô autêntico;
  • Excelente trilha sonora complementa os visuais perfeitamente;
  • Jogabilidade estilo arcade fluída, ágil e viciante;
  • Humor inusitado e imprevisível;
  • Mecânicas inventivas de gerenciamento trazem ares novos (e igualmente viciantes) à fórmula já conhecida.

Contras

  • Ausência de missões mais longas e complexas;
  • Repetitividade pode incomodar em sessões de jogo mais longas;
  • Economia mal balanceada torna a parte de gerenciamento fácil demais após certo ponto.
Shakedown: Hawaii — Switch/PC/PS4/PSVita— Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Análise produzida com cópia digital cedida pela Vblank Entertainment, Inc.

é gamer pra todo jogo, mas tem predileção por títulos retrô e um bom e velho JRPG. Sonic, Donkey Kong Country, Ratchet & Clank, Final Fantasy e Disgaea são algumas das séries que formaram a paixão pelos games, desde que ganhou seu Mega Drive, muitos (nem tantos!) anos atrás. Além de escrever para o Nintendo Blast e Game Blast, pode ser encontrado tagarelando no Plano Crítico.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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