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Análise: The Language of Love (Switch) é um romance maduro sobre a vida adulta

Com muito cuidado e naturalidade, a visual novel trata das dificuldades de convivência em sociedade.


Um rapaz recém-chegado à cidade grande. Uma mãe solo com uma filha de seis anos para criar. Expectativas diferentes da realidade em ambos os lados e um encontro inesperado que mudará a vida desses dois personagens.

Por mais que pareça uma sinopse de um livro qualquer, na verdade trata-se de uma visual novel criada por ebi-hime e publicada pela Ratalaika Games. The Language of Love, a princípio, pode parecer mais um romance clichê, com um tema explorado a torto e a direito, mas a curta história esconde uma profunda reflexão sobre o romance na vida adulta.

A importância do tempo presente: o aqui e agora

O primeiro fator que me chamou a atenção em The Language of Love foi a escolha do tempo presente para a narrativa, já que em visual novels opta-se, na maioria das vezes, pelo uso do pretérito, exceto para os diálogos. Do ponto de vista narrativo, a escolha do presente histórico aproxima o leitor do que está sendo narrado; ou seja, é um recurso que dá mais vivacidade à história e destaca os acontecimentos da trama.

Sendo assim, é muito mais fácil para o jogador-leitor se identificar não apenas com os personagens principais, mas também com as situações pelas quais eles passam. O fato de a trama ser narrada por Mitsuki, o protagonista desta visual novel, pouco acaba importando no fim das contas: o destaque é para a sensação de imersão que a escolha do tempo verbal transmite. O efeito teria sido o mesmo se a história fosse contada sob a ótica de Kyouko.

A história é narrada no tempo presente, sob a ótica de Mitsuki

Emoções na medida certa

Mitsuki Tanimura, um rapaz de 23 anos, muda-se do interior do Japão para a grande Tóquio, com o objetivo de entrar em uma boa universidade. Cinco anos atrás, sua mãe foi vítima de um acidente e, devido a isso, o jovem dedicou esse tempo ajudando no pequeno comércio da família. Quando finalmente pensou que estaria próximo de realizar seu sonho, a realidade lhe mostrou quão cruel é a sociedade: por ser o mais velho de sua classe no cursinho, não consegue se enturmar com os colegas e, desse modo, acaba se isolando de tudo e todos. Mitsuki, então, perde o resto de motivação que tinha para estudar e sua rotina torna-se pesada e maçante, especialmente no âmbito emocional.

Do outro lado, temos Kyouko Himuro, uma mãe solo de 24 anos que engravidou acidentalmente no último ano do ensino médio e foi abandonada não apenas pelo até então namorado, mas também pela família. Sem condições de retomar os estudos, o único trabalho que consegue encontrar é o de garçonete em uma cadeia de restaurantes famosa, mas o dinheiro que ganha mal dá para o sustento de si e de sua filha de seis anos. Como se não bastasse, ela é vítima de comentários maldosos e preconceituosos das mães dos colegas da pequena Tama — e até mesmo a garota sofre bullying das outras crianças, especialmente de Keiichi, por não ter a presença de uma figura paterna em sua vida.

Kyouko também tem seus próprios fardos e quer o melhor para sua filha

Curiosamente, as vidas de Mitsuki e Kyouko se encontram graças à intervenção acidental de Tama e, após um encontro inesperado, os dois jovens adultos chegam a um acordo: em troca de tomar conta da garota enquanto Kyouko trabalha, Mitsuki recebe tutoria da moça para não deixar os estudos de lado. Pouco a pouco, os personagens principais, antes excluídos pela sociedade, têm suas motivações restauradas.

Por mais que The Language of Love trate de assuntos sérios, como a dificuldade de criar uma criança sem apoio de um parceiro e até mesmo depressão e divórcio, ebi-hime consegue dosar o peso do drama com ótimas pitadas de comédia e romance, mas sem nunca desviar do foco principal. Cabe aqui a expressão “montanha-russa de emoções”, que adoro por sinal, como maneira de resumir esta excelente narrativa.

Para novatos e veteranos

A maioria das visual novels apresenta escolhas para serem feitas ao longo da trama e impactam o final que o jogador obterá; ou seja, não são lineares. The Language of Love, por outro lado, é uma visual novel linear, aproximando o jogo de um livro eletrônico ilustrado. Com duração de aproximadamente dez horas, dependendo do tempo de leitura individual, além de ser uma ótima pedida para introduzir o gênero àqueles não acostumados com visual novels, é, acima de tudo, um prato cheio para quem apenas prefere acompanhar o desenrolar da relação entre Mitsuki, Kyouko e Tama. Além disso, apesar da curta duração, a história não deixa pontas soltas — embora deixe um gostinho de “quero mais”, confesso.

O segundo ponto forte do título é a arte: simples e limpa, sem exageros ou muitos detalhes, assim como a linguagem usada ao longo da narrativa, e consegue transmitir com precisão os sentimentos dos personagens. As CGs também são bem trabalhadas e, embora não sejam muitas, estão disponíveis em uma pequena galeria que podem ser acessadas a qualquer hora a partir do momento em que são destravadas.

O menu de extras apresenta diálogos diferentes a cada dia

Por fim, a trilha sonora é envolvente e é, sem dúvidas, o ponto alto de The Language of Love. É possível prever que a história sofrerá uma reviravolta só pela música que toca ao fundo, então o jogador pode se preparar para o pior ou respirar aliviado depois de um conflito, por assim dizer.

Nem tudo são flores

Infelizmente, The Language of Love apresenta alguns problemas técnicos em relação aos comandos. Não sei se tem relação com ser um port da versão de PC, mas a navegação nos menus às vezes apresenta um pequeno lag, fazendo com que o jogo “congele” por alguns segundos — e isso acontece até mesmo ao jogar no modo portátil. Esse problema ocorre principalmente ao tentar acessar alguns conteúdos extras que só podem ser desbloqueados mediante a conclusão da história, porém se repete em menor grau na hora de salvar o progresso.

Pessoas que não têm muito conhecimento de inglês poderão apresentar dificuldades para acompanhar a visual novel, uma vez que as únicas línguas disponíveis são inglês e alemão. Mesmo que a linguagem seja acessível como um todo, vale ressaltar que algumas palavras não são de uso cotidiano e podem dificultar o entendimento da história caso o jogador não possua certa fluência em inglês.

Por fim, a falta de dublagem para os personagens, embora não tenha me incomodado, pode ser um ponto negativo para quem se cansa muito fácil com leitura constante. Mesmo que eu não considere este um ponto negativo, é uma opinião que varia de jogador para jogador.

Aos poucos, cuidar da pequena Tama se torna algo prazeroso para Mitsuki

“Nenhum homem é uma ilha”

The Language of Love faz jus à célebre frase de Teilhard de Chardin. Com uma narrativa atual, leve e verossímil que aborda temas diversos presentes no nosso cotidiano e personagens com os quais é possível se identificar em maior ou menor grau, a visual novel é uma ótima pedida para quem apenas deseja uma leitura descompromissada e tocante sobre as dificuldades de criar relacionamentos, românticos ou não, na vida adulta — e, acima de tudo, sobre como eles impactam as vidas das pessoas.

Prós

  • Linguagem acessível;
  • Narrativa verossímil, com temas atuais e importantes;
  • Reflexão sobre os problemas da vida adulta;
  • Arte e música complementares ao texto;
  • Leitura fluida.
Contras
  • Sem localização para o português ou outra língua latina;
  • Pequenos travamentos e lag ao acessar alguns menus.

The Language of Love — PC/Switch/PS4/XBO — Nota 8.0
Versão utilizada para análise: Switch

Revisão: João Gabriel Haddad
Análise produzida com cópia digital cedida pela Ratalaika Games

 


Também conhecida como Lilac, é fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas. Icon por 0range0ceans
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