Jogamos

Análise: Voice of Cards: The Isle Dragon Roars mescla cartas e RPG de uma forma interessante, porém rasa

O novo JRPG da Square Enix dirigido por Yoko Taro possui algumas boas ideias, mas deixa a desejar em algumas áreas.


Anunciado de repente durante um Nintendo Direct no final de setembro, Voice of Cards: The Isle Dragon Roars chegou meio de surpresa trazendo uma experiência nova no mundo dos RPGs para o Switch. O jogo trata de uma curta e particular história em um típico mundo medieval, contada por um narrador de voz imponente e apresentada 100% por meio de cartas. 

Mesclando um jogo de cartas comparável a Hearthstone ou Magic: The Gathering às tradicionais fórmulas dos velhos RPGs japoneses, Voice of Cards é inegavelmente único em sua proposta, ainda que seja também um tanto raso em sua execução. O resultado final é uma experiência interessante, mas que parece não aproveitar muito bem suas possibilidades e oportunidades para criar algo realmente marcante. 

Origem mobile


O diretor criativo Yoko Taro, conhecido por seu jeito excêntrico e sua forma não convencional de contar histórias, junto a alguns membros do seu time por trás das séries Nier/Drakengard, decidiu concretizar a ideia de um RPG com elementos de card game. Embora a proposta inicial fosse produzir o game para plataformas mobile, o produtor do projeto acabou insistindo para direcionar o lançamento apenas para os consoles.

A natureza mobile do título, no entanto, transparece um pouco e pode ser percebida por meio de alguns elementos. O desenvolvimento ficou nas mãos de estúdio chamado Alim, responsável por alguns títulos da Square para os celulares, como o free-to-play Final Fantasy: Brave Exvius. A aparência dos menus, a movimentação geral pelo mapa e o funcionamento do combate também poderiam ser facilmente inseridos em algum jogo mobile um pouco mais rebuscado. A tela ao toque do Switch, por sinal, pode ser utilizada a todo momento e atua de forma excelente, algo que é raramente implementado na plataforma.  


É possível relacionar até mesmo o tempo de jogo do título com essa sua possível origem mobile. Para um JRPG em moldes clássicos como Voice of Cards se apresenta, a duração do título é bastante curta, algo em torno de 13 a 15 horas. Não há qualquer problema em um jogo ser curto se a experiência proporcionada parecer completa e bem pensada o suficiente. Neste caso, entretanto, o sentimento é que várias ideias não são aproveitadas de forma tão adequada. 

Como um jogo de tabuleiro entre amigos

Voice of Cards segue uma trama bem direta e previsível sobre a ameaça de um dragão em um mundo medieval clássico. Você controla um andarilho misterioso que acredita ser um herói, mas que só se importa realmente com a recompensa oferecida pela rainha em troca da cabeça do temido dragão. Acompanhado por um monstro amigável e uma jovem bruxa viajante, o herói, na forma de uma peça de tabuleiro, explora o mundo feito de cartas que o surpreende com eventos e batalhas aleatórias no seu caminho em rumo a cidades e dungeons.

Os personagens, NPCs, itens, locais e até efeitos visuais deste mundo são todos representados por cartas. Não há qualquer tipo de dublagem para os personagens, em vez disso a forte presença e voz do narrador lê todos os acontecimentos (tanto em japonês quanto em inglês), que também aparecem separadamente em forma de texto em outras cartas. As cutscenes, típicas de RPGs inspirados pela estética anime/mangá, simplesmente não existem no game. Indo além das narrações, as próprias cartas-personagens realizam “ações” em alguns momentos, como ataques e interações com o mundo e outras pessoas. 


A escolha dessa estética específica mostra criatividade de sobra e causa um encantamento nos primeiros momentos. Este mundo feito de cartas, aliado a uma trama medieval bastante familiar, com bom humor e personagens carismáticos, resulta em algo convidativo e confortável, lembrando quase um jogo de tabuleiro entre amigos. Naturalmente, essa atmosfera também se mantém presente na principal mecânica do título e um dos principais pontos de qualquer JRPG: o seu sistema de batalha.

Ao começar um confronto, você é transportado para uma pequena mesa de madeira com certos adereços. Uma caixinha no canto superior esquerdo guarda alguns cristais e a “ação”, ou melhor, a disposição das cartas, acontece no centro. Assim como em Hearthstone, por exemplo, a cada turno você ganha um novo cristal de mana dentro da caixa, que logo pode ser utilizado para ativar algumas cartas de habilidades especiais. 


Três personagens da sua equipe lutam ao mesmo tempo e cada um pode levar até quatro cartas para o combate, incluindo o seu próprio ataque básico, o único que não utiliza nenhum cristal para ser ativado. Enfrentando de um a três monstros ao mesmo tempo, sua maior estratégia é saber acumular cristais e usá-los no momento certo, assim como abusar das fraquezas elementais dos inimigos, que precisam ser desvendadas na base da tentativa e erro.

Escolher quais cartas de ataque cada personagem levará para os confrontos também faz parte do seu planejamento estratégico. Magias de diferentes elementos, técnicas de cura, buffs e ataques múltiplos com custos variados de cristais podem ser utilizados, e cabe a você procurar pela melhor combinação para os seus personagens — assim como a melhor combinação de personagens durante a batalha. No entanto, não é preciso se preocupar muito com eficiência, pois é mais fácil simplesmente apostar nos seus favoritos e improvisar durante os confrontos.

Uma aventura descomplicada… até demais

Na verdade, esse é um dos maiores problemas do título: você nunca precisará pensar muito no que fazer. Os combates, em geral, podem ser resolvidos sem grandes problemas e a progressão da história, de forma similar, é bastante direta e linear. Seguir adiante no game nunca deixa de ser uma tarefa descomplicada e, por vezes, quase entediante.


É possível ver o esqueleto de um jogo marcante em Voice of Cards, porém algo impede a sua escalada para a grandeza. O dedo de seu peculiar criador, Yoko Taro, responsável por explodir a minha mente em diversos momentos de Nier: Automata (PS4/PC), também se mostra aparente em alguns momentos, mas o jogo não parece ter a coragem, ou, pelo menos, o espaço, para desenvolver suas peculiaridades à vontade. 

A maior força do título está na própria trama que, seguindo a tradição do seu diretor criativo, faz rir, chorar e não deixa de surpreender durante o seu desenrolar. Não é válido dividir a maior parte desses momentos por aqui e entrar em uma zona de spoilers, mas saiba que a narrativa vai bastante além do básico esperado de uma simples história medieval sobre derrotar um furioso dragão encrenqueiro. 


Já as ideias diferentes mais pontuais do jogo acabam infelizmente sendo mal aproveitadas. Em alguns pontos da história, por exemplo, você é confrontado com múltiplas opções de respostas para os NPCs. Existe uma peculiar habilidade de puxar apenas um pouquinho das cartas que aparecem como opção de resposta para que você veja o resultado sem se comprometer de fato com a resolução. Uma ótima ideia que parece bastante promissora no início do jogo, apenas para nunca ser utilizada de uma forma realmente expressiva ou relevante.

Outro caso na mesma linha são os eventos aleatórios que podem ser gerados quando você pisa em alguma carta específica do cenário. O potencial para situações inusitadas é enorme, mas a conclusão é geralmente uma repetição maçante dos mesmos resultados. As próprias batalhas também passam por um processo parecido. O sistema de combate é divertido e lotado de variações interessantes, como status effects e magias elementais diferentes, só que os confrontos geralmente são muito rápidos e fáceis para que você pense no lado mais estratégico. 


É uma pena que Voice of Cards: The Isle Dragon Roars não consiga atingir o seu verdadeiro potencial. A arte de Kimihiko Fujisaka é impecável, a trilha sonora de Keiichi Okabe é fenomenal — a belíssima música tema ainda não saiu da minha cabeça — e a ideias em geral são muitos boas, mas caem em um ciclo de simplicidade e repetição que acaba ofuscando alguns verdadeiros momentos de genialidade. Apesar dos problemas, este é um bom RPG de curta duração no Switch e provavelmente a melhor opção para quem procura jogar algo utilizando apenas a tela sensível ao toque.

Prós

  • Inovador conceito de um mundo de tabuleiro composto apenas por cartas;
  • Design de personagens e arte fenomenal;
  • Trilha sonora impecável;
  • Sistema de combate divertido;
  • História interessante cheia de reviravoltas;
  • Ótimo uso da tela ao toque do Switch.

Contras

  • Dificuldade um pouco baixa;
  • Progressão linear demais;
  • Duração bastante curta para um JRPG;
  • Falha em aproveitar de verdade algumas de suas melhores ideias.
Voice of Cards: The Isle Dragon Roars - Switch/PC/PS4 - Nota: 7.5
Versão utilizada para análise: Switch 
Revisão: João Pedro Boaventura
Análise produzida com cópia digital cedida pela Square Enix

Escreve para o Nintendo Blast sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0. Você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


Disqus
Facebook
Google