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Análise: Evertried (Switch) mescla estratégia e roguelite em um desafiador purgatório virtual

Esta carismática aventura desponta como um dos mais interessantes lançamentos da crescente cena independente brasileira.

Se você acompanha regularmente os lançamentos da eShop do Nintendo Switch, provavelmente já se habituou a ver a profusão de roguelikes e roguelites que agraciam, semana após semana, o sistema da Big N. Nesse cenário que — ouso dizer — a cada dia se aproxima um pouco mais de uma perigosa saturação, é cada vez mais difícil um jogo independente se destacar.




Eis que chega Evertried. Desenvolvido pelo estúdio brasileiro Lunic Games, este título impressiona por sua mescla competente de estratégia e elementos roguelite, configurando uma experiência muito interessante e que se encaixa perfeitamente com a natureza híbrida do Switch.

Um purgatório diferente

Curiosamente, Evertried se passa em uma espécie de purgatório virtual. Neste mundo fictício, após a morte algumas almas vão direto para a vida eterna, enquanto outras têm de enfrentar a punição divina por seus feitos passados. Há, porém, um terceiro e seleto grupo de almas, que ninguém sabe ao certo para onde devem ir.

Nosso protagonista se encontra neste limbo, sem memórias de sua vida passada, mas com indícios de que foi um guerreiro, dada a lança que ele porta. Orientado por um guia, ele descobre que precisará provar seu valor como guerreiro novamente em sua existência espiritual. Se conseguir, será recompensado com a vida eterna; caso contrário, perderá pouco a pouco a sua essência até se tornar algo diferente.

Assim, sem mais informações e sem muita escolha, caberá a você, enquanto jogador, ajudá-lo a provar suas qualidades enquanto sobe os andares de uma torre aparentemente interminável. Como nem tudo são flores, espere um desafio à altura da recompensa prometida.

Cada um no seu quadrado

Como mencionado acima, em Evertried seu objetivo é ascender ao topo da misteriosa torre na qual você se encontra. Na prática, isso significa primeiro eliminar todos os inimigos de um andar para então seguir para o próximo e assim por diante.

Cada andar é composto por uma arena quadrangular vista de forma isométrica, na qual é possível se movimentar pelos quadrados menores que a compõem, um passo de cada vez. O grande pulo do gato aqui é que, quando você se move, os inimigos se movem também, contabilizando um turno dentro do jogo. 

Para atacar um adversário com a arma padrão, é necessário estar em um quadrado adjacente ao dele. Isso faz com que as partidas tenham uma movimentação constante, que também precisa ser realizada com cautela. Inicialmente, o protagonista só pode absorver dois golpes, e como as arenas não são tão grandes quanto parecem, um simples passo em falso pode rapidamente acabar com uma run promissora.

É possível se mover e atacar no mesmo turno, mas assim que você encerrar seus movimentos, seu personagem ficará vulnerável. Como desde o início já é necessário lidar com mais de um inimigo simultaneamente, é preciso sabedoria e estratégia para planejar o próximo passo.

Com tempo de jogo, é fácil perceber que um dos melhores caminhos para o sucesso consiste em tentar posicionar os inimigos de forma que as armadilhas naturais de cada estágio se encarreguem de cuidar deles. Assim, torna-se possível passar por um estágio sem nem entrar em confronto direto, dependendo da ocasião — algo que é sempre bem recompensador e divertido. Sabe aquela velha história de escolher suas batalhas, já que nem todas são necessárias? Pois então, eis aí uma verdade bem relevante aqui.

Elementos roguelite

Como um bom roguelite, Evertried segue a cartilha do subgênero, contando com ambientes e desafios gerados de forma procedural, que aumentam consideravelmente o fator replay ao garantir uma experiência diferente a cada partida.

Ainda assim, há certos padrões: a cada dez andares vencidos, por exemplo (uma partida completa contará com 50), ocorre uma variação das arenas. Os primeiros estágios da torre possuem uma temática glacial, mas logo esta é substituída por planos com desmoronamentos de rochas ou esteiras mecanizadas, e assim por diante.

De modo geral, só há dois pontos que acredito que poderiam ter sido melhor trabalhados aqui. O primeiro é a dificuldade relativamente elevada do título. Mesmo sendo um jogador acostumado ao gênero, confesso que tive problemas com os desafios impostos pelo jogo, que logo nos primeiros momentos já mostra que não tem o intuito de ser exatamente um passeio virtual. É extremamente fácil ser rodeado por inimigos e levado à lona mesmo nos primeiros cinco estágios, o que basicamente empurra para a sorte suas chances de progredir no início — um ponto comum aos roguelikes, mas que pode não agradar a todos.

Claro, como é de praxe, há lojas que podem ser acessadas a certa altura da torre, mas pouco dos bônus comprados é mantido entre partidas, como o progresso em habilidades especiais, que são adquiridas a partir de certo ponto. Sendo sincero, a certa altura essa escolha criativa me fez levantar a questão da ausência de mais níveis de dificuldade, algo que poderia abrigar os jogadores mais casuais. 

Sendo sincero, essa ausência não chega a comprometer a obra, mas a impressão que tenho é que a diversidade nesse sentido enriqueceria a experiência, pois Evertried possui uma fórmula cativante e divertida, mas cujo desafio e falta de uma progressão mais concreta entre partidas podem, no fim das contas, repelir ao invés de atrair. Por outro lado, para os amantes do desafio, informo que há um modo mais difícil e um infinito, ambos desbloqueados quando se completa a campanha.

O outro ponto é que, por mais que haja variação nas arenas e na disposição dos inimigos, em longas sessões não é muito difícil ser acometido por uma leve, mas notável sensação de repetição. Afinal, o princípio básico é sempre o mesmo do início ao fim: obliterar os inimigos e ir para o próximo andar, e assim sucessivamente até que se chegue ao objetivo derradeiro. 

Novamente: não é algo que chega a prejudicar a experiência — a fórmula única do jogo se mantém divertida especialmente em sessões mais curtas. Mas com um universo carismático como esse à disposição, fica a torcida para que uma eventual sequência (ou até mesmo um conteúdo adicional) explore esse potencial.

Beleza etérea

Um dos pontos de maior destaque de Evertried é sem dúvidas a sua direção de arte. Como pode ser visto pelas capturas de tela, o gameplay se dá em belos cenários renderizados em pixel-art, que se adaptam perfeitamente tanto ao modo TV quanto ao modo portátil do Switch, com uma apresentação nítida e de qualidade em ambos.

Aliás, por falar no console da Nintendo, devo mencionar que o estilo de jogo da obra da Lunic Games se adapta perfeitamente à natureza híbrida do Switch. "Limpar" um andar ou outro da misteriosa torre é uma tarefa rápida e divertida o suficiente para ser feita em pequenas pausas durante o dia, o que acaba favorecendo sessões rápidas no modo portátil, que depois podem ser complementadas na TV, ou vice-versa.

Também elogiável é a trilha sonora do título, que com melodias singelas consegue transmitir as emoções apropriadas a cada novo momento. Sem dúvidas, são composições que vale a pena ter na playlist para escutar posteriormente, longe do videogame. Algumas são curiosamente relaxantes, e confesso que em certos pontos parei por um tempo em um estágio só para escutar os arranjos criados.

Por fim, no que tange ao aspecto técnico, é sempre bom relatar que não foram presenciados bugs e crashes durante as minhas sessões de jogo, o que denota uma experiência consistente e agradável ao longo de sua duração. Ah, e como não poderia ser diferente em se tratando de uma obra brasileira, há suporte completo ao nosso idioma, o que sempre deve ser elogiado.

Brasil-sil-sil!

Em um cenário cada vez mais competitivo, Evertried consegue se destacar com sua mescla única de estratégia por turnos, movimentação em grid e mecânicas roguelite, mostrando-se um belo expoente da interessante e crescente cena indie brasileira. 

Mesmo seus eventuais deslizes não são suficientes para retirar o mérito de uma obra que encontra a sua melhor versão no Nintendo Switch, dado o seu estilo de jogo e a portabilidade e flexibilidade naturais do sistema. Fica a torcida para que uma eventual sequência expanda os conceitos apresentados aqui — o potencial, como uma certa torre assombrada, é grande demais para passar despercebido.

Prós

  • O visual destacado transmite bem a essência do universo;
  • Trilha sonora cativante, que vale manter na playlist;
  • Jogabilidade simples, mas com nuances capazes de prender o jogador por um bom tempo;
  • Adapta-se perfeitamente à natureza híbrida do Switch;
  • Suporte ao português brasileiro.

Contras

  • A ausência de níveis menores de dificuldade pode afastar jogadores que não possuam familiaridade com o gênero;
  • Pode se tornar repetitivo com relativa facilidade;
  • Os controles requerem um certo tempo de adaptação.
Evertried — Switch/PC/PS4/XSX/XBO — Nota: 8.0 
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Dangen Entertainment

é bacharel em Produção Cultural pela UFF e estudante de Comunicação Social pela FSMA. Na infância, ganhou um Super Nintendo dos pais e, desde então, nunca mais deixou o mundo dos games. Ainda sonha em ser um Mestre Pokémon.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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