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Análise: Dandy Ace (Switch): quando o feijão com arroz é feito com amor e carinho

Use seu arsenal de truques mágicos e atravesse um palácio cheio de criaturas estranhas neste sensacional roguelike brasileiro.



Às vezes a gente fica sob a impressão de que só vale a pena dar chance a um jogo se ele trouxer ideias e mecânicas completamente inéditas. Isso pode fazer com que deixemos passar obras que, mesmo não redefinindo certos conceitos, entregam um trabalho de altíssima qualidade, que é exatamente o caso de Dandy Ace.

Desenvolvido pela brasileira Mad Mimic Interactive e publicado pela sul-coreana Neowiz, esse roguelike isométrico segue com competência muitos dos passos da cartilha do gênero, e suas particularidades lhe conferem charme e robustez suficientes para se destacar entre os muitos indies que são lançados todo ano.

Quando em dúvida, venda a alma para aprisionar seus desafetos

Era uma vez um magnífico ilusionista de olhos verdes chamado Lele, um mágico adorado por multidões até o surgimento de um otário chamado Dandy Ace, que roubou a cena com truques bem meia-boca. Desesperado, Lele teve que trocar sua alma pela ajuda do Espelho Amaldiçoado, que ele usa para aprisionar Ace e suas ajudantes em um mundo conhecido como o Palácio que Sempre Muda, de onde esse trouxa tem que escapar, mas que sinceramente não merece.

Só que não. Exceto pela parte do aprisionamento, que de fato acontece, o resto da historinha, contada pelo próprio Lele, é pura fabricação da mente desse pobre coitado. O cara é um fracassado odiado por todo mundo, literalmente faz a criançada chorar e só aprisiona Dandy Ace no Espelho Amaldiçoado porque é um baita de um invejoso, já que as habilidades e o carisma do nosso protagonista instantaneamente conquistaram o público.




Seja como for, no controle do fabuloso e bem-vestido Ace, precisamos passar pela série de dungeons que compõem o Palácio que Sempre Muda até chegar ao Lele e então derrotá-lo. Ao todo, são nove salas, das quais três envolvem batalhas contra chefes, incluindo o próprio ilusionista de olhos verdes. Concluir a campanha pelas três primeiras vezes libera dificuldades maiores e, como é de praxe, morrer nos leva de volta ao começo.

Uma fórmula conhecida, com um toque de magia

A estrutura das fases em Dandy Ace mantém o padrão dos roguelikes: cenários gerados aleatoriamente a cada nova tentativa, com armadilhas e inimigos próprios de cada ambiente e ocasionais arenas fechadas, das quais só é possível sair após derrotar todas as criaturas que aparecem. Não é preciso explorar uma dungeon por completo, apenas até encontrar o portal para o próximo estágio.

A configuração das salas pode ser aleatória, mas o mapa do jogo não é. No começo de cada cômodo do Palácio que Sempre Muda, podemos ver sua arquitetura geral, que mostra todas as possibilidades de caminhos que Ace pode seguir. Porém, inicialmente nossas escolhas são parcialmente limitadas por portões que só podem ser abertos pelas chaves correspondentes, cada uma com uma cor e representando um dos quatro naipes do baralho de cartas tradicional.




Essas chaves representam um de muitos incentivos à rejogabilidade que temos aqui, já que não só precisamos encontrá-las em nossas andanças iniciais, adquirindo-as permanentemente, como elas expandem bastante nossas possibilidades de exploração. Por um lado, coletamos mais recompensas dos monstros, que existem na forma de moedas de ouro, fragmentos de espelho e cupcakes que restauram a vida do Ace; por outro, significa mais inimigos e campanhas mais longas. Então, fica a critério de quem está no controle de Ace decidir se vale a pena se embrenhar a fundo o máximo possível ou se é melhor seguir logo em frente.

As dificuldades mencionadas anteriormente estão divididas em Normal, Difícil, Muito Difícil e Pesadelo. A cada aumento de nível, cresce a quantidade de fragmentos recebidos e o acesso a itens mais fortes, mas crescem também a vida, o dano causado e o número de inimigos que aparecem, e as recompensas oferecidas entre fases vão ficando mais escassas.

Falando em dificuldade, se quiser transformar suas jogatinas em um rigoroso teste de paciência, você pode deixar no máximo a frequência de participação do Lele como narrador, com constantes reclamações e tentativas de dissuadir Ace de fazer as melhores escolhas. Graças aos santos do bom game design, existe a opção de desativar esse recurso completamente, porque eu não devo ter aguentado mais que uma hora antes de me irritar com o Lele repetindo as mesmas frases o tempo todo.

É trunfo na manga que não acaba mais

O que seria de um mágico sem o seu repertório de truques? Felizmente para Dandy Ace, quando ele foi transportado para dentro do Espelho Amaldiçoado, sua coleção de cartas, acessórios e Poções de Chá restauradoras de vida foi junto. E é graças a ela que a brincadeira fica interessante.

As cartas mágicas são operadas sob uma mecânica com grandes inspirações em Transistor (Multi). Temos oito espaços para equipar cartas: quatro para as principais e quatro para as secundárias. As principais funcionam mais diretamente e têm tempos de recarga variados, enquanto as secundárias servem para fornecer efeitos adicionais.




Há três categorias de cartas: as rosas, que focam em dano a distância ou combate corpo a corpo; as amarelas, que têm uma variedade maior de funções auxiliares, como barreiras e explosões que infligem condições especiais nos inimigos; e as azuis, que servem para movimentação, seja por meio de dashes ou teleportes curtos.

O jogador é fortemente encorajado a testar múltiplas combinações dentro dos limites dos oito espaços, já que é possível equipá-las e desequipá-las à vontade, e não há restrições sobre quais tipos de cartas serão usadas nos espaços principais e quais servirão como secundárias. Se você quiser, pode até utilizar uma combinação maluca de oito cartas azuis, saltando para tudo que é lado até destruir seus oponentes.

Pessoalmente, gostei muito dessa liberdade de personalização que o jogo dá, mas chegou um ponto em que o meu lado competitivo e obstinado prevaleceu, e eu passei a procurar combinações focadas em um leque de poucas cartas, mais otimizadas ao meu estilo de jogo, ao invés de continuar experimentando novos combos. Aliás, está aí uma das belezas de Dandy Ace: ele te entrega variedade suficiente para que o gameplay brilhe independentemente do caminho criativo que você tomar.

Cada carta tem um nível próprio, que pode ser melhorado para aumentar seus parâmetros de dano. O jogo impõe um limite máximo de acordo com a fase em que Ace está, o que significa que você não pode elevar o nível de uma carta acima desse limite, mas pode encontrar nas dungeons cartas com níveis que o ultrapassem. É importante observar que somente o nível das cartas principais é relevante, já que as cartas secundárias apenas acrescentam um efeito extra, sem quaisquer alterações de parâmetros.




Os acessórios têm um uso bem mais restrito, mas não deixam de ser extremamente úteis. Eles podem ter funções ofensivas, defensivas ou utilitárias. Só é possível equipar até três acessórios, e a partir daí temos a opção de devolvê-los em troca de um custo em ouro — que aumenta drasticamente, é bom dizer — e fazer novas escolhas, incluindo as mesmas de antes.

No começo, temos uma quantidade bem pequena de cartas e acessórios à disposição, o que obviamente limita e dificulta bastante o progresso, mas conforme vamos avançando, encontramos diagramas largados por inimigos. Esses diagramas servem para liberar a opção de compra dos itens mostrados neles, mas caso Ace seja derrotado antes de concluir a fase em que está, os diagramas coletados serão perdidos, e o mesmo vale para os fragmentos.

E agora eu gostaria de chamar ao palco minhas fabulosas assistentes!

Por mais incrível que Ace seja, ele não iria longe sem sua dupla de assistentes, as irmãs Jolly Jolly e Jenny Jenny. Com suas barracas, elas dão um suporte crucial para o sucesso do mágico em suas muitas tentativas de cair fora do Palácio que Sempre Muda. Enquanto a impaciente Jolly Jolly recolhe os diagramas que encontramos e recebe fragmentos para nos dar acesso a cartas, acessórios e melhorias permanentes, a animada Jenny Jenny se especializa em estocar apenas os acessórios para escolhermos.




O que mais me agradou no sistema de uso dos fragmentos é que não é preciso ter as quantidades exatas para desbloquear os itens vendidos pela Jolly Jolly. Podemos gastar cada fragmento livremente, deduzindo o valor usado do total necessário para comprar cada item. Por exemplo: se uma carta custa 50 fragmentos para ser liberada, não é obrigatório investir todos os 50 de uma só vez. Se não possuir o suficiente, você pode gastar o que tiver e completar o restante em futuras visitas à tenda.

Além dessas irmãs de personalidades distintas, os momentos entre fases oferecem também uma barraca de recompensas, que nos permite escolher uma carta de graça ou um refill de Poções de Chá, cujos benefícios vão diminuindo conforme o nível de dificuldade vai aumentando.

Completando o time de suporte, está Nnif, o astuto coelho contrabandista. Presente apenas após as batalhas contra chefes, ele oferece melhorias de nível nas cartas, seja pelo desbloqueio do Nnif-tar, barraca que passa a aparecer em lojas e disponibiliza os upgrades em troca de ouro (respeitando o limite de nível), seja pela compra permanente do aumento de nível das cartas encontradas em todos os tipos de fonte: no começo das partidas, em baús, arenas fechadas, lojas e ao derrotarmos chefes. Essas melhorias são caras, mas muito úteis, principalmente no começo das runs.




Aproveito a menção ao Nnif para citar o único problema gritante que eu encontrei em Dandy Ace, além da narração irritante do Lele: uma série de crashes que me levou a adquirir o hábito de sair e entrar das minhas runs sempre que eu completava uma fase, só para garantir que eu não perderia progresso na eventualidade de um desses erros.

Um desses crashes ocorreu de maneira consistente quando eu falava com o Nnif: após conseguir todos os upgrades que ele oferece, caso eu iniciasse o diálogo que abre a loja do coelhinho contrabandista, ao sair da conversa o crash era certo. Inclusive, fica aqui a menção positiva ao pessoal da Mad Mimic, que prontamente me respondeu no Twitter quando eu mencionei o problema.

As cortinas se fecham e o público vai ao delírio




Dandy Ace acerta em cheio em todos os seus principais conceitos e ideias. Ele traz uma dificuldade balanceada em todos os níveis, com uma curva de aprendizado bastante satisfatória e um fator replay que mostra que a Mad Mimic soube exatamente até onde ir antes que a experiência ficasse desnecessariamente repetitiva.

A temática e a ambientação dos cenários e personagens os tornam maravilhosamente cativantes, com destaque para a dublagem PT-BR, que traz youtubers e streamers conhecidos do cenário brasileiro, como BRKsEDU, Gabi Cattuzzo e Patife, que dão um toque extra de personalidade a essa grata surpresa do cenário indie nacional.

Prós:

  • A quantidade de cartas e a mecânica na qual elas estão inseridas é excelente, garantindo liberdade criativa independentemente do seu estilo de jogo;
  • Ótimos recursos de incentivo à rejogabilidade, que vão aumentando gradativamente o tempo de cada partida e oferecendo escolhas em termos de recompensa e desafios;
  • As opções de dificuldade estão na medida certa para um roguelike;
  • Dublagem brasileira de qualidade;
  • Personagens divertidos e carismáticos.

Contras:

  • A frequência de participações do narrador, que felizmente pode ser desativado, é extremamente irritante;
  • Muitos crashes, tanto aleatórios quanto um que acontece de maneira consistente.
Dandy Ace - Switch/PC/PS4/XBO - Nota: 8.5
Versão utilizada para análise: Switch

Revisão: Janderson Silva
Análise produzida com cópia digital cedida pela Neowiz Games

Apaixonado por jogos desde criança, principalmente pela Nintendo. Seja Indie ou AAA, os videogames vão estar sempre no meu coraçãozinho, com um espaço especial para multiplayers!
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