Jogamos

Análise: The Caligula Effect 2 (Switch) oferece uma aventura cativante e questionamentos relevantes

Título surpreende pela qualidade de seus elementos individuais, provendo uma experiência facilmente recomendável aos fãs de RPGs japoneses.

Anunciado no início deste ano para Switch e PlayStation 4, The Caligula Effect 2 é um JRPG que promete levar os jogadores novamente a um universo misterioso e paralelo onde as coisas nem sempre são o que parecem ser. Mas será que esta sequência publicada pela NIS America consegue entreter ou é um daqueles dramas que quanto antes esquecidos, melhor? Confira conosco a seguir em nossa análise.

O efeito calígula

Desenvolvido pela FURYU Corporation, The Caligula Effect 2 é a sequência do JRPG cult The Caligula Effect, que foi lançado originalmente no ocidente em 2017 para o finado PlayStation Vita. À época de sua estreia, o primeiro jogo da saga foi elogiado por elementos como seu universo e sua narrativa, mas conforme se passava mais tempo com a aventura, ficava claro que se tratava de uma obra que se beneficiaria de um pouco mais de “tempo no forno”, devido a seus diálogos repetitivos e problemas de performance, dentre outros deslizes.

Parte desses problemas foi corrigido com um remake chamado de The Caligula Effect: Overdose (Multi), que foi lançado no início de 2019 para diversas plataformas, incluindo o Nintendo Switch. Porém, mesmo com os avanços da nova versão, desta vez renderizada na Unreal Engine, ficava a sensação de que havia um potencial na franquia que ainda não tinha sido totalmente explorado.

Assim, fãs de JRPGs excêntricos certamente se alegraram com a notícia da chegada de The Caligula Effect 2. E, felizmente, após um bom tempo de jogo, posso afirmar com assertividade que esta sequência é uma surpresa bem-vinda e uma consistente adição à já rica biblioteca de RPGs do Nintendo Switch.

Realidade paralela

Em The Caligula Effect 2, temos uma história que se passa alguns anos após o final do primeiro título. Logo ao iniciar o jogo e criar seu personagem, você será apresentado à Regret, uma Virtuadoll que criou Redo, o mundo virtual no qual você agora se encontra como estudante.

Em Redo, não há arrependimentos ou aflições, pois as pessoas estão dispensadas de seu passado. Como Regret cita ao te receber, o próprio fato de alguém estar em Redo significa que tal pessoa está acorrentada por uma culpa, como a possibilidade de ter feito algo ou agido de modo diferente em uma certa ocasião no passado. 

Como bem se sabe, viver preso a um “e se”, por mais trágico ou marcante que seja, pode impactar toda uma vida. Assim, a criação de Regret (cujo nome significa arrependimento em inglês) de um mundo, digamos, “ideal” prova-se intrigante, especialmente considerando que cada um de seus habitantes está ali por um motivo diferente. 

Mas, como não se pode fugir da realidade por muito tempo, logo uma profunda rachadura no céu demonstra que Redo, na verdade, é uma farsa manipulada. Assim, uma vez consciente desse doloroso fato, caberá a você, acompanhado da Virtuadoll X, descobrir o que há por trás de tudo isso, e por que exatamente as pessoas são atraídas para esta realidade alternativa. Sem entrar no mérito de spoilers, esteja preparado para uma narrativa que toca em temas profundos com o devido cuidado — e o mais importante — de maneira capaz de prender o jogador por um bom tempo.

Ação em turnos

Na prática, The Caligula Effect 2 segue a cartilha dos RPGs japoneses, com um sistema de combate por turnos onde você e sua party de até quatro personagens intercalam ações até que haja um vencedor. O grande diferencial aqui é o mecanismo chamado de Imaginary Chain, que permite ao jogador prever como as suas escolhas acontecerão no decorrer da batalha. 

Tendo em vista que, uma vez em combate, há uma certa liberdade de movimentação na arena, é possível usar e abusar do Imaginary Chain para bloquear e esquivar-se de ataques inimigos ao mesmo tempo em que se assume uma postura ofensiva. Além disso, esse recurso também permite combinações estratégicas, posto que a partir de certo ponto do jogo, é possível escolher entre diferentes habilidades para cada um dos membros do seu time.

Assim, é possível criar esquemas muito interessantes onde o golpe de um personagem cria uma brecha para que o golpe de outro seja ainda mais efetivo, por exemplo. Esses são recursos que conferem uma dinâmica muito interessante (e divertida) ao sistema de combate do título, que por sua vez é sempre um ponto crucial para o sucesso de um RPG. 

Quando não estiver em batalha, você estará explorando diversos ambientes e dungeons de Redo enquanto segue a história de aproximadamente 30 horas do jogo. O fato de você e seus futuros aliados serem estudantes instantaneamente traz à mente comparações com a série Persona, mas embora possa se traçar similaridades entre as franquias — Tadashi Satomi e Takuya Tamanaka, diretores do jogo, já trabalharam inclusive na série da Atlus — é preciso notar que The Caligula Effect 2 tem a sua própria personalidade, muito devido à temática do jogo.

Explica-se: assim como no primeiro jogo, ao longo de sua jornada você irá reunir diversos habitantes que também desejam retornar à vida real, constituindo o chamado “Go-Home Club”. Mas cada um dos recrutas tem sua própria narrativa, que pode ser explorada através de sidequests, diálogos e até mesmo por meio de um app in-game parecido com o Messenger.

E é muitas vezes fascinante descobrir o que levou cada um dos integrantes do Club à Redo. Alguns dos membros nem estão tão certos assim se o melhor mesmo é voltar à realidade, o que levanta uma questão bem pertinente e que acaba conduzindo todo o título: quem somos nós para decidir o que é melhor para outras pessoas, afinal? Além disso, até onde uma decisão errada pode nos levar? 

Caso você se interesse por questionamentos desse tipo, saiba que The Caligula Effect 2 transita por eles com maestria, o que certamente eleva a qualidade da obra como um todo e a torna uma boa pedida para quem busca um novo RPG de qualidade para gastar as suas horas.

Ainda que por vezes seja possível presenciar alguns clichês não tão positivos do gênero, como diálogos e eventos longos até demais (você precisará de mais ou menos uma hora de jogo até poder explorar a primeira dungeon, por exemplo) todos eles adicionam à narrativa de um modo ou de outro, fazendo com que cada momento valha a pena no fim das contas e não se tenha aqui uma obra "inchada" artificialmente, como infelizmente tem se tornado comum no cenário atual da indústria de games.

Ainda sobre os diálogos, em uma nota menos positiva, não há suporte para português brasileiro, o que praticamente obriga o jogador a ter conhecimento de uma língua estrangeira como o inglês para poder desfrutar ao máximo do jogo. Embora esperado, é uma pena, e fica aqui registrada a esperança de que no futuro os desenvolvedores olhem com carinho para nosso mercado, tendo em vista o potencial do mesmo.

O palco de estrelas

No que tange à parte técnica do jogo, há notícias boas e ruins. Começando pelos pontos negativos, visualmente o título como um todo fica abaixo do que é esperado em 2021, mesmo quando se considera somente a temática anime, com modelos simples e animações claramente engessadas. Falando especificamente da versão de Switch, ainda há um problema extra na apresentação, pois é fácil perceber a baixa resolução do jogo tanto no modo portátil quanto no modo TV.

Porém, esses problemas são relativamente amenizados por uma direção de arte competente, que faz um uso sábio de recursos como cores e cenários e ilustrações 2D para entregar um resultado final chamativo e coerente em relação à proposta. Assim, embora não seja um primor técnico, The Caligula Effect 2 esbanja estilo, o que torna a estadia em Redo bem agradável quando se considera a obra como um todo.

Provavelmente por conta do emprego de uma resolução abaixo da nativa do console, não há problemas com a taxa de quadros no Switch, salvo momentos temporários onde presenciamos um ou dois golpes mais espalhafatosos de determinados chefes. Assim, garante-se uma experiência fluida independente do modo como se joga. 

Inclusive, devo ressaltar que, pelas características do jogo, optei por passar a maior parte da minha aventura jogando no modo portátil do console. Sou do time que acredita que RPGs em geral se beneficiam da flexibilidade de sistemas portáteis, e The Caligula Effect 2 não é uma exceção nesse sentido: é fácil progredir mesmo jogando em sessões mais curtas, como durante um intervalo no trabalho ou antes de dormir — nada estranho quando se considera a origem da série no Vita.

Já a trilha sonora é talvez o maior destaque do título. Com toda uma temática musical por trás — basta notar que X e Regret são no fundo idols, algo como superartistas musicais — era quase imperativo que The Caligula Effect 2 se destacasse nesse sentido. E, felizmente, foi o caso: este é o tipo de jogo que merece ser jogado com um bom sistema de som ou fones de ouvido, graças às faixas que alternam sabiamente entre momentos enérgicos e melancólicos, sempre ditando o tom do jogo. Deixo aqui um destaque especial para as composições SING! e Alter Garden, que com certeza figurarão em algumas de minhas playlists a partir de agora.

Arrependimento e redenção

Em muitos pontos, The Caligula Effect 2 é o que se espera de uma sequência. Com um sistema de combate divertido e uma narrativa cativante, pode-se notar aqui uma clara evolução dos conceitos apresentados no primeiro jogo da franquia, de modo que mesmo com os eventuais deslizes na parte técnica, fãs da série e entusiastas de um bom JRPG se sentirão em casa. Recomendado.

Prós

  • Narrativa destacada, que aborda com sabedoria temas como arrependimento e responsabilidades;
  • Trilha sonora fantástica;
  • Sistema de combate divertido;
  • Personagens carismáticos;
  • Múltiplos níveis de dificuldade tornam a experiência acessível.

Contras

  • Gráficos aquém do esperado para a geração atual;
  • Animações um pouco travadas;
  • Baixa resolução no Switch;
  • Quantidade de eventos e diálogos pode incomodar quem não é fã do gênero;
  • Sem suporte a português brasileiro.
The Caligula Effect 2 — Switch/PS4 — Nota: 9.0 
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Cristiane Amarante
Análise produzida com cópia digital cedida pela NIS America

é bacharel em Produção Cultural pela UFF e estudante de Comunicação Social pela FSMA. Na infância, ganhou um Super Nintendo dos pais e, desde então, nunca mais deixou o mundo dos games. Ainda sonha em ser um Mestre Pokémon.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


Disqus
Facebook
Google