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Análise: Collar × Malice (Switch) é uma montanha-russa de emoções

A visual novel publicada pela Aksys Games pega o jogador desprevenido com sua trama bem elaborada que gira em torno de investigações policiais.



Sou fã da escritora Agatha Christie desde a minha época de colégio, então, esse foi um fator decisivo para escolher jogar a visual novel Collar × Malice, desenvolvida pela Otomate e pela Idea Factory e publicada pela Aksys Games. Não que não goste de visual novels, mas preciso confessar que meu gosto é um tanto quanto exigente: com exceção de alguns poucos títulos, evito me engajar em histórias que foquem apenas no romance, ou seja, enredos mornos.


Gosto de suspense, de me sentir envolvida e absorvida pela trama, e é exatamente por isso que Collar × Malice me chamou a atenção quando foi anunciado para Switch. Só de assistir ao vídeo promocional, logo percebi o quanto em comum o jogo tem com os livros de Agatha Christie e animes como Psycho-Pass.

Tem romance? Sim, mas não é o foco da história, que fica por conta das investigações policiais em um Japão assolado por uma série de casos de assassinatos. E já fica o aviso: a classificação M (mature) não é um exagero.

Qual é o seu nome?

De todas as visual novels que joguei até agora, Collar × Malice foi a primeira que me apresentou a possibilidade de mudar o primeiro nome da protagonista. Achei esse detalhe bastante interessante, pois gera imersão. É como se você tomasse o lugar da heroína, cujo nome padrão é Ichika Hoshino.

Poder alterar o nome da heroína gera imersão

Ichika é uma policial de vinte e tantos anos responsável pelo patrulhamento de Shinjuku, e é difícil não se identificar com ela, uma vez que o perfil de heroína perfeita não se encaixa aqui. À medida que demonstra ser honesta e determinada, ela apresenta inúmeras falhas e não tem uma relação familiar muito boa, sobretudo com seu irmão, Kazuki. Mas são justamente essas falhas que a tornam humana, pois, em todas as rotas, ela é capaz de aceitá-las e procurar um jeito para transformá-las em algo positivo, amadurecendo durante a história e também ajudando os outros personagens a se aceitar como seres humanos e superar seus medos e defeitos.

No entanto, abstenho-me de mais comentários para não transformar a análise em um grande spoiler.

X-Day, Adonis e o conceito de justiça

Em um Japão distópico, mais especificamente em Shinjuku, uma série de assassinatos conhecida como X-Day assombra o dia a dia da população. Frente a isso, o governo deu permissão para que as pessoas portem armas e o clima é de muita apreensão e medo. De acordo com os acontecimentos no próprio jogo, é mencionado que o distrito vive em uma quarentena.

O capítulo comum para todas as rotas gira em torno do rapto de Ichika. Certa noite, ao sair do departamento de polícia, ela é sequestrada e, mais tarde, quando acorda em uma igreja, descobre que tem uma coleira metálica em seu pescoço.

Tudo começa com uma coleira



Não demora muito para que uma organização terrorista chamada Adonis se apresente a Ichika, através de um microfone embutido na coleira, como sendo responsável por seu sequestro. A policial, então, toma conhecimento de sua posição: a coleira em seu pescoço possui um veneno letal que pode ser injetado remotamente e não possui antídoto.

Adonis, então, delega uma missão a Ichika: ela deve se unir a um grupo de ex-policiais e descobrir por que a organização quer expurgar o Japão de seus “pecadores”, ou seja, para a organização, pessoas que se desviaram do conceito de justiça. A protagonista só poderá se libertar quando desvendar os verdadeiros intuitos de Adonis e entender qual é o seu conceito subjetivo de justiça.

Embora seja um conceito filosófico e moral que se relaciona com as particularidades do que é justo e correto, as pessoas tendem a ter sua própria interpretação de justiça, de acordo com seus interesses. Pergunta-se, então, qual justiça deve prevalecer: a moral e ética ou a subjetiva?

Inclusive, a organização usa como símbolo a flor de anêmona, cujo significado é efemeridade. Aliás, se você gostar de mitologia grega, logo perceberá a alusão por trás de Adonis e de anêmona, que estão relacionados ao amor de um mortal por uma deusa.

Somos todos humanos, logo indivíduos únicos

A agência de detetives à qual Ichika recorre é composta por cinco rapazes excêntricos. Mineo Enomoto, Takeru Sasazuka e Aiji Yanagi tiveram seus motivos para que se desligassem de seus cargos na polícia, enquanto Kageyuki Shiraishi e Kei Okazaki ainda trabalham no campo.

Em sentido horário: Sasazuka, Enomoto, Okazaki, Shiraishi e Yanagi


É muito interessante ver a complexidade desses personagens. Com suas personalidades únicas, impactam a vida de Ichika de diferentes modos, deixando-a desconfortável, apreensiva, irritada ou, ainda, transmitindo segurança. Mesmo o áspero Sasazuka ou o sarcástico Shiraishi possuem seus medos e receios e demonstram sentimentos humanos. É difícil não simpatizar com pelo menos um deles, mas o meu favorito continua sendo o Enomoto.

Esse tipo de desenvolvimento de personagens adiciona à trama um toque particular, instigando o jogador a querer descobrir mais sobre eles. Isso, inclusive, é a deixa para jogar as diferentes rotas do jogo ao lado de um dos protagonistas e solucionar, pouco a pouco, o mistério maior.

Peças de um quebra-cabeça

Para total aproveitamento da visual novel, todas as rotas devem ser feitas. Cada um dos rapazes é responsável por uma parte da investigação sobre o X-Day, dando a Collar × Malice uma grande rejogabilidade. Além disso, pequenas short stories são liberadas ao se obter o final bom (good ending) dos personagens, sendo uma espécie de epílogo de cada rota.

CG da short story do Enomoto

Talvez essa carga de leitura possa cansar alguns jogadores, afinal, estamos falando de um jogo com 30 horas de duração em média, mas sua qualidade, sobretudo a textual, compensa isso, dado que cada rota acrescenta mais esclarecimentos a respeito da história como um todo.

Não baixe a guarda

O título desta análise não é um exagero. Collar × Malice realmente pega o jogador desprevenido com sua rápida transição nos acontecimentos. O começo pode ser até um pouco lento, algo que me fez achar que a visual novel seria entediante, mas eu estava 100% enganada.

Se está tudo indo de vento em popa, pode ter certeza de que alguma reviravolta irá acontecer, nem sempre de maneira positiva, então prepare-se para esses plot twists, e prepare-se bem, porque estamos falando de uma trama regada a violência, chantagem e muitos outros temas que podem deixar jogadores sensíveis bastante desconfortáveis.

Customização e jogabilidade além das escolhas

Os botões podem ser remapeados do jeito que o jogador preferir. Outra coisa interessante na customização é, além de poder definir volume do jogo como um todo, pode-se priorizar o volume individual das vozes dos personagens. Se você achar que um deles fala muito alto, é só diminuir. Se não gostar da dublagem de outro, é possível deixá-lo mudo.

Tudo muito simples e intuitivo
Collar × Malice conta com alguns mini jogos que são essenciais durante o jogo. Em momentos cruciais de cada rota, por exemplo, você deverá apertar o gatilho da pistola de Ichika no chamado Trigger Mode ou ainda bancar o detetive analisando arquivos relacionados aos assassinatos.

Logo no começo do jogo, há um tutorial de como usar o Trigger Mode
Investigação faz com que o jogador assuma o papel de detetive

O jogo não é punitivo em caso de respostas erradas. Além do save/load normal, há também quicksave/quickload e a função de histórico (history) permite voltar a determinado ponto da trama. Outro toque interessante é que as escolhas feitas anteriormente ficam na cor azul, algo que ajuda o jogador na hora de selecionar uma opção e evita que o mesmo erro seja cometido duas vezes.

É possível rever as escolhas feitas anteriormente e evitar erros

Diria que uns 80% da visual novel podem ser aproveitados com a tela touchscreen do Switch. Apenas a abertura de menus e algumas outras funções dependem de botões físicos, mas é possível jogar apenas tocando na tela.

Qualidade ímpar 

As artes são assinadas por Mai Hanamura, responsável também pela parte visual de Amnesia, outra visual novel desenvolvida pela Otomate e Idea Factory. A dublagem conta com nomes famosos do meio e as músicas de abertura e encerramentos (bem viciantes, por sinal) ficam a cargo da banda Plastic Tree, para a alegria dos fãs de J-rock. Às vezes, me pego murmurando o tema de abertura mesmo sem estar jogando a Collar × Malice.

A BGM é excelente e bastante imersiva, mais um ponto positivo. Senti falta da dublagem para Ichika, confesso, mas acredito que isso seja proposital, no sentido de o jogador se imaginar no lugar da heroína; afinal, como comentado, é possível mudar seu primeiro nome.


Existe, ainda, um glossário (Dictionary) para termos que o jogador possa não conhecer, afinal, nem todo mundo é expert no ramo policial, certo? Isso faz com que qualquer um possa entender o universo de Collar × Malice sem recorrer a pesquisas no Google.

E se um glossário for pouco, há a possibilidade de rever os casos no menu Notes. Sempre que uma informação nova for obtida, ela estará lá, acessível a qualquer momento.

Não parece uma visual novel otome

As visual novels, no Japão, também possuem demografia. Collar × Malice, por exemplo, é classificada como otome, ou seja, um jogo voltado ao público feminino, uma vez que o jogador assume o controle de uma mulher que pode se apaixonar por diferentes rapazes bonitos; essa é a fórmula de um gênero que foca mais no romance. No entanto, como Collar × Malice tem o enredo policial como foco, todos os públicos podem aproveitar este excelente título.

A combinação de um excelente roteiro, trilha sonora imersiva e personagens únicos faz com que Collar × Malice seja uma ótima pedida para os fãs de visual novels. É surpreendentemente viciante, no bom sentido.

Até mesmo personagens secundários possuem profundidade e suas próprias convicções

Prós

  • Roteiro bem elaborado e imersivo;
  • Rotas individuais complementares;
  • Qualidades gráfica, textual e sonora impecáveis;
  • Personagens únicos;
  • Mini jogos como diferencial;
  • Opções de customização, como nome e controles.

Contras

  • Carga de leitura cansativa para jogadores não acostumados com o gênero;
  • Temática da visual novel não aconselhável para um público-alvo mais novo ou jogadores sensíveis.
Collar × Malice – PS Vita/Switch – Nota 9.0
Versão utilizada para análise: Switch
Análise elaborada com cópia digital cedida pela Aksys Games
Collar × Malice tem lançamento previsto para 25 de junho
Revisão: Davi Sousa

Também conhecida como Lilac, é fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas. Icon por 0range0ceans
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