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Análise: Shiren the Wanderer: The Tower of Fortune and the Dice of Fate (Switch) é um Mystery Dungeon na sua melhor forma

Uma ótima pedida para os interessados em mergulhar fundo em um Mystery Dungeon



Muito antes do roguelike se tornar o gênero mais saturado da indústria, os jogos que levam o nome de Mystery Dungeon apostaram nas dungeons geradas de forma procedural lá no início da década de 90. Concebida por Koichi Nakamura, co-criador de Dragon Quest, a franquia Mystery Dungeon combina clássicas mecânicas de RPG com a exploração constante de calabouços que nunca são exatamente iguais entre si.

É tradição da franquia apostar em personagens licenciados para desenvolver os seus jogos, como os de Dragon Quest, Final Fantasy ou até Pokémon (fãs da Nintendo com certeza conhecem bem os jogos Pokémon Mystery Dungeon), porém existe uma única exceção à regra: a série Shiren The Wanderer.

Lançado em 2010 para o Nintendo DS, Shiren The Wanderer: The Tower of Fortune and the Dice of Fate foi o quinto e último jogo da série de personagens originais da desenvolvedora Spike Chunsoft. Após um primeiro relançamento para o Playstation Vita em 2016, chamado de Shiren the Wanderer 5 Plus, o game retoma seu título original e é lançado uma terceira vez, agora para Steam e Nintendo Switch.

A Torre da Fortuna e os Dados do Destino

Shiren The Wanderer 5 (irei chamá-lo assim para poupar algumas palavras) não apenas traz de volta a atmosfera e o visual de Super Nintendo do primeiro jogo da série, como segue as mesmas filosofias de game design de um jogo daquela época. O título definitivamente não segura sua mão em nenhum momento ou perde tempo explicando suas diversas mecânicas de forma minuciosa. Após uma introdução bem curta da simples narrativa, você está por si só para explorar e descobrir como o game funciona — e essa é uma sensação que faz falta nos dias de hoje.

A vila inicial funciona como o hub world principal e provavelmente você irá voltar para ela contra sua vontade diversas vezes (depois de morrer em alguma dungeon). Entrando nas casas e falando com os habitantes, é possível encontrar desde personagens companheiros para recrutamento até o desnecessariamente longo e enrolado tutorial opcional de cada uma das mecânicas do game.


O jogo aconselha que você passe pelo tutorial e talvez essa seja realmente uma boa ideia, mas prepare-se para um processo que se assemelha a estudar para uma grande prova. No final das contas, é melhor fazer apenas alguns desses tutoriais, partir logo para uma aventura e voltar para o tutorial caso você sinta que é necessário mais para frente.

O hotel da cidade é a construção que contém o maior número de utilidades para Shiren. É lá que você ressurge após perecer em uma dungeon, e é lá onde é possível guardar o dinheiro e os itens que você realmente não quer perder. Além disso, é no hotel que você pode comprar novos itens, habilidades e até resgatar outra pessoa pelo modo de resgate online. No andar de baixo, simpáticos tanukis oferecem outros serviços, como uma loteria e um sistema específico de melhora de equipamentos. 


A maior parte do seu tempo, no entanto, será gasto nas dungeons — e é só andar para a direita na vila inicial para ser lançado em uma nova campanha. Tecnicamente, você não entra em um calabouço até alcançar a área que separa as dungeons do passado, presente e futuro (com suas respectivas dificuldades gradualmente mais altas), mas é preciso passar por uma área aberta de combate com alguns andares toda vez que você sair da vila. Mais do que apenas uma área intermediária, o local é ideal para você se preparar para as verdadeiras dungeons, coletando itens, equipamentos e ganhando pontos de experiência.

Se você já jogou qualquer título da série Mystery Dungeon, incluindo o conhecido spin-off de Pokémon, o gameplay é basicamente sempre o mesmo: você procura pelo caminho para o próximo andar de cada dungeon enquanto derrota uma série de monstros e coleta vários tipos de itens pelo caminho, subindo de nível e ficando mais forte no processo. Os inimigos também se locomovem pelo calabouço, mas eles só se mexem depois que você realizar uma ação, como andar ou equipar/usar um item. Adicionalmente, não há um limite de monstros para cada andar, e o respawn frequente de inimigos faz com que o perigo seja constante.


Embora muitas vezes parecidas no seu layout, as dungeons sempre mudam a disposição dos seus caminhos, assim como itens e monstros, fazendo com que nenhuma aventura seja exatamente igual a outra. O único desafio em um calabouço é achar a saída sem morrer, e o foco do gameplay realmente é esse xadrez constante entre você e os oponentes. Não espere qualquer tipo de puzzle, quest mais específica ou mesmo chefões no final de cada dungeon. O maior elemento surpresa são armadilhas de efeitos diversos espalhadas por todos os andares. Os efeitos incluem o recebimento repentino de algum status effect para Shiren ou algo que afete diretamente os seus equipamentos, enferrujando-os ou derrubando-os no chão, por exemplo. 

Saber administrar o mapa e os seus passos, pontos de vida, fome e itens é a chave para a vitória. Shiren possui dois contadores primordiais que vale a pena parar e explicar um pouco melhor: a vida e a fome. Sua vida recupera um ponto por vez a cada passo, algo que ajuda de forma considerável nas partes mais fáceis do começo, mas que não é o bastante durante os momentos mais tensos, em que será preferível consumir itens de cura. A fome, por sua vez, cai de forma gradual, tornando necessário que você consuma  bolinhos de arroz ou pêssegos para saciá-la.

Os bolinhos se mantêm frescos sem problemas dentro da sua mochila, mas os pêssegos possuem uma mecânica particular de amadurecimento. Se você deixar um pêssego fora de um pote de preservação (há um grande número de potes diferentes com várias utilidades distintas), ele irá ciclar entre três estados: fresco, normal e maduro. Todos servem para matar sua fome, mas cada qual com sua função, como aumentar a defesa ou encher a barriga de Shiren mais ou menos. No entanto, há uma última função primordial do pêssego que só entra em cena durante um evento específico de algumas dungeons: o período da  noite.


Após você completar as três primeiras dungeons, um ciclo de dia e noite é apresentado, adicionando uma boa quantidade de mecânicas e dificultando o jogo ainda mais — além de aumentar o número de tutoriais opcionais da primeira cidade. De modo geral, em questão de equipamentos você idealmente terá à sua disposição uma espada, um escudo, um cajado com diferentes poderes mágicos (ou itens descartáveis como flechas e pedras) e um bracelete equipável. Durante a noite, no entanto, atacar com a espada se torna completamente inútil.

O item de mão essencial passa a ser uma tocha, com o fim de aumentar um pouco seu raio de visão no escuro. Além disso, habilidades mágicas que só podem ser utilizadas à noite ficam disponíveis. Embora essas habilidades causem muito dano, matando com um hit a maioria dos oponentes, você só pode utilizar uma delas por vez em cada andar. Uma alternativa para recuperar um dos seus slots é comer um pêssego, ou até apostar mais em seus cajados e outros itens de ataque à distância. 


Outro aspecto da noite é que todos os monstros são substituídos por inimigos noturnos específicos, que por não enxergarem direito ao seu redor atacam outros monstros e sobem de nível indefinidamente. Adicionalmente, suas tochas ocupam espaço do pequeno inventário de Shiren, itens de cura são ainda mais necessários graças ao dano massivo das criaturas noturnas, e ler scrolls mágicos no escuro se torna impossível. Pois é, o game já é difícil normalmente, mas o período da noite leva essa dificuldade ao extremo. A única salvação é que eventualmente o dia volta a raiar.

Mystery Dungeon em sua melhor forma

Shiren The Wanderer 5 não é exatamente relaxante, pelo contrário: o game é intenso e cerebral como uma partida de xadrez em muitos momentos. Além disso, não há muito para se explorar além da sua proposta principal: constantes aventuras em dungeons geradas de maneira procedural. No entanto, isso não é exatamente um problema. O gameplay do jogo é seu ponto forte e, dentro do específico subgênero dos Mystery Dungeons, ele entrega uma experiência quase perfeita.

Quanto aos gráficos, eles mantêm o charme e a delicadeza da arte pixelada do Shiren The Wanderer original para o Super Nintendo, algo que é sempre bem-vindo e combina perfeitamente com o gênero. Os personagens e, principalmente, os monstros possuem bastante personalidade no seu visual, além de animações fluidas e agradáveis. Em relação à aparência, as dungeons talvez sejam um pouco simples demais visualmente, mas isso é uma certa convenção do gênero e apenas continua da mesma forma em Shiren The Wanderer 5. 


Um quesito que chamou bastante minha atenção no título foi a maravilhosa trilha sonora, cheia de músicas pegajosas da maneira certa, e é um verdadeiro prazer cantarolá-las pelo dia afora. Hayato Matsuo, compositor da trilha de uma série de animes e games conhecidos, como Guerreiras Mágicas de Rayearth e Final Fantasy XII, parece ter colocado uma boa quantidade de alma por trás dos acordes de Shiren 5.

A música do menu, por exemplo, é tão boa, com seu violão dedilhado estilo guitarra espanhola, que achei difícil entrar ou sair do jogo em diversos momentos simplesmente porque eu queria ouví-la por mais tempo. No entanto, nem de longe essa é a única faixa memorável presente em Shiren The Wanderer. Você pode ter certeza que, em questão de trilha sonora, o jogo é um deleite do começo ao fim. 



A narrativa definitivamente não é tão profunda, o que é até bom para um Mystery Dungeon, mas os personagens não deixam de ser bem carismáticos, desde o protagonista silencioso e seu companheiro furão falante até os vários NPCs que aparecem pelo seu caminho. Basicamente, Shiren decide ajudar um jovem a curar sua amiga de infância que está doente, e o método para realizar isso é buscando dados do destino em alguns calabouços, e um bom número de personagens simpáticos aparecem para ajudar durante a jornada. 

O gameplay certamente se torna repetitivo e até cansativo com o tempo, mas é difícil criticar esse ponto tão solidificado no próprio gênero. Todos os Mystery Dungeons passam por isso, será que vale a pena criticá-los e pedir/esperar por algo um pouco diferente? Ou é normal aceitar que essa é uma “falha” inerente ao próprio molde da jogabilidade? Acredito que seja um pouco dos dois.


Aprender as minúcias dos diversos itens, equipamentos, monstros e segredos de Shiren The Wanderer 5 é algo legitimamente bem divertido de fazer. A quantidade de mecânicas e possibilidades é bem grande, e realmente é necessário gastar um pouco de massa encefálica durante os momentos mais tensos. Por outro lado, após uma ou duas dungeons seguidas, o processo se torna bastante exaustivo, principalmente se você morrer e tiver que passar mais tempo calmamente coletando itens de novo. Pelo menos o ciclo de dia/noite acrescenta uma boa variedade no loop de gameplay, mesmo aumentando a dificuldade de forma considerável.

A dificuldade é outro ponto interessante de mencionar. Ao mesmo tempo que é um elemento que impede a repetição e a monotonia, graças ao desafio crescente e constante, ela definitivamente pode ser bem frustrante. É necessário aceitar que a dificuldade faz parte integral da experiência de Shiren The Wanderer, e só é possível realmente apreciar a proposta do jogo a partir desse ponto de vista. Se você realmente não gosta de jogos muito difíceis, passe longe. Se está disposto a experimentar, vá com calma. O título com certeza é melhor apreciado em doses homeopáticas. 


Se você já aprecia outros títulos de Mystery Dungeon, é garantido que Shiren The Wanderer: The Tower of Fortune and The Dice of Fate vai prender sua atenção por um bom tempo. Essa versão do Switch é a definitiva, adicionando não só novas dungeons do relançamento para o PS Vita como algumas outras no pacote. Se você for um apreciador de RPGs de mente aberta ou alguém que gosta de um bom desafio lógico, provavelmente também vale a pena dar uma chance ao título.

Prós

  • Gráficos e animações excelentes no bom estilo Super Nintendo;
  • Trilha sonora agradável e marcante;
  • Gameplay envolvente e cheio de camadas;
  • Bastante conteúdo para fãs do gênero.

Contras

  • A fórmula dos Mystery Dungeon se torna repetitiva após algum tempo;
  • Dificuldade bastante elevada.
Shiren The Wanderer: The Tower of Fortune and the Dice of Fate - Switch/PC - Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch 
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Spike Chunsoft

Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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