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Análise: Pokémon Brilliant Diamond/Shining Pearl (Switch) trata de polir o brilho dos jogos originais

O aguardado remake da quarta geração dos monstrinhos aposta em recriar a experiência de forma bastante fiel.

Pokémon Diamond/Pearl, as versões lançadas para o Nintendo DS em 2006, não são especialmente nostálgicas para mim. Eu sei que essa afirmação, no entanto, não é verdadeira para um grande número de fãs atuais da franquia. No meu caso, após uma infância bombardeada pelos monstrinhos no auge da febre dos anos 90 e realmente muitas horas jogando Pokémon Blue e Silver no Game Boy original, na época do DS as coisas já não eram as mesmas. 

Após um breve período de tempo afastado dos videogames nos meus 16 anos, acabei dando o braço a torcer e comprando um DS Lite para testar a quarta geração com minhas próprias mãos. O jogo, que marcava o primeiro esforço da franquia no mundo 3D, mesclando os tradicionais sprites 2D com novos ambientes tridimensionais, passou longe de se tornar memorável na minha vida — principalmente em comparação com os sensacionais lançamentos posteriores no console.

Pokémon Brilliant Diamond/Shining Pearl
(BDSP) continuam a já estabelecida tradição da Game Freak em refazer os jogos mais antigos da série em ordem. Embora não tão nostálgicos para mim, a decisão em manter o estilo top down “isométrico” da série, que nunca deveria ter sido aposentado, mexe comigo profundamente. Além do mais, a inédita troca da equipe de desenvolvimento para o estúdio ILCA e a escolha da estética chibi para os gráficos certamente chamam a atenção e apontam para algo que ainda não havia sido tentado antes.

Pokémon através dos tempos


Talvez já esteja um pouco cansativo falar sobre o tema, mas a franquia Pokémon como um todo já possuía alguns problemas sérios muito antes do que foi proposto e realizado agora em BDSP. Enquanto os gráficos foram evoluindo mal e parcamente, como diriam alguns, a jogabilidade ficou para trás, recebendo apenas algumas famosas alterações que ninguém pediu em vez de focar em melhorias objetivas para a experiência.

É bastante compreensível que uma franquia com um número tão esmagador de devotos tenha dificuldades para encontrar o equilíbrio perfeito que agrade à maioria. No entanto, fãs de Pokémon tiveram que se acostumar a aceitar as migalhas e tentar encontrar um frágil semblante da qualidade de outrora em meio a uma série de decisões questionáveis.


É impossível não associar a drástica mudança de direção em relação aos títulos da franquia com o início da era de Junichi Masuda como diretor criativo. Masuda, embora um brilhante compositor, responsável por algumas das faixas de videogames mais icônicas de todos os tempos, parece se perder dentro da sua filosofia pessoal, de que seus jogos devem ser “fáceis e acessíveis para todos”.

A dificuldade é justamente um dos pontos mais problemáticos da franquia. Pokémon é fácil demais hoje em dia, em um nível que realmente não representa quase nenhum desafio para o que eu acredito ser uma parcela esmagadora dos jogadores. Mesmo pertencendo ao gênero do RPG japonês com batalhas baseadas em turnos, que inclui games com uma dificuldade bastante elevada, Pokémon pode ser zerado sem grandes problemas apenas apertando o botão A e seguindo em frente — porque não só as batalhas são fáceis demais, como a própria exploração do mapa é extremamente linear. 


Piorando ainda mais as coisas, a franquia consegue se contrariar na relação entre dificuldade e gameplay. Enquanto a progressão e as batalhas são “acessíveis” ao extremo, o desenrolar do jogo de fato é lento e arrastado. Comparando a outros RPGs modernos (e até a alguns mais antigos), o sistema de batalha de Pokémon parece jurássico. Nunca será agradável realizar uma série de combates seguidos em que você sempre tem que esperar o seu treinador calmamente jogar a Pokébola, esperar cada monstrinho preparar a sua lenta animação de ataque e ler cada janela de texto sobre cada pequeno acontecimento durante a batalha.

Tudo isso não é diretamente sobre BDSP de forma isolada, mas uma crítica geral ao estado da franquia. As entradas mais atuais parecem casulos esvaziados da proposta original de Pokémon Red/Green/Blue: RPGs dinâmicos, desafiadores o bastante e simples, porém não simplórios. 


Satoshi Tajiri, um garoto apaixonado por colecionar insetos, por escrever sobre e fazer videogames, passou 6 anos desenvolvendo esse jogo com alguns amigos para um console que, quando chegou a hora do lançamento de Pokémon, já era considerado ultrapassado. Com ajuda da Nintendo, e auxiliado pelo próprio Shigeru Miyamoto, esse garoto realizou seu sonho. Pokémon ainda demorou algum tempo para ser percebido pelo público, mas quando aconteceu… vocês já sabem do resultado.

O ponto é que o argumento da nostalgia para atestar a qualidade superior da primeira fase da franquia não é totalmente válido, vai muito além. A primeira e a segunda geração são trabalhos honestos e apaixonados de um homem que teve uma ideia boa demais para ele mesmo conseguir controlar. E a segunda fase, a partir da terceira geração com a direção de Masuda, marca o processo da série se tornar aos poucos uma marca multibilionária que tenta agradar a todos, mas quase não agrada ninguém.

Novo visual

Nos últimos anos, a partir de Pokémon X/Y (3DS), Pokémon assumiu de vez a sua forma mais simplória e descomplicada. Isso, é claro, levando em conta apenas a experiência single player e sem pensar no gradual aumento da complexidade de Pokémon como um jogo de competição. Treinadores sérios e focados nesse aspecto não precisam se preocupar, eu sei que existem camadas e mais camadas de minúcias quando tocamos nesse assunto. É fato que preparar os seus monstrinhos para esse mundo competitivo também se tornou muito mais fácil com o tempo, mas esse provavelmente é um ponto positivo da simplificação dos jogos.

O foco desta análise, entretanto, se encontra em Pokémon como uma experiência de RPG para você jogar sozinho por horas e poder se perder nesse mundo tão adorado, como eu fazia quando criança. Brilliant Diamond/Shining Pearl, por sorte, conseguem resgatar um pouco do misticismo e do senso de exploração mais apurado da era pré-3DS da franquia.


É sabido que muitos desaprovam a estética escolhida para os gráficos de BDSP, com o polêmico estilo chibi dos personagens pequenos e cabeçudos, mas aqui você não irá encontrar nenhuma crítica negativa destinada a esse aspecto específico. Os modelos poderiam ser um pouco mais bonitos, como no remake de The Legend of Zelda: Link’s Awakening, por exemplo? Sim, provavelmente poderiam. No entanto, é perfeitamente possível respeitar e aceitar essa criativa e diferenciada direção artística do game.

Esse é um tipo de mudança que deve ser mais experimentado no futuro para a franquia. Eu sou da (talvez polêmica) opinião de que em Pokémon X/Y a série assumiu uma direção artística que eu gosto de chamar de “anime genérico”, que na verdade apenas piorou com o tempo. Hoje em dia, em comparação com os modelos realmente genéricos de Sun/Moon e Sword/Shield, eu voltei um pouco atrás e consegui apreciar os personagens mais esquisitos de X/Y. 


Não faria mal que Pokémon abraçasse mais a esquisitice e a experimentação em relação a todos os seus aspectos, inclusive nos gráficos. Pouca gente provavelmente irá concordar comigo, mas o retorno dos modelos mais tradicionais dos treinadores durante as batalhas me decepcionou um pouco. Da mesma forma, os próprios Pokémon ainda decepcionam quando comparados aos velhos sprites 2D lotados de personalidade. Em contraste, os cenários de fundo das batalhas talvez sejam os melhores de todos os jogos até então, coloridos e detalhados na medida certa.

Ainda sobre os combates, infelizmente o problema da velocidade permanece em BDSP. Tudo acontece de forma bastante lenta e enrolada, talvez ainda mais do que em Sword/Shield, por exemplo. Prepare-se para as mesmas animações arrastadas e textos explicativos devagares para tudo que acontece em batalha. Como um fã de JRPGs, considero essa de longe uma das maiores falhas da franquia, e acho um tanto engraçado que isso não seja comentado o bastante. Definitivamente é algo que existia nos originais do Nintendo DS que poderia ter ficado por lá.

Liberdade e desafio

O lado bom é que, saindo das batalhas e falando sobre a velocidade de movimentação e a progressão no mapa, é possível notar algumas melhorias. O personagem anda tão rápido por meio do análogico que a bicicleta nem é tão necessária na maior parte do tempo. Por sinal, os dois modos diferentes da bicicleta possuem esse estranho atraso para o início da pedalada que me motivou a andar com os próprios pés durante quase todo o jogo.

Além disso, Diamond/Pearl não eram tão lineares em seus caminhos e eles continuam assim nos remakes. Ao contrário das direções mais óbvias em linha reta dos jogos mais recentes, é possível até ficar perdido em BDSP. Eu mesmo, totalmente sem querer, completei o quarto ginásio antes do terceiro, uma agradável surpresa no quesito exploração. Claro que, apertando o botão do menu, é fácil descobrir exatamente aonde você tem que ir, inclusive com a já tradicional bandeirinha de objetivo marcada no mapa, mas eu não tive problemas em ignorar essas dicas e seguir o meu próprio caminho. 


O sentimento geral de exploração é fiel à quarta geração e mantém a sensação dos jogos mais antigos de que não existe necessariamente um caminho totalmente predefinido. O jeito que o Mt. Coronet contorna a região e libera acesso a várias áreas em diversos momentos da história adiciona ainda mais ao sentimento de liberdade do local. Adicionalmente, BDSP possui uma série de caminhos e até áreas opcionais, como as Iron Islands ou o Underground, um dos principais atrativos do game.

Fugir da progressão normal da campanha e poder acessar o Grand Underground a qualquer hora é um deleite. Embaixo de Sinnoh, é possível achar vários Pokémon exclusivos para a região, que aparecem andando pelo mapa em vez dos encontros aleatórios na graminha; montar sua própria base e customizá-la até certo ponto; minerar atrás de fósseis; e até caçar por Pokémon shiny de uma forma específica. O único problema da área é o fácil acesso a Pokémon de níveis bastante altos muito no começo da aventura, o que afeta negativamente a polêmica questão da dificuldade.


Não dá para dizer que BDSP é muito difícil; no entanto, ele é definitivamente bem mais desafiador do que os títulos mais recentes da franquia. A experiência de Sword/Shield, por exemplo, pode ser quase comparada a um visual novel. Por sorte, esse não é o caso dessa vez. Dependendo do seu time, as batalhas de ginásio podem ser mais complicadas, assim como alguns confrontos com o rival, a equipe Galactic e principalmente com a Elite dos Quatro. 

Se não fosse a presença de mais alguns fatores facilitadores, talvez o nível de desafio fosse quase perfeito. No entanto, mecânicas modernas e obrigatórias influenciam diretamente no jeito como o seu time fica mais forte e se comporta em batalhas. Com o Exp. Share sempre ligado, dividindo a experiência recebida em batalhas entre todo seu time, e a afeição dos seus Pokémon, que faz com que eles recebam alguns buffs aleatórios em combate, atrapalha bastante a maior parte das possibilidades de passar algum aperto mais complicado durante o game.

Uma boa forma de reviver a quarta geração

O balanço final da experiência de Brilliant Diamond/Shining Pearl definitivamente é positivo. A trilha sonora sozinha já faz com que eu lembre com carinho do jogo antes de qualquer coisa. Os novos arranjos das fenomenais faixas da quarta geração estão realmente eletrizantes. Quase vale a pena jogar apenas para poder escutar as músicas, uma das melhores trilhas sonoras do ano no Switch, sem sombra de dúvidas. 


A nova forma de utilizar HMs, que sempre foi um dos maiores problemas dos jogos mais antigos, foi implementada de forma sensacional e faz com que os remakes estejam muito à frente dos originais quando discutimos melhorias de qualidade de vida. Poder utilizar um time de seis Pokémon sem se preocupar com ataques específicos apenas para viajar pelo mundo é algo que muda bastante a forma de se viver a experiência.

A segunda tela do DS não faz a menor falta, e a utilização do Pokétch, não só para os HMs como para tudo que ele pode realizar, funciona de forma impecável. Outro novo elemento que altera um tanto a percepção do jogo e eleva os remakes em relação aos originais é o recurso de soltar um dos seus monstrinhos da Pokébola e andar com ele por aí. Algo simples, mas que a maioria das pessoas aprecia bastante.


Minha lembrança de Diamond/Pearl no DS é a de um produto que era muito pesado e mal-otimizado para o portátil. A verdade é que o primeiro passo da franquia para fora da família Game Boy e para dentro do mundo 3D não aconteceu de forma tão tranquila. Os originais possuem seus méritos, mas, pelo menos no meu caso, eles sempre se mantiveram como entradas pouco marcantes na série e jogos não tão agradáveis para eu gastar o meu tempo.

Pokémon Platinum já existia como uma versão definitiva da aventura por Sinnoh, porém eu acredito que, a partir de agora, esse papel é melhor desempenhado por BDSP. Foi um prazer revisitar esses títulos no Switch e, apesar dos problemas, acredito que a maioria dos fãs da série conseguirá prestar mais atenção aos pontos positivos do que em qualquer outra coisa. Embora exista menos conteúdo no pós-jogo, ainda há muito o que se fazer nesses remakes, e poder jogar em uma televisão utilizando a dock é a cereja em cima do poffin.


Pokémon Brilliant Diamond/Shining Pearl honram as raízes dos seu material de origem e o elevam de várias maneiras. Marcando um muito bem-vindo retorno à estética vista de cima, os remakes resgatam um pouco do que fazia Pokémon ser especial alguns anos atrás. Os problemas que já podem ser considerados estruturais da série continuam existindo, mas atrapalham de forma menos gritante do que em outros títulos mais recentes. Vale a pena relembrar Sinnoh no Nintendo Switch e tentar pegar todos os monstrinhos novamente.

Prós

  • Trilha sonora fenomenal e interessantes gráficos no estilo chibi;
  • Volta triunfal do velho estilo de câmera top down;
  • Utilização simplificada dos HMs melhora bastante a experiência;
  • Bastante conteúdo adicional, como os Pokémon exclusivos do Grand Underground e os objetivos pós-jogo.

Contras

  • Os problemas estruturais da série, como a dificuldade baixa, a linearidade da exploração e a falta de otimização da batalhas persistem, mas de forma um pouco menos expressiva do que em outros jogos mais recentes da série;
  • A falta de opção de desligar o Exp. Share e os benefícios do afeto dos seus Pokémon foi um erro.
Pokémon Brilliant Diamond/Shining Pearl - Switch - Nota: 8.0
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Nintendo

Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
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