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Análise: Nickelodeon All-Star Brawl (Switch) é o resultado de um esforço ambicioso, mas incompleto e genérico

Este crossover de luta com Nicktoons clássicos e atuais acerta no aspecto competitivo, mas deixa a desejar pelo lado casual.



Desde o seu primeiro lançamento, em 1999, a franquia Super Smash Bros. é a referência definitiva para o gênero de videogames que passou a ser conhecido como platform fighter. Suas mecânicas e conceitos, que se misturam para criar um produto que consegue ser bem-sucedido tanto casualmente quanto no cenário competitivo dos e-sports, seguem sendo replicados em diversos jogos, com níveis variados de sucesso e qualidade.


O mais recente desses títulos a ganhar destaque é Nickelodeon All-Star Brawl. Desenvolvida pela Ludosity (conhecida no universo dos platform fighters por Slap City) e pela Fair Play Labs e publicada pela GameMill Entertainment, essa congregação de franquias animadas da Nick é parcialmente competente em nostalgia e gameplay, mas peca por um foco desigual em relação ao seu público-alvo, decorrente de algumas decisões de game design e prováveis restrições orçamentárias.

Nada de conversa, vamos direto para a pancadaria

Nickelodeon All-Star Brawl é tão simples e direto ao ponto quanto um platform fighter pode ser: escolha o seu lutador entre 20 personagens de séries de sucesso da Nick, cada qual com sua própria fase, e vá para o combate, que consiste em jogar os oponentes para fora da arena. As disputas podem ser definidas em três variantes: estoques de vida; pontuação ao final de um período de tempo; e esporte, que deixa os nocautes um pouco de lado e atribui as vitórias à marcação de pontos no gol adversário.




Apesar de pesar um pouco a mão na quantidade de personagens de certos desenhos — como Bob Esponja, que tem três representantes —, o elenco do jogo até que se sai bem no campo da variedade, com muitas franquias clássicas marcando presença, como Avatar, Tartarugas Ninja, Rugrats (mais conhecido no Brasil como Os Anjinhos) e até Ren & Stimpy, o controverso desenho adulto dos anos 1990. Também há espaço para Nicktoons mais recentes, como The Loud House.

A grande maioria dos personagens funciona de um jeito bem único. É claro que as preferências pessoais dependem do seu estilo de luta em games do gênero, mas foram poucos os bonecos (sim, este redator aprova o uso do termo “boneco”) que me desagradaram ou me deixaram entediado quando eu fiz o teste geral. Praticamente todos têm pontos positivos em suas mecânicas, e os golpes que fazem referências aos seus respectivos desenhos dão um divertido toque de nostalgia à experiência geral.

Iguaizinhos, mas diferentes, mas ainda iguaizinhos

Nickelodeon All-Star Brawl não tem medo de assumir a inspiração direta em Super Smash Bros., começando pelo sistema de pontos de vida baseado em porcentagem, que faz com que os lutadores atingidos por golpes voem cada vez mais longe à medida que ela cresce. Se o seu personagem for mandado a uma das bordas da fase, incluindo o fundo e o teto, você será nocauteado, perdendo uma vida — ou um ponto, no caso da variante por tempo.

Os golpes também funcionam de maneira semelhante aos da franquia da Nintendo, mas com leves alterações. Cada personagem tem três tipos: fortes, fracos e especiais, com variações para cima, para baixo e neutro, tanto no ar quanto em solo.




Assim como em SSB, o ataque especial para cima é comumente usado pelos jogadores para retornar à arena caso tenham sido jogados para longe, e os ataques fortes têm um diferencial: caso dois movimentos dessa natureza colidam entre si, é aplicada uma mecânica de pedra, papel ou tesoura que usa a direção para infligir um efeito de desequilíbrio no perdedor. O ataque forte para cima derrota o para baixo, que derrota o neutro, que derrota o para cima.

As similaridades continuam nos quesitos de física e movimentação, evidenciando ainda mais o esforço da Ludosity e da Fair Play Labs em criar uma experiência próxima sobretudo de Super Smash Bros. Melee (GC). Os combates têm um ritmo bem acelerado, com muitas possibilidades de combos elaborados, extensos e rápidos. A implementação dos dashes aéreos traz a famigerada mecânica do wavedash, tão amada principalmente pelos jogadores mais competitivos de SSBM.

Os mais saudosos têm ainda a opção de usar o adaptador para os controles de GameCube. A configuração original dos comandos de All-Star Brawl é um pouco diferente do mapeamento de Smash Bros., mas felizmente eles podem ser mudados para refletir mais fielmente a memória muscular de quem está acostumado ao peculiar joystick do console cúbico.

Teria algumas migalhas de party game para os jogadores casuais?

Dá para dizer que Nickelodeon All-Star Brawl replica com competência parte da fórmula que consagrou Super Smash Bros, mas o mesmo não pode ser dito da outra metade dessa fórmula: o lado casual. Desde os seus estágios iniciais, o jogo foi desenvolvido com as disputas competitivas em mente, o que não seria ruim se houvesse um equilíbrio maior em relação ao espírito party game sob o qual os platform fighters se popularizaram.

All-Star Brawl é incrivelmente vazio além do conteúdo focado nas lutas um contra um de alto nível técnico, o que é fácil de perceber logo quando batemos o olho nos modos de jogo disponíveis. Além do modo Batalha, onde ocorrem os combates padrão sob as regras já mencionadas, e do modo Online (mais sobre ele adiante), temos apenas o modo Arcade, que é onde a frustração começa.




Esqueça qualquer vestígio de enredo ou explicação para essa reunião de indivíduos de diferentes origens. O Arcade simplesmente te joga numa sequência de sete lutas contra personagens aleatórios em estágios aleatórios. Os combates de número par dão uma opção de escolha entre dois oponentes e arenas diferentes, mas é só. Você ganha a sétima luta e desbloqueia algumas recompensas — a música-tema de fase, um ícone de perfil para o modo Online e algumas artes — correspondentes ao combatente utilizado. Elas podem ser conferidas no menu de Extras, localizado na tela inicial.

Não há nenhuma cutscene mostrando interações entre os personagens, nenhuma caracterização além de frases vindas dos seus respectivos desenhos, ditas antes do começo das lutas, mas completamente sem contexto e muitas vezes sem sentido. Aliás, a falta de caracterização é uma constante em All-Star Brawl, que sequer conta com as dublagens icônicas dos Nicktoons (ao menos para o público dos EUA).

Esse é um ponto que até exige uma certa compreensão; afinal, não é fácil reunir dubladores de múltiplas séries de quase 30 anos atrás. Isso envolveria diversas complicações, portanto dá para relevar. O que não dá para relevar é a total inexistência de vozes, nem que fosse um “ai” ocasional. Os combates mudos inevitavelmente geram certa estranheza, ainda mais se tratando de personagens tão reconhecidamente vocais, como Bob Esponja com sua inconfundível risada.




Outra ausência notável são os itens, parte tão essencial da baguncinha caótica e divertida de tantos party games, independentemente do gênero. Obviamente, essa é mais uma decisão tomada para agradar a parcela competitiva dos jogadores, mas isso seria facilmente contornável com a opção de desativar o uso de itens, algo básico de se ter em qualquer jogo.

Falando em opções básicas, uma escolha de character design que me deixou incrédulo foi a falta de cores alternativas para os lutadores. É isso mesmo que você leu: Nickelodeon All-Star Brawl tem apenas um esquema de cores para cada personagem. Caso dois ou mais jogadores escolham o mesmo boneco, eles serão idênticos, o que obviamente tem grandes chances de deixar as lutas confusas.

Esse tipo de decisão evidencia que a Ludosity e a Fair Play Labs não planejaram um jogo para ser aproveitado por mais do que duas pessoas ao mesmo tempo. A atenção das equipes de desenvolvimento se voltou quase que completamente a trazer uma experiência mais próxima possível de Super Smash Bros. Melee, mas sem muitos dos recursos que cativaram uma parcela mais ampla de jogadores. Resta a esperança de que pelo menos alguns deles venham com o tempo em atualizações.

Uma festa global bem-planejada, mas ainda sem convidados

Com todo esse cuidado em fornecer um ambiente propício aos embates mano a mano, já era de se esperar que o modo Online de Nickelodeon All-Star Brawl tivesse um suporte à altura. E pelo menos nesse quesito estamos bem-servidos. As partidas podem ser disputadas em modos de Jogo Competitivo, com ranking de pontuação, e Jogo Rápido, com a ferramenta de criação de lobbies personalizados também à disposição.




Seguindo as tendências de desenvolvimento do game, apenas quatro fases consideradas adequadas a torneios estão disponíveis no Competitivo, o que deve alegrar aqueles que não gostam de estágios com perigos embutidos em seus ambientes. Entretanto, a melhor notícia aqui certamente é o uso de netcode baseado em rollback para as conexões entre os jogadores.

Para os que não estão familiarizados, o netcode baseado em rollback é um tipo de código de rede usado em jogos online para manter as partidas sincronizadas e fluidas para todos os jogadores. Isso é feito por meio de predições das ações que serão realizadas ao invés de forçar um atraso na exibição dos inputs durante momentos de instabilidade na conexão, resultando em uma reprodução majoritariamente fiel dos comandos performados.

Logo nas primeiras partidas que disputei, eu pude constatar que o rollback funciona perfeitamente em All-Star Brawl. Meu jogo rodou maravilhosamente bem, e olha que eu usei uma conexão sem fio, que é notoriamente problemática no Switch. Infelizmente, devido às limitações do híbrido da Nintendo, essa funcionalidade está restrita aos confrontos um contra um, que aliás parece ser a única forma disponível para jogar online na plataforma.




Curiosamente, isso sequer chegou a ser um problema para mim, porque atualmente já é difícil o bastante encontrar uma única pessoa online para enfrentar, imagina duas ou três para jogar todos contra todos ou em equipes. A tendência é que isso mude naturalmente com a chegada de mais jogadores, mas nas duas semanas e alguns dias desde que o jogo saiu, eu simplesmente fui fazer outra coisa enquanto esperava por um oponente cair do céu, o que na esmagadora maioria das vezes não aconteceu. E é sempre bom lembrar que, pelo menos atualmente, não há cross-play disponível.

Uma carta de amor inacabada

Nickelodeon All-Star Brawl é um projeto que exala para todos os lados a paixão dos seus desenvolvedores por platform fighters extremamente competitivos, principalmente os de Super Smash Bros., e a ambição de criar uma obra própria que reflita esse sentimento e o evidencie aos olhos de um público com um gosto semelhante.

Por um lado, isso é carinhosamente louvável, e como um espectador de longa data do cenário competitivo de Super Smash Bros. Melee, eu fiquei encantado de ver detalhes como o Bob Esponja e outros personagens da minha infância fazendo wavedash; por outro, senti muita falta de uma atmosfera casual de party game, que indiscutivelmente tem um papel importantíssimo no legado do gênero.




O jogo não passa tão bem a sensação de ser uma celebração dos Nicktoons, caindo em uma genericidade que pode ser atribuída em parte à ausência de vozes icônicas e a uma trilha sonora que não tem uma única faixa original dos desenhos da Nickelodeon. Deixo novamente a ressalva das restrições de orçamento e das complicações de trabalhar com várias propriedades intelectuais diferentes, mas é inevitável o sentimento de ter em mãos uma embalagem bonita, mas vazia.

No fim das contas, All-Star Brawl funciona perfeitamente bem para os jogadores mais hardcore, que buscam se aperfeiçoar competitivamente em combates acelerados de alto nível técnico, mas não é recomendável aos que querem apenas uma porradaria caótica e descompromissada.

Prós:

  • Gameplay simultaneamente fácil de aprender e com margem para combates frenéticos, repletos de combos elaborados e raciocínio rápido, ideal para jogadores competitivos;
  • O elenco inicial do jogo está muito bem espalhado, exceto por uma representação exagerada de algumas franquias;
  • Praticamente todos os personagens funcionam de maneiras distintas e possuem mecânicas únicas, fazendo com que seja divertido experimentar um por um sem enjoar ou se entediar;
  • Uso do netcode baseado em rollback para as partidas online, garantindo sincronização e fluidez;
  • Possibilidade de uso do adaptador para controles de GameCube.

Contras:

  • Um foco excessivo no lado competitivo, negligenciando grande parte do aspecto casual e party game dos platform fighters;
  • Muitas ausências, entre as quais a completa inexistência de um enredo, itens, dublagem para os personagens e músicas originais dos desenhos da Nickelodeon;
  • O rollback funciona apenas em lutas de um contra um, que aliás são a única opção online no Switch;
  • Na situação atual do jogo, está praticamente impossível encontrar oponentes online, o que piora ainda mais com a ausência de cross-play.
Nickelodeon All-Star Brawl - Switch/PC/PS4/PS5/XBO/XBX - Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: João Pedro Boaventura
Análise produzida com cópia digital cedida pela GameMill Entertainment

Apaixonado por jogos desde criança, principalmente pela Nintendo. Seja Indie ou AAA, os videogames vão estar sempre no meu coraçãozinho, com um espaço especial para multiplayers!
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