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Análise: Rain City (Switch) — bonitinho com certeza, mas um pouco ordinário

O point and click Rain City agrada o olhar, no entanto deixa a desejar no quesito jogabilidade.


Gatos e chuva definitivamente são elementos estéticos que atraem grande parte da população (pelo menos aquela parte que já está mais ligada na questão de elementos estéticos desde o começo), e é esse o público que provavelmente vai se sentir compelido a jogar Rain City. Se a forte melancolia presente em uma cidade onde a chuva é constante, e a simples missão de um jovem gato antropomorfizado de encontrar a sua irmã desaparecida parece interessante para você, talvez esse seja o jogo perfeito. O problema é que apenas uma boa ambientação não faz um bom point and click — é preciso bons personagens, uma boa história e, principalmente, puzzles interessantes e desafiadores do jeito certo.

Pode preparar o guarda-chuva

Rain City chama atenção e já mostra o seu espírito minimalista e melancólico logo pelo ícone no menu do Switch: o protagonista segurando um guarda-chuva sozinho e olhando diretamente para o jogador. Apenas isso, sem a presença de, por exemplo, a logo do título ou qualquer outro elemento indicativo, apenas uma imagem. O menu principal segue a mesma pegada: a chuva cai intermitentemente acima de uma linda cidade desenhada como uma aquarela. Dá vontade até de pegar uma xícara de chá e ficar assistindo os falsos pingos caindo na pequena tela do console híbrido da Nintendo — só que, lamentavelmente, esses aspectos representam uma boa metáfora para o jogo como um todo: um visual estupendo e pouco mais do que isso.


Não se preocupe, a parte gráfica continua praticamente impecável durante toda a curta aventura. Cenários delicados e bem construídos habitam o mundo de Rain City e impressionam pela riqueza de detalhes em cada cantinho. Delicados efeitos de luz e sombra, aliados a pequenos e singelos movimentos dos personagens atribuem a quantidade certa de "vida" à cidade da chuva. Da mesma forma, embora tanto a música quanto os efeitos sonoros em geral não chamem tanta atenção, ambos combinam perfeitamente com a ambientação simples e melancólica do título. Sons como o constante barulho de chuva do lado de fora ou até o ranger das várias portas casam direitinho com as suaves notas de piano da trilha sonora.

O jogo começa com o protagonista indo até o hotel onde sua irmã foi vista pela última vez. De cara, o cenário escolhido pelos desenvolvedores lembra muito a consideravelmente longa (e fantástica) sequência no hotel de um dos meus point and clicks preferidos: A Maldição da Ilha dos Macacos, terceiro jogo da série Monkey Island do PC. Esse tipo de ambiente funciona muito bem como cenário de um adventure, como fica claro no clássico da ilha dos macacos, mas infelizmente a área é limitada apenas ao começo da história.

Um lindo mundo sem alma

Colocar uma história dentro de um hotel imediatamente cria uma situação em que você tem um ambiente limitado para ser explorado, com boas oportunidades para locais e personagens distintos em diferentes quartos ou áreas do cenário — e isso, de certa forma, até que acontece durante a primeira parte de Rain City. Logo no início, você encara uma série de puzzles interligados, bem motivados e relacionados com os habitantes do hotel, que chegam bem perto de serem interessantes, mas também não tanto.  

Assim como o gato protagonista, o mundo do título é lotado de animais humanizados, como coelhos, porcos, lontras e ovelhas. Como já foi explicitado aqui anteriormente, visualmente todos são incríveis, no entanto é difícil sentir uma verdadeira conexão com esses personagens. Todos estão limitados a apenas uma fala pré-determinada que geralmente, no máximo, dá uma pequena dica sobre o seu objetivo. Acaba que o texto do jogo em geral é tão sem graça quanto a péssima escolha da fonte, "quadrada", pequena e difícil de ler em alguns momentos. 



Acredito que um pouco de humor e irreverência a mais, como acontece na maioria dos bons point and click, acrescentaria muito ao mundo em geral. No final das contas, nosso jovem gato protagonista parece andar em um lindo mundo sem alma. Mesmo que o tom geral da história seja de fato mais melancólico, dá pra ver que existiram algumas tentativas de se aliviar a tensão, só não o bastante e nem de forma tão efetiva.

A pior notícia é que esse segmento introdutório no hotel é de longe a parte mais charmosa e realmente interessante do jogo. Fiquei agradavelmente surpreso, por exemplo, com um mini-game de nave repentino em um fliperama durante uma missão no quarto da família dos coelhos — mas, ainda assim, ele ainda era um tanto simples e fácil demais. Então, a partir do momento que você completa o interior do prédio e chega até o telhado, puzzles confusos e frustrantes, junto a personagens ainda mais genéricos e sem sal, acabam tomando conta do enredo. O acomodável clima do início aos poucos se torna mais frio e industrializado, com áreas mais isoladas, como um caverna e uma fábrica, por exemplo, tomando conta da ambientação durante a parte final.

Puzzles pouco inspirados

Outro componente chave de todo grande adventure são seus puzzles e a forma como eles são apresentados ao jogador, além dos itens e como é possível usá-los para se interagir com o mundo ao redor. Muitos jogos do gênero sofrem em colocar desafios e quebra-cabeças em que o uso da lógica na hora de se alcançar uma solução é satisfatório para quem está jogando. É importante que você sinta que pensou na solução sozinho e realmente utilizou elementos do jogo para chegar até lá, senão a experiência não é tão diferente de ler um livro ou jogar um visual novel.

É uma pena, mas Rain City passa um pouco longe de alcançar esse objetivo e acredito que isso não foi intencional por parte dos desenvolvedores, pelo contrário — sem querer, o jogo existe em um limiar entre um adventure e um visual novel, como acontece em vários outros jogos point and click que não sabem aproveitar suas próprias ferramentas. 



Os itens que aparecem em seu caminho surgem de forma quase aleatória e desapontam tanto quanto a resolução dos puzzles. É muito difícil deduzir o que fazer em Rain City, ou melhor, quase não há qualquer tipo de dedução. Os quebra-cabeças são mais mecânicos do que realmente lógicos na maioria das vezes. Além disso, já que não é preciso apertar nenhum botão para usar um item em algum local ou área específica, é normal escolher tudo que estiver à disposição e simplesmente ficar "flutuando" com o item até, por acaso, o item certo encaixar na área correta — uma das piores coisas que pode acontecer com um título do gênero point and click.

Pelo menos as áreas são bem divididas entre si e a quantidade de itens utilizáveis é sempre limitada a um lugar específico. O que quer dizer que geralmente você tem poucos equipamentos a sua disposição, algo que, no final de contas, é bom e ruim ao mesmo tempo. Isso faz com que a resolução dos puzzles seja mais fácil e direta, já que todas as ferramentas necessárias estão necessariamente por perto, porém, simultaneamente, tira ainda mais a sensação de desafio e aquela esperada conclusão lógica do jogador. Basicamente, prepare-se para um longo processo mecânico de tentativa e erro durante a maior parte do tempo.



Não foi dessa vez que o Switch recebeu um jogo estilo adventure memorável e que vale a pena jogar. Uma premissa que parece focar mais em dedução lógica, investigação e naquele velho processo de encontrar e analisar itens minuciosamente, logo mostra-se apenas um processo mecânico e um tanto vazio. Mesmo com um visual impressionante estilo aquarela, tanto dos cenários quanto dos personagens que habitam o mundo, Rain City não consegue entregar conteúdo o bastante para justificar uma compra. Se o estilo de arte chamou a sua atenção, acaba que vale mais a pena assistir um gameplay ou só apreciar algumas screenshots do que realmente jogar o título.

Prós

  • Lindos cenários e personagens pintados em estilo aquarela;
  • Trilha sonora e efeitos sonoros adequados;
  • Em geral, a ambientação e a premissa são interessantes.

Contras

  • Diálogos pouco inspirados e sem muito conteúdo;
  • Puzzles desconexos e frustrantes;
  • História curta e gameplay que nunca consegue realmente engajar o jogador, mesmo para um point and click.
Rain City - Switch/PS4 - Nota: 5.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Vinícius Rutes 
Análise produzida com cópia digital cedida pela ORENDA

Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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