Lançado em 2004 para o GameCube, Paper Mario: The Thousand-Year Door foi o segundo jogo da série e traz o nosso herói bigodudo em mais uma aventura ao resgate da Princesa Peach, dessa vez na misteriosa terra de Rogueport. Durante a história, Mario utiliza um mapa mágico e vai em busca das Crystal Stars, um conjunto de pedras preciosas que irá ajudá-lo a abrir uma porta milenar conhecida como The Thousand-Year Door, onde um tesouro é guardado.
Pelo caminho, Mario encontra uma série de novos aliados e parceiros de batalha, que o ajudam na luta contra o grupo X-Nauts, responsáveis por sequestrar a Princesa Peach e que desejam roubar o mapa mágico para encontrar e utilizar as Crystal Stars. Em particular, uma dessas parceiras é a vilã Vivian, uma bruxinha fantasma que faz parte do trio Shadow Sirens e que muda de lado ao perceber que Mario a valoriza mais do que suas próprias irmãs.
Uma vilã em transformação
À primeira vista, a jornada de Vivian pode parecer o clássico clichê de uma vilã que se arrependeu de seus atos e percebe que pode se tornar uma pessoa melhor ao ajudar o próximo, porém, o que torna sua história diferente é o jeito como isso acontece.
Vivian faz parte de um grupo vilanesco conhecido como Shadow Sirens, um trio de bruxas fantasmas formado por ela e suas duas irmãs mais velhas, Beldam e Marilyn. Como caçula do trio, é comum que Vivian sofra bullying de suas irmãs, sendo frequentemente menosprezada e tendo suas habilidades questionadas. A grande verdade é que Vivian só deseja ser aceita por suas irmãs e as ajuda, não porque seja má, mas porque deseja pertencer a algo.
Essa relação difícil com suas irmãs faz com que Vivian desenvolva um sério complexo de inferioridade e comece a duvidar de si mesma. A vida da pobre fantasminha acaba mudando quando Mario entra em cena e se torna a primeira pessoa a agir com bondade em relação a ela.
Uma parceria inesperada
O caminho desses dois personagens se cruza quando as irmãs mais velhas de Vivian a culpam por ter perdido um item muito importante: uma Superbombomb. Ao mesmo tempo, Mario tem seu corpo e identidade roubados, tornando-se uma mera sombra de quem ele foi um dia.
Deixada para trás para procurar pela bomba, Vivian tem a ajuda da sombra de Mario para encontrar o item. Sem saber que ele é inimigo de suas irmãs, ela decide ajudá-lo na busca de seu corpo verdadeiro, como forma de retribuir o favor, assim, ela entra de forma temporária para a equipe de Mario.
Em termos de luta, Vivian é uma das personagens mais fortes do jogo, com o dom de manipular as sombras e o fogo em seus golpes. Uma das suas habilidades principais é a capacidade de esconder Mario nas sombras, impedindo que ele seja atacado por inimigos. Além disso, ela também pode utilizar socos de fogo, conjurar chamas para queimar todos os inimigos e causar confusão com o seu beijo.
Em determinado momento da aventura, Vivian descobre a verdadeira identidade de Mario e, mesmo assim, conquistada pela bondade do encanador, decide continuar ajudando-o e entra de vez para a sua equipe.
No decorrer do jogo, Vivian vai se transformando, deixando sua personalidade tímida e retraída de lado, tornando-se cada vez mais confiante, generosa, gentil e superando seu complexo de inferioridade, ao ponto de conseguir perdoar as suas irmãs e reconstruir seu relacionamento com elas.
Identidade e representatividade apagadas na tradução
A história do bullying que Vivian sofre de suas irmãs possui algumas particularidades, dependendo da versão de Paper Mario: The Thousand-Year Door que você jogue, algo que foi causado pela tradução do jogo. Em todas as versões do título, exceto aquelas em inglês ou alemão, Vivian é descrita como uma mulher transexual, sendo essa a principal razão pela qual suas irmãs a tratam mal.
Em particular, a versão italiana do jogo deixa isso bem claro com uma das frases de Vivian, quando ela confronta uma de suas irmãs e diz que tem orgulho de ter se tornado uma mulher. Sua identidade enquanto mulher trans também é mantida nas versões em japonês, francês e espanhol do jogo, apesar de algumas falharem na forma como tratam a identidade da personagem de forma correta, referindo-se a ela algumas vezes como “um garoto que se veste de mulher”.
Na versão italiana do jogo, Vivian diz: “Ma acnh’io mi sento una donna e sono fiera di esserlo diventata!”. Em uma tradução livre: “Mas também me sinto mulher e tenho orgulho de ter me tornado uma!” |
Todas as menções a sua identidade de gênero foram apagadas nos idiomas inglês e alemão do jogo. Nessas versões, a personagem sofre bullying de suas irmãs por conta de sua aparência. Isso fez com que muitas pessoas não tivessem contato com a real história da personagem, resultando em um certo apagamento dessa identidade por um tempo.
Outras aparições
Mesmo com um papel de destaque em The Thousand-Year Door, Vivian não teve grande importância em outros jogos da série, tendo apenas algumas pequenas participações em outros títulos, como um card colecionável em Super Paper Mario (Wii), um sticker em Super Smash Bros. Brawl (Wii) e um spirit em Super Smash Bros. Ultimate (Switch).
Apesar disso, Vivian encontrou seu lugar dentro da comunidade LGBTQIA+, tornando-se um exemplo, entre muitos poucos, de personagens trans da Nintendo. Sua jornada mostra como é importante ter uma família que a apoia, além de ter pessoas que a veem pelo o que ela é de verdade, tratando-a com bondade e despertando essa bondade em si mesma, como Mario fez.
Revisão: Felipe Fina Franco