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Análise: Clannad (Switch) vai te fazer rir e chorar ao mesmo tempo

Transbordando conteúdo, a Visual Novel de romance e comédia chega pela primeira vez a um console da Nintendo.



Clannad é uma Visual Novel (VN) de romance originalmente lançada no longínquo ano de 2004 para PC. O jogo foi desenvolvido pela Key VisualArts e, ao longo dos anos, recebeu diversas adaptações para vários tipos de mídias. Já existem animes, live-actions, áudio dramas, mangás e até livros adaptando a obra. Entre todas, a adaptação para anime produzida pela Kyoto Animation foi a que mais ficou popular no ocidente.


No entanto, apesar do aparente sucesso, a Visual Novel original nunca havia sido lançada oficialmente para a língua inglesa até o ano de 2015, quando recebeu uma tradução para o port da Steam. Em 2019, finalmente chegou a vez do Switch de receber o jogo. Depois de tanto tempo, será que ainda vale a pena acompanhar a história de Clannad pelo híbrido da Nintendo?

Essa análise é dedicada aos trabalhadores e às famílias diretamente afetadas pela recente tragédia envolvendo o estúdio Kyoto Animation no Japão. Que todas as vítimas do atentado possam descansar em paz.

Visual novel e as limitações do gênero

Antes de introduzir Clannad, primeiro se faz necessário explicar o que é uma Visual Novel. Jogos desse gênero funcionam basicamente como uma espécie de livro interativo, onde o jogador acompanha uma história dividida em várias rotas alternativas que são selecionadas e alteradas de acordo com as decisões tomadas. 

Trata-se de uma fórmula parecida com a de jogos no estilo de Heavy Rain (Multi), porém com uma execução bem mais limitada. Escolher a decisão a ser tomada em determinadas situações é a única ação que o jogador pode exercer. Além dos textos, a trilha sonora, a dublagem e as ilustrações são os principais recursos utilizados para contar a história de uma VN.

Entendendo isso, finalmente podemos começar a falar de Clannad. A história do jogo é inteiramente contada através dos olhos de Tomoya Okazaki, um estudante delinquente que não sente mais prazer na vida. Em um passado recente, ele vivia brigando violentamente com o pai e, por isso, acabou desenvolvendo feridas físicas e mentais que prejudicaram bastante a sua vida escolar.

Essa mentalidade depressiva do Tomoya começa a mudar conforme ele se aproxima de Nagisa Furukawa, uma estudante tímida e misteriosa que também aparenta não estar muito feliz consigo mesma. A partir desse evento, outros personagens importantes são apresentados e o rumo da história começa a se desenvolver de acordo com as decisões do jogador.


O último ano do colegial

A história de Clannad pode ser dividida essencialmente em dois pedaços diferentes: o início “Slice of Life” e o After Story. A primeira parte funciona como um romance colegial e a segunda é um drama adulto que trata de temas mais pesados. O arco inicial será analisado primeiro por ser, tecnicamente, a história principal, enquanto o After Story é tratado como um extra dentro do próprio jogo.

Como já dito, o arco inicial é um típico anime escolar, onde acompanhamos Tomoya no seu conturbado dia-a-dia. A premissa parece genérica à primeira vista, e talvez ela realmente seja, mas o desenvolvimento da trama compensa essa falta de originalidade com a introdução de um mundo misterioso que deixa o jogador instigado a descobrir tudo que há por trás.

Esse elogio também pode servir para o elenco de personagens. Tem a “tsundere” agressiva, o amigo burro que serve de alívio cômico, a menininha tímida e inocente, a garota tomboy e todos os outros arquétipos clichês que você pode imaginar. Por incrível que pareça, o que destaca o elenco de Clannad em meio a tantos outros é o seu protagonista.

Sarcástico, desinteressado e “trollador”, Tomoya é um protagonista completamente diferente do que você já viu por aí. Graças à sua personalidade contrastante, qualquer personagem ganha mais carisma perto dele. Basicamente, o Tomoya é a engrenagem central que extrai o máximo de potencial dos que estão à sua volta.

A primeira parte de Clannad se destaca pelo ótimo uso da comédia como ferramenta para fortalecer os laços entre o jogador e os personagens. Tudo que envolve humor na obra é simplesmente genial, no sentido mais puro da palavra. O humor é executado de forma tão magistral que a narrativa consegue desenvolver personagens, amarrar a trama e trabalhar em cima de assuntos delicados ao mesmo tempo que arranca risadas do jogador. Não é exagero! Prepare-se para rir muito.

Avalanche de emoções

Quando o assunto é After Story, qualquer comentário sobre Clannad ganha um clima completamente diferente. Podemos dizer que a primeira parte é apenas uma grande preparação para estabelecer e desenvolver todos os elementos necessários para que você se importe com os personagens que estão ali. A verdadeira montanha russa de emoções está prestes a começar.

Qualquer menção aos acontecimentos de After Story por si só já é um tremendo spoiler, portanto será necessário abordar esse arco de forma mais superficial para não prejudicar a experiência de nenhum leitor. Ao menos isso eu posso dizer: você vai se emocionar muito com o desfecho da trama.

A narrativa de Clannad brilha mais do que nunca em After Story. É instigante, emocionante e tão bem escrita que é impossível parar de jogar antes de saber o final. Todas os temáticas sérias que a história aborda finalmente são amarradas em um dos finais mais comoventes e tristes da história da ficção.

O maior problema de After Story, no entanto, é o imenso trabalho necessário para poder jogá-lo. Para isso, você precisa completar todas as treze rotas principais. Se a campanha de uma única rota já é desnecessariamente longa, imagine ter que fazer isso oito vezes para liberar a melhor parte do jogo. Essa demora excessiva, inclusive, pode fazer com que o jogador perca a motivação para acompanhar o resto da história. Não é todo mundo que tem esse tempo disponível.

Por outro lado, isso também significa que Clannad é recheado de muito conteúdo para manter os jogadores entretidos. Aliás, bota recheio nisso! O jogo contém cerca de 1 milhão e 29 mil palavras em inglês. Tal número é maior do que a soma de toda a série de livros do Harry Potter. É simplesmente surreal! Nem os três livros de Senhor dos Anéis somados chegam perto desse número absurdo.

Para o bem ou para o mal, a narrativa definitivamente se alonga bastante para algo que, em sua maior parte, é apenas um “slice of life”. No Switch, a portabilidade e a maior facilidade para acompanhar a história podem amenizar esse problema, porém ainda é necessário muita dedicação para ler as toneladas de texto da obra.

O melhor pão da cidade

Todos os personagens de Clannad, com exceção do protagonista, são dublados em japonês. Até os figurantes mais aleatórios tem uma voz para chamar de própria. Essa quantidade colossal de diálogos dublados em Clannad é uma raridade entre as Visual Novels, que geralmente só contam com dublagens nas cenas mais importantes.

A qualidade da dublagem em si segue o padrão que se espera da indústria japonesa. As vozes são carismáticas, expressivas e agradáveis de se ouvir até para quem não entende nada da língua. Mesmo com a ausência de movimento na animação, as vozes ainda conseguem transmitir todas as emoções e nuances necessárias para cada cena.

A trilha sonora de Clannad é composta, em sua grande maioria, por faixas pacatas e melancólicas. Não é uma trilha tecnicamente maravilhosa, mas cada pedacinho de música leva uma carga emocional intensa o suficiente para fazer jus aos melhores momentos da história. O maior destaque fica para a canção “Dango Daikazoku” que é responsável por marcar pontos importantes da trama.

A arte dos personagens, por outro lado, está muito aquém da qualidade narrativa que transborda na obra. Por qual motivo? Simplesmente por causa dos benditos olhos exageradamente grandes que só não pulam para fora dos rostos dos personagens porque aparentemente conceitos básicos de anatomia humana não existem no universo de Clannad.

Parece detalhista, mas só esse pequeno detalhe no character design já consegue dificultar a aproximação do jogador com os personagens. Existem inclusive diversos relatos de pessoas que tentaram, mas não conseguem gostar da obra puramente por causa dos olhos gigantes. Você pode até se acostumar e achar “charmoso” depois de algumas horas jogando, porém continua sendo inegável que o estilo da arte é bastante desconfortável para muita gente.

Uma grande família


Bem escrito, emocionante e divertido, Clannad é a Visual Novel mais completa já publicada no mercado ocidental. É uma história recheada de conteúdo, carisma e carinho por trás de suas mensagens. A longevidade desnecessária da trama e outros problemas talvez possam afastar o público, mas caso você não se importe com isso, não perca tempo e vá logo viver a experiência incrível que é acompanhar essa história. Ah, e não esqueça de deixar a caixinha de lenços ao lado para enxugar as lágrimas.

Prós

  • Cheio de conteúdo;
  • Protagonista brilhante;
  • Bem escrito;
  • Engraçado;
  • Emocionante;

Contras

  • Desnecessariamente longo;
  • Muita demora para liberar a melhor parte da história;
  • Arte controversa;
Clannad - Switch/PC/PS4 - Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Key VisualArts

Estudante de jornalismo que não vê a hora de achar um estágio. Apaixonado por videogames e esperando o fim de Hunter x Hunter e Berserk desde que me entendo por gente.
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