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Análise: Carrion (Switch) inverte os papéis do terror com uma prazerosa carnificina

Metroidvania indie desenvolvido pela Phobia Game Studio coloca o jogador na pele de um monstro grotesco

Uma das premissas mais reutilizadas na indústria do entretenimento são as típicas histórias de terror que abordam um grupo de humanos fugindo de um terrível monstro que pode aniquilar vidas em questão de segundos. Buscando fugir desse clichê batido, o pretensioso indie 2D Carrion (Switch) inverte totalmente os papéis ao colocar o jogador na pele da criatura devoradora de humanos.

Apostando em muito gore e numa pitadinha de terror cósmico, o título desenvolvido pela Phobia Game Studio foi encarado por muitos como um dos indies mais promissores de 2020. Agora só resta saber se esse monstro realmente é tão feroz quanto parece.

Tentáculos para dar e vender

O jogo começa em uma grande instalação científica na qual são realizadas diversas experiências secretas sem conhecimento da população. Tudo ocorria normalmente até que uma grotesca gororoba carnenta radioativa e cheia de tentáculos escapa de uma cápsula de contenção e começa a se alimentar de todo ser vivo que encontra pela frente.

No controle desta criatura nada simpática, o jogador tem como objetivo fugir da base humana ao mesmo tempo que recupera compostos químicos que podem fornecer novas habilidades e aumentar o tamanho do monstro. Apesar de não aparentar, o mundo de Carrion funciona como um pequeno metroidvania totalmente interligado por caminhos bloqueados por puzzles e poderes que devem ser encontrados.


A criatura se move livremente em todas as direções possíveis utilizando seus tentáculos para agarrar nas superfícies próximas. Por falar neles, o controle individual dos tentáculos se prova como o movimento mais importante (e divertido) do título. Através dele é possível agarrar humanos, puxar alavancas, quebrar barreiras de ferro, disparar ferrões e muito mais.

O principal charme do combate do jogo é “brincar” com a força colossal da criatura para aterrorizar e devorar todos os humanos da forma mais sádica possível. Parece bem estranho (e preocupante) afirmar isso, mas ser o condutor desta grande carnificina é uma das sensações mais satisfatórias e terapêuticas que já pude experienciar jogando videogames.

Divertido, viciante e empoderador. É como se o jogador realmente encarnasse no monstro para descontar todas as frustrações pessoais contidas em um tornado frenético de pura maldade. Conforme a campanha avança você vai se sentindo cada vez mais poderoso e imerso na mentalidade destruidora do monstro, ao ponto de começar a sentir prazer com o medo causado pela sua simples presença.

Apesar da força apelona dos poderes da criatura, Carrion ainda é bem balanceado em sua dificuldade. Inimigos com armas devastadoras aos poucos vão sendo introduzidos, forçando o jogador a criar estratégias para executar a carnificina de forma ainda mais recompensadora.

Apesar de ser interativo e experimental, o design do jogo promove um estilo de combate furtivo, com grande foco em movimentos letais seguidos de fugas rápidas. Sabe quando uma pessoa pisca os olhos rapidamente em um filme de terror e percebe que o amigo que estava ali simplesmente desapareceu? É basicamente isso, só que você controla e assume a mentalidade do monstro responsável por esse “suposto” desaparecimento.

A química do mal

É bem possível que Carrion tenha sido concebido exclusivamente para gerar a sensação de imersão completa em um ambiente tenso e reflexivo. Passando pelos cenários macabros até a trilha sonora inóspita, parece que não há nenhum elemento no mundo do jogo que não evoque um delicioso clima soturno.

O maior exemplo do excelente trabalho de ambientação presente no título são as suas músicas e, muitas vezes, a ausência delas. Ao escutar cada peça isoladamente é possível pensar que elas não são nada demais, porém basta adicionar o contexto do jogo para perceber uma enorme diferença na percepção. As músicas são frenéticas quando precisam ser, silenciosas quando se faz necessário e acertam em cheio em sempre transmitir a tensão que o jogador deveria estar sentindo.

Se a trilha é importante desse jeito, então pode se dizer que os efeitos sonoros formam a base que sustenta o clima que acompanha o jogador a todo momento. Começando pelos sons agonizantes que simulam com perfeição a movimentação pegajosa dos tentáculos e passando por muitos gritos de pavor, uma intensidade brutal demonstrando o poder da criatura e terminando com muita “crocância” na hora de devorar carne humana. Tudo aqui combina tão bem que não seria nem um pouco estranho se Carrion acabe ganhando diversos prêmios de edição de áudio no final do ano.

Em comparação com o aspecto sonoro, os gráficos do título são bem mais humildes. No entanto, isso não quer dizer que eles fazem feio. Pelo contrário, a arte fluída em pixel art 2D de Carrion carrega uma identidade própria que casa perfeitamente com a proposta do jogo. Os cenários, em sua maioria claustrofóbicos, são bastante detalhados e agradáveis de se olhar, ao mesmo tempo que causam o desconforto necessário.


Tudo que envolve a animação dos sprites da criatura é ultra detalhado, fluído, brutal e nojento ao cúmulo do grotesco. Em especial, os tentáculos são animados propositalmente de forma minuciosa a fim de gerar realismo e brutalidade. É tudo simples, mas extremamente eficiente em cumprir o objetivo idealizado pelos desenvolvedores.

Monstros não gostam de explorar

Quando falamos em um jogo no estilo metroidvania, é de se imaginar que o título gaste muita atenção no desenvolvimento de uma exploração viciante com foco na descoberta natural de diversos upgrades escondidos. Infelizmente é preciso dizer que esse não é o caso de Carrion.

Em comparação com outros títulos no mercado, a exploração do mundo aqui é bem linear e apresenta pouquíssimas recompensas que instigam o jogador a procurar por mais segredos. Certos cenários também não se diferem muito dos outros, ao ponto que pode ser comum para o jogador lembrar da localização de pontos importantes. Também não existe nem mesmo um mapa que possa auxiliar o jogador por esses cenários.

Os puzzles costumam explorar o uso das habilidades específicas da criatura com certa criatividade e coerência, porém podem se tornar repetitivos e podem quebrar o ritmo por vezes frenético do jogo. No geral, o uso dos quebra-cabeças não é perfeito, mas ainda continua sendo o aspecto mais sólida da parte metroidvania de Carrion.

Com cerca de quatro a cinco horas de duração, a campanha é bem direto ao ponto. Por um lado isso é bom, pois a jogatina não se alonga demais ao ponto de enjoar, mas por outro também deixa evidente um outro problema do título: a falta de upgrades secundários que valem a pena ser coletados. Na maioria das vezes esses incrementos são completamente passáveis e não chegam a adicionar quase nada de útil para o arsenal do jogador.

A jogabilidade da forma pequena da criatura é confortável, principalmente por causa da animação detalhada que acompanha tal ação, porém pode ficar um pouco desajeitada conforme a criatura vai expandindo o seu tamanho para todos os lados. No meu caso o desconforto foi grande ao ponto de preferir jogar com a forma pequena da criatura mesmo em situações de desvantagem.



As habilidades adquiridas para progredir na aventura são interessantes, porém ficam presas atrás de uma limitação de design que impede o jogador de experimentar todas ao mesmo tempo. Muitas vezes é preciso depositar energia ou consumir algo para poder utilizar determinado poder necessário para avançar, fator que acaba gerando sessões irritantes de backtracking desnecessário.

Carne crocante

Apresentando um conceito extremamente interessante e uma construção exemplar de uma ambientação tensa, Carrion se prova como uma experiência única que qualquer fã de terror ou videogames precisa experimentar pelo menos uma vez na vida. A campanha peca em sua exploração simplista, mas compensa o jogador com uma trilha sonora imersiva, um sistema de combate único e uma sensação de poder incrivelmente satisfatória.

Assumir o controle de um tenebroso monstro cheio de tentáculos e tocar o terror em tudo que se existe é muito mais divertido do que aparenta. A experiência de jogar Carrion dura pouco, mas carrega um bom potencial para gerar sensações indescritíveis na pele do jogador.

Prós:

  • Ambientação tensa e inóspita;
  • Conceito interessante;
  • Trilha e efeitos sonoros criam muita tensão;
  • Sensação de poder;
  • Combate fluído e divertido.

Contras:

  • Ausência de um mapa;
  • Poucos upgrades opcionais;
  • Exploração linear e simples;
  • Movimentação desajeitada em certos momentos.
Carrion – Switch/PC/PS4/XBO – Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch

Revisão: José Carlos Alves
Análise produzida com cópia digital cedida pela Devolver Digital

Estudante de jornalismo que não vê a hora de achar um estágio. Apaixonado por videogames e esperando o fim de Hunter x Hunter e Berserk desde que me entendo por gente.
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