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Análise: Carto (Switch) — Reorganizando mapas em uma obra de arte fascinante

Resolva puzzles com a arte da cartografia em um dos títulos mais charmosos do ano.

No criativo universo de Carto (Switch), o mapa não é apenas um objeto de auxílio para nos localizarmos – como usualmente acontece na maioria dos games. Ele é, fundamentalmente, o material principal dessa obra, que pode ser manuseado magicamente pelas mãos da jovem que dá nome ao jogo.


Com puzzles agradáveis em um mundo fascinante, tudo gira em torno da cartografia e suas possíveis conexões. É um conceito inventivo que, quando somado com sua personalidade rica, resulta em um dos melhores títulos que joguei em 2020. Se formos seguir a temática cartográfica, dá até para dizer que Carto é um mapa do tesouro de verdade; um pequeno achado dentro da imensidão do mapa-múndi.

O estudo dos mapas

O jogo conta a história de Carto, uma jovem que é separada de sua avó após ter seu dirigível atingido por uma tempestade. Sozinha, ela começa a se mover em uma terra desconhecida, que apresenta regiões fragmentadas que a limitam. Ao explorar o local, a menina coleta pedaços de mapa que encontrou espalhados pelo chão. Nesse momento, ela descobre que herdou um superpoder de sua avó: o dom de manusear mapas e suas partes, reconfigurando o ambiente ao seu redor e podendo compor novos caminhos com as peças que adquire no trajeto. 

Carto inicia a busca por sua parente em uma trama que gira basicamente em torno desse objetivo. Na jornada, no entanto, a história tímida consegue se destacar com personagens e situações que cativam. Conhecemos muitas pessoas pelo caminho e somos apresentados a tradições de diferentes povos, que discorrem sobre seus rituais e costumes em passagens inspiradoras. A relação que a protagonista cria com alguns indivíduos é de um tom emocional admirável, e é justamente nessas interações que o ritmo dos puzzles é entoado.

Tendo a montagem cartográfica como principal conceito, tudo se desenvolve conforme colhemos novos pedaços de mapa ao explorar diferentes terrenos. A ideia é conversar com os nativos de cada região, que nos contam sobre suas vidas e problemas. Assim, ao ajudá-los, novas peças são adquiridas e recebemos informações sobre o possível paradeiro da nossa avó – que é o objetivo central do jogo, mas em muitos momentos fica em segundo plano, na medida em que temos que socorrer os habitantes em novas missões. 

A temática em Carto é aconchegante, tornando-o um título para ser jogado tranquilamente. Em uma apresentação serena, o ambiente aqui nunca é de estresse. O foco está em resolver os quebra-cabeças e os dilemas dos personagens, e podemos fazer isso com muita calma. A atmosfera criada é de bonança, sem qualquer tipo de combate. Tudo fica para os diálogos e os desafios estilo puzzle.

Quebra-cabeças de paz

Os puzzles são elaborados como quebra-cabeças de mapas, em que devemos encaixar e girar peças dos territórios para liberar novas localidades. Geralmente os desafios envolvem montar novos acessos ou ajudar os moradores em suas situações particulares, como rebanhar ovelhas que escaparam de um pastor sonolento. A resolução desse caso, então, é ordenar o mapa em uma combinação necessária para ser bem sucedido, o que resolve os problemas do morador e dá prosseguimento a novos objetivos na jornada principal.

Afortunadamente, as missões não são sempre superficiais como no caso citado; há ocasiões de grande significância para a saga. Entre os diversos momentos que me marcaram, um certamente é quando temos de ajudar uma moça que, por tradições de sua tribo, deve deixar sua ilha natal por ter atingido certa idade.

A jovem Shiannan, que não quer deixar o lar, se aproxima de Carto e torna-se uma grande companheira na história. Cria-se uma amizade sentimental, com diálogos sobre a saudade dos familiares, a questão do amadurecimento e a constante busca por destinos na vida. As conversas trazem profundidade ao jogo com discursos bonitos e identificáveis – mesmo com o silêncio da protagonista, que às vezes responde apenas com emoticons devido à timidez. É uma fofura.

O fato dos desafios estarem ligados ao funcionamento do mapa cria uma mecânica única. É extremamente prazeroso buscar novos pedaços de regiões para prosseguir na narrativa. Quando as peças do mapa se encaixam, como um quebra-cabeça, é uma ótima sensação de encaixe – tão satisfatória quanto o click dos Joy-Cons ao serem anexados ao Switch.

Temos propostas criativas nos puzzles, como transformar uma aldeia no formato de um peixe específico ou ordenar um deserto inteiro na busca por desaparecidos. Para ser honesto, senti muitos desafios à la Zelda, com temas parecidos, boas sacadas e uma dificuldade adequada, que dão ao título características de gente grande.

Entretanto, não é assim o tempo inteiro. Há alguns momentos em que podemos nos perder, com poucas dicas sobre os nossos próximos passos. Isso acontece em poucos puzzles, onde os recursos indiciários são apenas inscrições no chão ou diálogos vagos.

Nesses casos, a missão basicamente se torna tentativa e erro, que basicamente é um alternamento desenfreado das peças cartográficas, as movendo de um lado para o outro e também rotacionando os quadrados. Se por um lado isso significa um aumento na dificuldade dos desafios, o que é sempre legal, esses trechos podem ser frustrantes pela falta de pistas. Felizmente, isso ocorre em poucas ocasiões; a grande maioria dos quebra-cabeças é agradável.

O agradável, aliás, também habita o estilo visual deslumbrante de Carto, com cenários delicados em desenhos que parecem feitos à mão. Embora tenha ficado para o fim dessa análise, é algo cativante no primeiro olhar, sem nenhum mistério. Suas cores colaboram com paletas de tons que sempre proporcionam cenários tranquilos em qualquer ambiência. Assim, temos um mapa-múndi completo e esteticamente agradável, com florestas, desertos e campos congelados que nunca fogem da vibe tranquila. A mesma concepção também é muito bem incorporada à trilha sonora, com temas serenos para não atrapalhar na hora dos puzzles

Dessa forma, são muitos os fatores que tornam Carto especial. O trabalho feito pela desenvolvedora Sunhead Games é primoroso, com detalhes que são bem concebidos até em suas brechas. Por exemplo: não temos os tradicionais colecionáveis na aventura, além do inventário da personagem raramente ser utilizado. No entanto, não são elementos que pesam no fim.

Para ser honesto, em toda a jornada, jamais senti que algo estava faltando para melhorar a experiência – o que muitas vezes sentimos nas jogatinas. Até mesmo seus momentos penosos de poucas dicas podem se tornar tranquilos, pois são compensados com outras características, como uma estética que deixa qualquer enigma mais agradável. Como os mapas encontrados na narrativa, o título se completa à sua maneira.

Muito mais que um desenho cartográfico

Carto é criativo e muito bem desenvolvido, com uma consistência que pode render entre cinco e oito horas de jornada. Prepare-se, então, para estudar e reconfigurar mapas como um cartógrafo de verdade, em um mundo fascinante cheio de puzzles inventivos e com uma aventura rica. Encaixando as peças que o jogo nos dá em sua totalidade, o resultado obtido se parece muito mais com uma obra de arte do que com um mapa qualquer.





Prós 

  • Criatividade em sua proposta;
  • Mecânica de puzzles singular e muito bem desenvolvida;
  • Boa história, recheada de acontecimentos e personagens interessantes;
  • Visual aconchegante;
  • Diálogos sensíveis sobre temas que podemos nos identificar.

Contras

  • Alguns desafios dão poucas dicas sobre o que fazer, o que pode frustrar.
Carto — Switch/PC/PS4/XBO — Nota: 9.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Humble Games

Jornalista, colaborador no Nintendo Blast e doutorando em Comunicação Social.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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