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Análise: Monster Rancher 1 & 2 DX (Switch) entrega nostalgia em dose dupla ao console da Nintendo

Esta remasterização da Koei Tecmo traz dois jogos clássicos e divertidos para plataformas modernas.

Se você, assim como eu, cresceu na década de 1990, são grandes as chances de você ter presenciado ao menos um pouco da febre de monstrinhos e criaturas virtuais que assolou o Brasil. Quem viveu aquela saudosa época lembra que o grande carro-chefe em popularidade era, sem dúvidas, Pokémon, mas a verdade é que franquias como Digimon, Medabots e Monster Rancher também faziam a alegria da garotada, estampando uma série de produtos licenciados ou alternativos.




É por isso que, quando a Koei Tecmo anunciou que Monster Rancher 1 & 2 DX, uma coletânea contendo os dois primeiros jogos da série japonesa, originalmente lançados para PlayStation 1, chegaria ao ocidente para plataformas modernas, não consegui conter a felicidade da minha criança interior. Mas será que esses dois carismáticos RPGs sobreviveram bem ao teste do tempo? Prepare a sua licença de criador de monstros, caro leitor, e confira conosco em nossa análise.

Um rancho de monstros

Caso você nunca tenha ouvido falar da franquia Monster Rancher (Monster Farm no Japão), saiba que ela nasceu com o jogo homônimo lançado em 1997 para PlayStation 1. No título, que foi desenvolvido e publicado pela Tecmo, os jogadores assumiam o papel de um criador novato de monstros, cuja missão seria fazer o melhor trabalho possível no rancho com sua licença recém-obtida.

Embora fosse possível treinar e batalhar com as criaturas e até fundi-las, a grande inovação na época era um sistema único desenvolvido pela produtora, onde se tornava possível obter novos monstros internamente a partir de CD-ROMs na vida real. Quase que como mágica, bastava se dirigir ao altar dentro da cidade, selecionar a opção e colocar algum disco no console. E olha que valia de tudo — desde um disco promocional da AOL até o álbum do Padre Marcelo Rossi, cada CD produziria um monstro diferente dentre os mais de cem disponíveis.

Como era de se esperar, a combinação de RPG divertido com mecânica inovadora deu muito certo, e Monster Rancher acabou dando origem a diversas sequências em várias plataformas — dentre elas o Game Boy Advance e o Nintendo DS — e uma série animada, que inclusive fez muito sucesso aqui no Brasil, passando na TV aberta e na extinta Fox Kids. 

Porém, como a nostalgia por vezes pode ser um veneno disfarçado, confesso que tive uma leve preocupação sobre como dois RPGs tão característicos de seu tempo soariam nos dias atuais, sendo que tanta coisa mudou na indústria dos games desde o lançamento original de Monster Rancher. Felizmente, é com muita alegria que digo que esta coletânea se prova um acerto da Koei Tecmo, podendo proporcionar ótimos momentos aos interessados em sua proposta única.

Nostalgia em dose dupla

Como o seu nome entrega, Monster Rancher 1 & 2 DX traz no mesmo pacote tanto o primeiro quanto o segundo jogo da série, lançado em 1999 também para PlayStation 1. Ambos trazem a mesma premissa de tornar o jogador um criador de monstros, sendo que, como uma boa sequência direta, a segunda obra acaba por expandir os conceitos do primeiro título.

No tocante à jogabilidade, Monster Rancher se parece muito com uma versão amplificada de um Tamagotchi — outro brinquedo que fez sucesso no Brasil —, onde seu objetivo será se dedicar aos cuidados de um monstrinho virtual em seu rancho. Isso envolve decidir a alimentação do bichinho, a rotina de treino, se ele irá trabalhar ou não, etc.

Para organizar a sua vida, tanto no primeiro quanto no segundo título, você verá que a passagem do tempo se divide em dias e semanas. Grandes acontecimentos, como torneios oficiais, ocorrem em semanas específicas, então é uma boa pedida se planejar em torno deles. 

Em ambos os jogos, é importante planejar suas ações, porque, ao contrário de Pokémon, seu monstro tem uma expectativa de vida, e invariavelmente irá morrer em certo ponto da jogatina. Optar por uma rotina extenuante, com pouco descanso e muito trabalho, além de punições por erros, certamente não ajudará seus monstros a ter uma estadia longa no mundo. Por outro lado, uma rotina onde a prioridade é comer e dormir é a receita do fracasso em combates.

Essa dinâmica e a liberdade que é concedida ao jogador para proceder da forma que achar melhor acaba tornando Monster Rancher 1 & 2 DX uma obra muito divertida mesmo mais de 20 anos após seu lançamento original. Como cada monstro tem suas próprias características, é realmente empolgante se debruçar sobre cada um e tentar extrair o melhor potencial dele. 

Por experiência própria com esta versão, digo que é fácil perder horas e horas nesse processo, e como há muitos espaços de save disponíveis e a possibilidade de trocar de criatura a qualquer momento, percebe-se um notável e bem-vindo incentivo à experimentação.

O fundamental para não receber um game over é manter a saúde financeira de seu rancho em dia, mas, considerando a rotina de torneios e administração, não existe só uma forma de fazer isso, e todas continuam divertidas — uma prova de que o bom game design realmente resiste ao teste do tempo.

Marcas do tempo

Infelizmente, nem tudo são flores, e se alguns pontos de Monster Rancher 1 & 2 DX envelheceram muito bem, o mesmo não se pode dizer de outros. Para começo de conversa, o que temos aqui são exatamente os mesmos jogos da década de 1990, o que significa que algumas características que eram tidas como normais na época podem causar estranheza atualmente.

Nesse sentido, o primeiro ponto é a ausência quase completa de um tutorial nos dois jogos. Antigamente, era comum “aprender jogando” (e isso é perfeitamente possível aqui), mas a tendência quase inevitável é que o jogador se sinta perdido caso nunca tenha tido contato com as obras anteriormente.

Confesso inclusive que demorei um tempo até relembrar o que era necessário fazer no primeiro Monster Rancher. Por fim, decidi consultar o manual virtual do jogo, que pode ser acessado no menu de pausa, e sanei minhas dúvidas, mas temo que alguns jogadores, principalmente os mais novos e que não têm experiência prévia com a série, não cheguem a fazer isso e acabem se frustrando. E não posso culpá-los, porque creio que esta remasterização desperdice a oportunidade de fazer algo a mais para um público que não necessariamente é o mesmo da década de 1990.

Outro exemplo dessa abordagem é o sistema de batalha dos dois jogos, que já era meio confuso no passado e parece que piorou nesse sentido com o passar dos anos. Dentro de um torneio, cujos combates ocorrem em tempo real, é possível deixar seu monstro batalhar por conta própria ou assumir o controle passando ordens, mas, sem muita instrução prévia, é fácil desembocar em situações onde você se verá “amassando os botões” e torcendo pelo melhor.

A verdade é que, apesar de incômodos, esses pontos não são o suficiente para retirar o brilho do jogo, que, como eu disse anteriormente, continua muito divertido, especialmente quando se começa a pegar o jeito da coisa. Por outro lado, basta olhar para esses pontos e para os gráficos trazidos diretamente do primeiro PlayStation para ter a sensação de que esta remasterização poderia ter ido um pouco além.

Digitais... digitais...

Logicamente, seria impossível analisar Monster Rancher 1 & 2 DX e não comentar a respeito do grande elefante na sala, que é justamente a adaptação da mecânica dos CDs para as plataformas atuais. Posto que o Switch não possui a habilidade de ler discos, seria necessário uma solução criativa para que esta coletânea não perdesse completamente aquele que foi um dos principais chamarizes dos lançamentos originais.

Felizmente, foi o caso aqui. Ao ir para a cidade e escolher a opção de “shrine”, você poderá buscar em uma banco de dados por um CD escrevendo o nome do álbum ou do artista. Após isso, basta escolher a obra desejada e voilá — você receberá o monstrinho correspondente àquele disco.

Particularmente, acredito que esta solução foi bem-implementada e um acerto desta remasterização. Sendo sincero, nada será capaz de replicar a mecânica original com perfeição, mas buscar por um disco do seu artista favorito e criar um monstro a partir dele consegue trazer de volta parte da sensação original de descoberta.

Meu primeiro monstro foi criado a partir do álbum Humanity: Hour 1 dos Scorpions, e apesar de nem todas as minhas pesquisas terem encontrado um resultado (nada de Padre Marcelo Rossi ou Charlie Brown Jr., infelizmente), cheguei a encontrar álbuns de artistas bem diversos, como Linkin Park, Falamansa, Engenheiros do Hawaii e Caetano Veloso, o que me faz crer que haverá algo para todo mundo aqui.

No restante do aspecto técnico do jogo, vale mencionar que não foram encontrados crashes ou bugs durante as sessões para esta análise, o que denota uma experiência sólida e um trabalho competente tanto no modo portátil quanto no modo TV do console. E, por tocar nesse ponto, honestamente creio que a portabilidade oferecida pela versão de Switch torna esta adaptação muito atraente. Há alguns títulos cuja jogabilidade se adapta muito bem a sessões curtas, e é o caso desta coletânea.

Só é uma pena que não tenhamos suporte ao português brasileiro, o que pode tornar as duas aventuras confusas para aqueles que não tenham o domínio do inglês ou outro idioma estrangeiro. Então, fica registrada a torcida para que uma atualização futura ofereça suporte à nossa língua pátria. Tendo em vista o sucesso da série por aqui no passado, a comunidade brasileira certamente agradeceria.

A arte da criação de monstros

Monster Rancher 1 & 2 DX consegue trazer com sucesso dois jogos clássicos às plataformas atuais. Mesmo mais de vinte anos após seus lançamentos originais, a proposta única dos dois títulos ainda se prova divertida, e a implementação da busca por um catálogo musical garante que parte da magia de gerar novos monstros através de discos se mantenha preservada, ainda que parcialmente. Resta então a expectativa para que esta bem-vinda remasterização marque o renascimento de fato de uma das franquias mais interessantes da década de 1990.

Prós

  • Os jogos permanecem divertidos, mesmo anos após suas estreias originais;
  • A implementação de busca por um catálogo musical rico, com diversas obras de artistas nacionais e internacionais, prova-se uma solução criativa à problemática dos CDs;
  • Se adapta perfeitamente à configuração híbrida do Switch.

Contras

  • A ausência de tutorial pode tornar as coisas confusas em um primeiro momento;
  • Gráficos e menus datados;
  • O banco de dados musical, apesar de impressionante, possui omissões significativas, como Madonna e Charlie Brown Jr.;
  • Sem suporte ao português brasileiro.
Monster Rancher 1 & 2 DX — Switch/PC/iOS — Nota: 8.0 
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Koei Tecmo

é bacharel em Produção Cultural pela UFF e estudante de Comunicação Social pela FSMA. Na infância, ganhou um Super Nintendo dos pais e, desde então, nunca mais deixou o mundo dos games. Ainda sonha em ser um Mestre Pokémon.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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