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Análise: The Turing Test (Switch) questiona o conceito de inteligência

Um jogo de puzzles que promove uma reflexão sobre o alcance da inteligência artificial.


The Turing Test foi originalmente lançado em 2016 e chega agora ao Switch trazendo um conjunto de desafios que certamente vai agradar aos fãs dos jogos de puzzle. Com ambientação e estrutura muito próximas de Portal (2007), o game traz boas experimentações dentro do gênero. Apesar de não investir no humor aterrador do título da Valve, a presença da inteligência artificial, bem como as mecânicas de resolução de tarefas em primeira pessoa dentro de pequenas câmaras de teste, fazem com que a comparação seja inevitável. Ainda assim, o jogo da Bulkhead Interactive possui seus próprios méritos.

O jogo da imitação

Alan Turing (1912 - 1954) foi um matemático e lógico inglês, responsável por importantes avanços na área da computação (um ramo da tecnologia que ainda estava em início de desenvolvimento durante a vida do pesquisador). Turing, em um artigo denominado Maquinaria Computacional e Inteligência, propôs um teste chamado “jogo da imitação”. Ele previa que no futuro poderiam existir computadores com grande capacidade de processamento de informações. Por isso, seria importante criar uma forma de identificar e diferenciar uma máquina de um ser humano. O experimento criado por Turing, que na verdade é muito simples, consiste em estabelecer uma conversa entre a máquina e uma pessoa. O computador passa se o humano não conseguir perceber que seu interlocutor é uma inteligência artificial.



Não temos, ainda hoje, máquinas circulando na tecnologia diária que passem neste teste. E é esse justamente esse o mote de The Turing Test. Durante o jogo, somos uma pesquisadora chamada Ava Turing. Em uma missão de análise de dados em uma das luas de Júpiter (Europa), Ava, que esteve durante vários anos em sono induzido, foi acordada por T.O.M. (a inteligência artificial da estação de pesquisa) para encontrar os outros pesquisadores — todos sumiram sem que saibamos o motivo. Para encontrá-los precisamos passar uma série de salas com desafios que, informa T.O.M., apenas humanos conseguiriam resolver. É essa IA que, em uma das conversas, menciona o teste de Turing e começa a questionar a pesquisadora sobre a possibilidade de diferenciarmos um computador de um ser humano.

Carregando um dispositivo que parece uma arma (mas uma semelhança com Portal) somos lançados em uma série de desafios em diferentes ambientes em que temos que abrir portas e seguir para a câmara seguinte. Esse dispositivo que carregamos recupera e lança bolas de energia que servem para desbloquear determinadas passagens. Mas pouco a pouco outras mecânicas vão sendo inseridas no ritmo em que avançamos.


O que a máquina tem a dizer

Não é necessário acompanhar os diálogos de T.O.M. com Ava durante o processo, ainda que ele apresente algumas dicas do que deve ser feito durante as tarefas. Como o desenvolvimento da complexidade dos puzzles é bem gradual e a curva de aprendizado é trabalhada com muito cuidado, as poucas instruções apresentadas não se mostram determinantes. Dificilmente você sentirá o peso da frustração de não saber o que fazer diante de um enigma a ser resolvido — pelo menos durante a primeira metade do game. No entanto, ainda que os diálogos não sejam essenciais para vencer as tarefas, eles são importantíssimos para o contexto da história e para o tipo de experiência que os desenvolvedores planejaram.  

The Turing Test é, ao seu modo, extremamente filosófico, propondo reflexões sobre o sentido da vida e a concepção que temos de conhecimento e inteligência. Nesse sentido, é uma pena que o jogo não esteja localizado para o português, principalmente considerando-se o fato de que muitas conversas acontecem durante a resolução dos puzzles com linhas extensas de diálogo.

Como não existe tempo como limitador para as ações, o que eu fazia sempre nesses casos era parar para ler com calma as interações entre T.O.M. e Ava, que são quase sempre interessantes e até mesmo enigmáticas. Outro ponto importante é explorar o interior de determinadas áreas, como os quartos dos tripulantes e outros ambientes similares. Ali você pode encontrar uma série de documentos que ajudam a entender a complexa relação entre a inteligência artificial e as pessoas que até pouco tempo habitavam aquele espaço.


Os limites da inteligência

The Turing Test é um jogo agradável e confortável. Contrariando a expectativa comum (de que um game de puzzles inevitavelmente vai frustrar muitas vezes o jogador), aqui as tarefas, apesar de criativas, exigem mais atenção e compreensão das mecânicas do que um exercício de extrapolação. Talvez isso ocorra como uma forma de contrabalancear as ações com os diálogos densos entre Ava e T.O.M., a inteligência artificial presente na estação de pesquisa. São esses diálogos que compõem a parte mais interessante da jornada, principalmente para aqueles que já passaram por experiências mais complexas em outros títulos do gênero. The Turing Test é uma ótima adição à biblioteca do Switch, trazendo ao mesmo tempo um conjunto de puzzles simples, mas bem elaborados, e uma série de questões filosóficas sobre o significado da inteligência e sobre aquilo que nos diferencia (ou aproxima) das máquinas.

Prós

  • Ótimos diálogos e atuações;
  • Puzzles simples, mas criativos;
  • Ambientação intrigante e muito bem construída.

Contras

  • Falta de localização para o português;
  • O nível de dificuldade demora para crescer;
  • Pouca variação nos puzzles, deixando as ações um tanto repetitivas.
The Turing Test — Switch — Nota: 8.0
Análise produzida com cópia digital cedida pela Square Enix

Pesquisador nas áreas de estética e cibercultura com Mestrado em Cultura e Sociedade (UFMA) e Doutorado em Comunicação (UnB). Além de escrever sobre jogos, produz o Podcast Ficções e tem um blog sobre literatura, filosofia e cotidiano.
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