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Análise: Cozy Grove (Switch) nos faz refletir sobre a simplicidade e o propósito de um jogo de simulação

Seguindo a onda de outros títulos de simulação de sucesso, Cozy Grove tem vários aspectos já estabelecidos em jogos do gênero e diverte um pouco.


O que torna um jogo de simulação tão interessante? Em outros gêneros, diríamos que um aspecto comum que desperta o interesse dos jogadores é o objetivo final, seja ele matar um vilão, acabar com o mal ou buscar o item precioso no fundo da masmorra, e isso não se aplica aqui. É como a vida e os indivíduos: cada um, com suas particularidades, decide o que quer fazer e o que traz a satisfação de prosseguir. Nesta análise de Cozy Grove, jogo de simulação para o Switch, vamos refletir sobre o que funciona no gênero, e o que enjoa também. Será que cada jogador encontrará o seu caminho?

Pode ser com o propósito de colecionar itens de diferentes raridades, construir um grande acampamento e personalizá-lo com a sua cara ou ajudar ao próximo; Cozy Grove tem tudo isso e agrada a quem busca uma aventura alternativa às grandes franquias do mercado de simulação casual. Porém, aparecem alguns problemas quando o foco não é entregar uma experiência apenas para consoles, não adaptando alguns aspectos que certamente funcionam melhor em dispositivos móveis.

Recuperando a ilha aconchegante

Do inglês, “cozy” quer dizer aconchegante, e assim é a introdução à ilha chamada Cozy Grove, algo como o “bosque aconchegante”. Ao som de uma tênue faixa musical de fundo, com desenhos em estilo simples e uma grande paisagem em preto e branco, nosso protagonista chega ao local. Ele faz parte do Escotismo Espectral, algo similar aos escoteiros da vida real que, em vez de auxiliar pessoas, dão suporte a fantasmas perdidos em seus desejos nas ilhas espalhadas pelo mundo.

A chegada, porém, não é esperada. O que era para ser a ida de um escoteiro iniciante para uma ilha com no máximo um espírito a ser consolado acabou o enviando para um dos mais complexos pedaços de terra existentes, cheio de almas desesperadas maltratadas pelo último Escotista Espectral que ali passou.


Os fantasmas aparecem na forma de ursos e a sua missão é atender aos seus desejos, aumentando o seu nível de amizade e consolando-os para que tenham paz. Tais desejos se materializam na forma de missões específicas de coleta de itens, seja para receitas, para montar um novo instrumento ou sem qualquer motivo aparente — sim, isso é bem comum também.

O importante é que, ao completar as missões, você colabora com o propósito do jogo e também recebe dinheiro, algumas recompensas e lenhas espirituais. Cada um dos itens recebidos colabora para o avanço de alguns fatores no quesito simulação: o dinheiro permite a compra de novos itens de mobiliário e a melhoria de algumas instalações; os itens de recompensa podem ser ingredientes para receitas ou decoração; já as lenhas aumentam o nível da fogueira, que é quem dá a maior sensação de progresso, pois a cada avanço a ilha aumenta e novos personagens podem ser resgatados.

Cada missão cumprida, além de aumentar o nível de amizade com os ursos fantasma, torna o ambiente ao seu redor colorido e vivo, fato que dura até que surja o próximo desejo a ser atendido. Isso permite o acesso às funcionalidades que cada um deles pode fornecer, como a reparação de itens no urso marceneiro, a reciclagem na ursa ecológica amiga das árvores (e que pensa que é uma) ou as próprias habilidades culinárias da cozinheira.


Ainda na onda de dar um propósito ao jogo e alinhá-lo com o objetivo do jogador, há um fator extra na receita: a limitação diária das missões. Em Cozy Grove, você não pode sentar para jogar por horas a fio, já que os fantasmas só terão novos desejos no próximo dia e você terá que aguardar.

Assim, o aspecto de simulação da experiência fica bem mais claro e você pode tirar, a cada dia, um tempo para ajudar todos e arrumar suas mobílias, sendo que cada sessão dura sempre de 20 a 40 minutos. É uma pena que muitos desses aspectos acabam soando forçados em vários momentos.

Logo no início, por exemplo, você tem acesso a um punhado de batatas, o que é bastante interessante, apesar de elas não terem nenhuma função aparente a não ser a venda. Ao longo do tempo, porém, você descobre que pode alimentar alguns fantasminhas — chamados de Diabretes — em troca de recompensas, ou queimá-las na fogueira para obter um prato e alimentar seus pássaros.

Alguns dias depois, surgem entre as opções os tubérculos e as frutas, mas a diversificação na quantidade de itens disponíveis não faz variar a gama de possibilidades, já que você continua podendo apenas queimar para obter um prato.


Aí entra também o fato de não ser claro como obter diretamente esses alimentos. Se meu pássaro de estimação deseja alguns cogumelos cozidos e não os tenho em meu inventário, não sei exatamente onde obtê-los. Posso sair remexendo os montes de folhas e cavando buracos pela ilha, torcendo para encontrá-los, ou esperar que uma missão me dê alguns como recompensa.

O mesmo se aplica a todas as outras categorias de itens. Nos peixes, por exemplo, há diferentes raridades e nomes, mas eles desempenham poucas funções além de completar coleções ou ser convertidos em espinhas. Os itens de mobília também sofrem disso, já que não se sabe o que cada item faz além de decorar o mapa e representar uma categoria de decoração preferida por frutas e animais.

Em resumo, são muitas variedades de itens sem aparente necessidade de tanta diversificação nem formas claras de obtê-las; você terá que contar com um pouco de sorte para isso.

O propósito das missões

Voltemos ao ponto do propósito em permanecer jogando um jogo de simulação no qual você deve atender ao chamado de inconsoláveis ursos fantasma. Se fosse unicamente pelo gerenciamento e a possibilidade de expandir seus itens e mobília, Cozy Grove se sairia bem, mas vejo que o que mais deveria carregar uma motivação aqui são os desejos dos espíritos. Seria necessário que eles fossem cheios de histórias sobre a ilha e o passado, com itens que levassem a interessantes descobertas e, quem sabe, até trouxessem um pouco de enredo a um gênero que quase não o explora.

Aqui isso não ocorre, infelizmente. As missões propostas pelos ursos são sempre bastante vazias e se resumem em buscar alguns itens escondidos por causa de motivos aleatórios, como uma encomenda grande que se perdeu e "deve estar escondida entre as folhas por aí".


Visto que os visuais são bem cheios de detalhes, algo que considero proposital no desenvolvimento, a procura desses itens se torna uma brincadeira de "onde está o Wally", em que tentamos enxergar objetos ocultos em meio à poluição visual. Essas buscas aumentam consideravelmente o tempo de jogo e o tornam muito mais maçante, pois mesmo que exista a opção de obter uma dica por 100 moedas, você fica dividido entre ficar gastando seu dinheiro ou seu tempo. Assim, o propósito lentamente se esvai.

Além da minha proposta de inserir mais elementos que pudessem desenvolver um enredo menor como background e motivação, penso que outra melhoria seria utilizar tais missões como oportunidade para apresentar todas as instalações disponíveis e os poderes que cada uma pode fornecer. Por exemplo, quando somos apresentados à reciclagem, acabamos nos perguntando "para que isso serve mesmo"?

Vindo de um game mobile

Por fim, um último aspecto relevante, não tão relacionado ao enredo e às motivações, mas sim à qualidade de vida do jogador, é a adaptação dos elementos da interface gráfica para os consoles. Tendo sido também lançado para dispositivos móveis de sistema operacional iOS, Cozy Grove não tem nenhuma diferenciação nos menus se comparado aos aparelhos que possuem apenas tela de toque, salvo alguns botões de ação (a letra “A”) que aparecem em objetos interativos.

Assim, fica bem difícil identificar quais botões do controle levam a quais menus, algo que poderia estar identificado na forma de pequenos ícones. Outra possibilidade seria utilizar animações para que o pressionar de um botão no controle fizesse determinado elemento na tela se expandir, sendo esse um facilitador na identificação do usuário. Pode parecer um aspecto bobo, mas frequentemente eu me via apertando dois ou três botões antes de encontrar o correto para acessar o menu de conquistas, que fica na barra inferior.

O que cada botão faz mesmo?

Falando em elementos gráficos, a otimização para o console também ficou bem mal-trabalhada, sendo visível a lentidão nas animações quando vários itens pipocam como recompensa de missões ou as cores "explodem" ao concluir um objetivo. É certo que o Switch tem poder gráfico para suportar um conjunto de animações 2D, então a falha acabou sendo da desenvolvedora.

Tais falhas demonstram certa falta de carinho na finalização do game. Quando você enjoa de apenas duas faixas de fundo constantes ou esbarra com textos não traduzidos para o português nas primeiras falas do jogo, fica claro que a revisão final e o zelo com a qualidade não foram prioridades antes desse lançamento ficar disponível.

Mas afinal, há propósito?

No início deste texto, levantei a pergunta do que prende o jogador a um título de simulação e se este aqui seria mais um que cumpre esse requisito. No avanço do texto, citei vários pontos negativos, que acabam por desmotivar o escoteiro em sua aventura pela ilha. Ainda assim, Cozy Grove consegue entregar uma experiência que te prende com os mais simples elementos para um retorno em suas jogatinas rápidas.

Pode até ser que alguns alimentos não tenham função aparente ou que as missões fiquem maçantes, mas Cozy Grove reúne os elementos básicos de um jogo de simulação que dão o aspecto aconchegante que ele quer proporcionar, cuidando de uma pequena ilha que agora é de sua responsabilidade e das almas inquietas de ursos fantasma perdidos, tarefas que no fim das contas são divertidas. Infelizmente, o foco mobile do game e a falta de zelo no acabamento pesam muito na balança para que a experiência valha a pena no Switch, então quem sabe você se divirta ainda mais em um smartphone ao seu alcance.



Prós

  • Sensação de progresso diário em sessões de 30 minutos;
  • Estilo artístico desenhado à mão e trabalho com cores feitos com carinho.

Contras

  • A funcionalidade e a forma de obtenção da grande variedade de itens não ficam claras;
  • Missões sem propósito na busca por objetos escondidos;
  • Péssima otimização para o Switch;
  • Apresentação visual dos elementos do menu não pensada para o uso do controle;
  • Trilha sonora repetitiva;
  • Erros de tradução.

Cozy Grove — Switch/PS4/XBO/iOS — Nota: 6.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela The Quantum Astrophysicists Guild


É diretor de redação do Nintendo Blast e fã de games desde pequeno, quando começou sua jornada com Mario e Zelda lá no SNES. É formado na área das engenharias e trabalha com desenvolvimento de software. Quando sobra um tempinho entre as jogatinas e o dia a dia, aparece lá no Twitter como @niccomch.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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