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Análise: Sword of the Necromancer (Switch) mostra que uma boa premissa pode não ser o bastante

O roguelike com foco em reanimação e invocação de monstros falha em impressionar.


Com uma clara inspiração em clássicos do gênero roguelike como Enter The Gungeon e Wizard of Legend, e com o objetivo de homenagear a exploração de dungeon e o combate 2D da série Legend of Zelda, parece que pouca coisa poderia dar errado para Sword of the Necromancer. Infelizmente, no entanto, o resultado final passa longe do nível de qualidade dos seus materiais de referência.

A partir da promessa de um sistema de combate fluido com foco em invocação de monstros, a desenvolvedora espanhola Jandusoft reuniu a soma de 201.526 mil euros (algo em torno de 1 milhão e 300 mil reais) por meio do seu Kickstarter — e muita gente que contribuiu tinha altas expectativas para o título indie. Será que existe salvação para o game ou é melhor deixar para a próxima?

Reviver os mortos é uma má ideia, afinal

Um dos maiores pontos fortes de Sword of the Necromancer começa e termina antes que você sequer controle o personagem principal: a curta, porém impressionante, abertura no estilo anime. É uma pena que depois de uma animação tão vibrante, fluida e empolgante, nada do tipo apareça no game novamente. O resto da história acontece apenas por meio de ilustrações inanimadas sobrepostas por texto e um diálogo gravado. Não me entenda mal, as atuações são inspiradas e as vozes até conseguem carregar parte do apelo emocional da narrativa por si só, mas ainda assim não se comparam com o poder visual de uma bela animação.

A história não costuma ser o foco da maioria dos roguelikes, mas Sword of the Necromancer se coloca em um ponto estranho no qual um dos seus elementos mais interessantes é precisamente a sua narrativa. Ainda assim, grande parte da experiência do jogo não inclui nenhum tipo de trama. Os únicos e curtos momentos em que realmente é possível presenciar algo da história acontecem apenas após você alcançar uma nova fase da campanha — e, mesmo assim, são esses breves lapsos de exposição que provavelmente manterão você jogando por mais tempo. 


A trama acompanha a relação da ladra Tama e da sacerdotisa Koko, e é contada por meio de flashbacks durante a missão de Tama para trazer Koko de volta à vida. O destino aproxima as garotas, que começam a viajar juntas pela terra medieval fictícia do game e acabam se apaixonando pelo processo. Tama, acostumada a ficar sozinha e se virar para sobreviver, encontra em Koko uma razão para viver. Koko, por causa de Tama, percebe que pode fugir de sua vida isolada em um templo e viajar pelo mundo com sua nova companheira.

Descobrir exatamente como se desenvolve a relação das duas e qual é a razão da morte de Koko faz parte essencial da experiência do jogo. No entanto, esse aspecto existe 100% fora do gameplay e permanece em isolamento dentro das estáticas "cutscenes" que contam a história. Na verdade, é preciso terminar a campanha inteira duas vezes para experienciar toda a narrativa, o que pode ser um pouco difícil graças às inúmeras escolhas tortas da jogabilidade do jogo. 


A premissa básica do gameplay é bastante interessante, quanto a isso não há dúvidas. Em sua busca para trazer sua amada de volta à vida, Tama encontra a espada do necromante e parte para o encontro do próprio criador do item mágico. O objetivo nunca realmente é explicado de forma literal ou demonstrado de qualquer forma durante as dungeons, mas é possível entender o contexto eventualmente por meio das cutscenes.

Com a própria espada do necromante em mãos, Tama adquire o poder de reviver qualquer monstro derrotado e invocá-lo para lutar em seu nome. Isso imediatamente infere uma série de possibilidades, como a capacidade de criar um pequeno exército de criaturas para lutar no seu lugar de forma dinâmica, mas na prática não é bem assim. A inteligência artificial dos monstros é sofrível e sua movimentação é totalmente deplorável. É mais fácil pensar nessas criaturas como ataques especiais pontuais de Tama do que como companheiros constantes durante um confronto. 


Além disso, a mecânica é completamente arruinada pela maior falha de game design do jogo: a capacidade extremamente limitada de carregar apenas três itens por vez, incluindo suas invocações de monstros. Ao contrário de muitos jogos do tipo, esse limite não pode ser alterado de forma alguma, e você realmente fica preso a escolher no máximo três itens para acompanhá-lo durante toda uma campanha. 

Se o problema afetasse apenas seus companheiros monstros, a questão seria amenizada um pouco, mas esses mesmos slots de itens também servem para abrigar armas e equipamentos passivos que podem ser encontrados pelas dungeons. A pior parte é que, tecnicamente, seriam quatro slots disponíveis, só que a própria espada do necromante ocupa um dos espaços permanentemente e não pode ser trocada. Não lembro da última vez que a arma principal obrigatória de um jogo não ocupou o seu próprio slot independente. Uma escolha no mínimo estranha para o gerenciamento de itens do jogo. 

Essa simples limitação acaba com toda e qualquer esperança de construção de uma build saudável durante uma campanha. Há um bom número de itens passivos com diversos efeitos, além de várias armas paralelas, mas decidir utilizar esses equipamentos sempre vem acompanhado de uma limitação severa das suas possibilidades dentro do game. Se a mecânica principal do jogo é reviver monstros, qual é a lógica de você perder a flexibilidade do seu arsenal de monstros apenas para carregar um item?



Geralmente, o que faz você continuar voltando para um roguelike várias e várias vezes após inúmeras mortes é algum tipo de senso de progresso, seja nas suas habilidades como jogador, por uma progressão de itens ou stats dentro do próprio jogo, ou uma combinação saudável dos dois fatores. Em Sword of Necromancer, é quase impossível sentir algum senso de progresso em qualquer desses dois sentidos.

Morrer durante uma campanha resulta na perda de todos seus itens/armas/monstros, e no corte do nível do seu personagem pela metade, uma punição mais severa do que parece. Existe sim uma forma de melhorar esses equipamentos, adicionando uma série de atributos a eles, porém isso só é possível quando você os leva de volta para a área principal, saindo de um calabouço voluntariamente. O problema é que essa funcionalidade não é nada orgânica, e as dungeons são tão entediantes e repetitivas que é complicado possuir vontade suficiente de coletar alguns itens, voltar para a base, melhorá-los e tentar de novo. Sem falar que é só você morrer uma vez, geralmente por alguma razão boba e trivial, para todos esses itens, melhorados ou não, irem embora para sempre. 


Falando das dungeons, fazia tempo que eu não via um trabalho de level design tão simplório e pouco inspirado quanto em Sword of Necromancer. Todos os calabouços são longos demais, parecidos em demasiado e falham em adicionar qualquer tipo de funcionalidade ou elemento que se destaca, seja de jogabilidade ou puramente visual. Não há qualquer tipo de puzzle ou alguma grande variação no design das salas. O único objetivo sempre será matar monstros até achar a chave da porta do chefe, e então procurar a tal porta para começar o confronto. Sem falar que todos os chefes são os mesmos em cada estágio, e todos os estágios são praticamente iguais visualmente entre si.

Não existe qualquer motivo para você realmente explorar por completo uma fase do jogo, na verdade, o processo chega a ser doloroso. Caminhar por corredores longos e iguais, invocar criaturas extremamente burras e enfrentar inimigos de uma forma lenta e sem graça realmente cansa. Com cenários tão simples e nenhum tipo de desafio além das batalhas, o certo seria que o gameplay dos combates carregasse o jogo e motivasse sua existência, certo? A questão é que essa parte também é brutalmente maçante.

O ending lag de cada um dos seus golpes de espada é consideravelmente maior do que deveria ser, o que faz com que todos os combates se arrastem e sejam nada responsivos. Adicionalmente, os monstros variam muito pouco entre si e possuem uma série de fraquezas e afinidades com elementos que nunca são realmente explicadas. A melhor coisa a se fazer para o combate cansar menos é apostar nos goblins arqueiros, que possuem um alcance e um raio absurdo de ataque, geralmente resolvendo a maior parte dos problemas. Infelizmente, esses mesmos inimigos também são os mais chatos para enfrentar, e é normal uma flechinha desses monstros acabar com sua campanha de uma forma barata e frustrante. 


Os pontos positivos são mais escassos e passam longe de realmente impressionar. É possível citar até certo ponto o design de alguns monstros, porém, não todos. A trilha sonora também parece adequada em certos momentos, mas falha em ser memorável no final das contas. A arte do game, que deveria "vender" o título para muitas pessoas, também não chama atenção de forma positiva. Na verdade, confesso que o tamanho da cabeça da protagonista nunca deixou de me incomodar. Comparando com a grande quantidade de títulos com trabalhos artísticos realmente incríveis em pixel art, Sword of Necromancer certamente não se destaca.

Acho que o melhor ponto dentre as escolhas do título é, infelizmente, um spoiler. Então, fica aqui um aviso, caso você ainda pretenda jogar Sword of Necromancer eventualmente. Ao acabar a história com Tama, ela usa os poderes do necromante para trocar sua vida pela vida de Koko. Nesse momento, a tela principal volta, mas agora Koko é o personagem em destaque. Entrando no jogo, você agora controla Koko e, durante suas jornadas pelas dungeons, aprende sobre outros pontos da história por meio dos seus flashbacks. Chegando no final, o último chefe agora é a própria Tama e, ao derrotá-la, o true ending do jogo é alcançado. 


Sword of the Necromancer certamente tinha potencial, porém, no estado em que o game se encontra, é difícil recomendá-lo de qualquer forma. A impressão que o título passa é a de ainda estar durante suas primeiras fases de early access. O jogo parece estar incompleto, realmente um tanto vazio, e também não parece saber muito bem o seu motivo de existir. Além de partes da história e da ideia principal de invocar monstros derrotados, muito pouco do resultado final dessa produção se salva. É uma pena, mas você pode passar reto por Sword of Necromancer e apostar em algum dos vários fantásticos roguelikes disponíveis no Nintendo Switch.

Prós

  • Gráficos simpáticos com modelos de personagens adoráveis;
  • Animação de abertura de alta qualidade e um ótimo trabalho de dublagem;
  • História intrigante;
  • Design interessante de monstros e personagens;
  • Ótima premissa, mesmo que mal executada. 

Contras

  • Algumas terríveis escolhas de game design, principalmente a limitação de três itens no inventário;
  • Level design que deixa muito a desejar;
  • Combate lento e pouco satisfatório;
  • Péssima inteligência artificial dos monstros recrutados; 
  • Sistema de progressão falho e nada intuitivo.
Sword of the Necromancer - Switch/PC/PS4/XBO - Nota: 4.5
Versão utilizada para análise: Switch 
Revisão: Vladimir Machado
Análise produzida com cópia digital cedida pela Jandusoft

Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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