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Análise: Danganronpa: Trigger Happy Havoc Anniversary Edition (Switch) é um port bem-vindo, mas pouco otimizado

11 anos após seu lançamento, o primeiro título desta franquia de aventura com visual novel chega a um console da Nintendo, ainda que desfalcado.



A essa altura, a franquia Danganronpa já está devidamente consagrada no campo de jogos de aventura em primeira pessoa com grande foco na narrativa. Com elementos de visual novel, investigação, dating sim, point-and-click e até um shooterzinho se você quiser forçar um pouco a barra, as histórias de assassinato e julgamento elaboradas pela Spike Chunsoft conquistaram uma impressionante legião de fãs por detalhes como a chamatividade dos seus roteiros e o carisma dos seus personagens — além do famigerado sangue rosa, amado por uns e odiado por outros.


Tudo começou em 2010 com Trigger Happy Havoc, desenvolvido antes mesmo da fusão entre Spike e Chunsoft, sob o nome da primeira. Em comemoração aos 10 anos da franquia, edições especiais de aniversário dos três jogos da série principal foram lançadas no ano passado para dispositivos móveis, e agora essas três edições chegam ao Nintendo Switch, tanto separadamente como parte do pacote em edição física intitulado Danganronpa Decadence, que inclui ainda Danganronpa S: Ultimate Summer Camp. Mas nosso foco aqui está no primeiro embate entre esperança e desespero.

O começo de um sonho… deu tudo MUITO errado

Makoto Naegi é um garoto medíocre na verdadeira acepção da palavra: ele não possui grandes talentos, nunca se destacou em nada na vida e não tem gostos ou hobbies diferenciados. Por isso, é grande a surpresa quando ele é convidado a ingressar na escola mais prestigiada de todo o Japão, a Academia Hope’s Peak (Pico da Esperança).




Essa instituição aceita apenas os estudantes colegiais que são os melhores dos melhores no que fazem, verdadeiros prodígios em áreas como moda, esportes, programação, literatura, influência, cargos de liderança e por aí vai. Por isso, Makoto acredita que tenha sido chamado por ser o estudante mais sortudo que existe. Mal sabe ele o quanto está redondamente enganado.

Chegando à escola, o entusiasmado jovem sente uma forte tontura e desmaia. Ao acordar, ele se vê em uma sala de aula que nunca viu na vida. Após constatar estranhos sinais ao seu redor, ele acaba indo ao saguão, onde encontra e cumprimenta seus colegas de classe. De lá, todos recebem um anúncio ainda mais estranho, que os instrui a se dirigir ao ginásio para começar a cerimônia de ingresso da turma.

É aí que a bizarrice é escancarada de vez. O grupo é recebido por uma figura completamente inusitada: um ursinho preto e branco chamado Monokuma, que se apresenta como o diretor de Hope’s Peak e dá um prognóstico nada animador: a partir de agora, todos deverão viver o resto de suas vidas isolados na academia. E não para por aí: o único jeito de “se formar” e dar o fora desse confinamento é cometendo assassinato e escapando sem ser descoberto. E assim começa a desesperadora vida escolar de Makoto e seus colegas.



Fazendo amizades com a pulguinha atrás da orelha

Quero começar essa análise fazendo logo um disclaimer: Trigger Happy Havoc é a primeira visual novel pela qual eu fiquei interessado o suficiente para de fato jogar e, no fim das contas, gostar muito e terminar com impressões esmagadoramente positivas. Talvez isso se deva ao fato de o jogo não ser majoritariamente uma VN, priorizando a exploração e a investigação embutidos na sua trama.

Não que o aspecto narrativo tenha sido um obstáculo — muito pelo contrário, foi um dos pontos que mais me fisgaram à medida que eu fui conhecendo Danganronpa. Porém, talvez eu não o tivesse apreciado tanto sem o gameplay prático, ainda que ele seja incomodamente linear. Dito isso, vamos a ele.

Inicialmente, é claro que os estudantes trancafiados se recusam a cometer assassinato e tentam ao máximo descobrir como sair do confinamento forçado enquanto vivem o dia a dia da melhor maneira possível, mas como a trama precisa se desenrolar, a gente sabe que isso não dura muito. Eventualmente, os crimes ocorrem, e eles precisam ser investigados para que os inocentes descubram o culpado. Caso contrário, todos serão executados e o homicida escapa com liberdade.




Esse roteiro resume a nossa rotina em Hope’s Peak, que alterna entre passar tempo livre, investigar os assassinatos e descobrir a verdade nos julgamentos. No tempo livre, podemos procurar qualquer um dos nossos colegas de classe para conversar, aumentando o nível de amizade e adquirindo conhecimento sobre a vida pessoal da pessoa escolhida.

O bate-papo nos rende habilidades que usamos nos julgamentos e aumenta a quantidade de Skill Points, pontos que gastamos para equipar essas habilidades. Podemos dar presentes para fortalecer ainda mais as relações e ganhar as recompensas mais rápido, dependendo do quanto nossos amigos gostarem do item dado. Esses presentes são comprados em uma máquina caça-níqueis localizada na lojinha da escola, ao custo de moedas que encontramos explorando Hope’s Peak e obtendo bons desempenhos nos julgamentos.

Para quem curte descobrir cada pequeno detalhe dos personagens de uma obra narrativa, o tempo livre em Trigger Happy Havoc é o melhor jeito de conhecer mais sobre a vida dos seus colegas. Infelizmente, se você é do tipo que se apega, já é bom se preparar para a possibilidade de ter que se despedir de um ou mais xodós.




Outro contratempo é que obviamente é impossível maximizar a relação com todos em uma única jogada por toda a história do jogo, já que uns vão morrer mais cedo que outros. Para compensar essa limitação, há a opção de rejogar qualquer capítulo da campanha após concluí-los, nos permitindo priorizar o contato com quem nós já sabemos que vai bater as botas prematuramente.

Crime ocorre, investigação e julgamento acontecem, nada de feijoada

Como nem tudo são flores em uma vida escolar marcada pelo encarceramento forçado e por homicídios movidos pelo desespero, mais cedo ou mais tarde um cadáver vai aparecer. Quando isso acontece, é hora de bancar o detetive.

Na etapa de investigação, temos que analisar tudo que possa estar ligado ao assassinato, desde o corpo do defunto até um aposento da academia onde possa estar alguma evidência. Os testemunhos dos seus colegas também podem ser importantes. Quando tudo pertinente ao caso for coletado, Monokuma anuncia que está na hora de começar o julgamento, mas vamos deixar essa parte para depois.




É nesse momento que Trigger Happy Havoc começa a ficar excessivamente linear e pegar muito na mão do jogador. Para garantir que você não perca nada relevante à investigação, o jogo simplesmente não te deixa progredir até que você tenha coletado cada pedacinho de evidência que será usada no julgamento. Não dá nem para sair de uma sala se ainda houver algo a ser analisado nela.

Esse impedimento existe para garantir que você tenha de fato todas as peças necessárias para completar o quebra-cabeça envolvendo o mistério de quem cometeu o crime, mas eu realmente preferia que essa etapa envolvesse um tipo diferente de dificuldade; talvez a possibilidade de deixar passar uma evidência ou outra, acarretando em certas complicações na hora do julgamento.

Do jeito que ficou, o máximo que vai acontecer é você não conseguir localizar algum detalhe e ficar andando a esmo até esbarrar nele por acaso. Isso é mais uma inconveniência no caminho dos julgamentos do que um desafio, já que eventualmente você vai encontrar tudo. Não que a probabilidade de um entrave acontecer seja alta, pois coletar todo o material de um caso é uma tarefa tediosamente tranquila em grande parte da campanha.




Para mim, o que salva essa parte do gameplay é observar o desenrolar da trama e ir montando cada caso na minha cabeça à medida que as evidências vão sendo burocraticamente recolhidas, imaginando quais reviravoltas poderão acontecer durante o julgamento e fabricando teorias que certamente estarão mais furadas que um roteiro de Harry Potter.

Todos de pé… agora briguem, desgraçados!

Superando a monotonia das investigações, chegamos ao momento em que Trigger Happy Havoc finalmente solta a sua mãozinha e te faz usar o cérebro: os julgamentos de classe. É aqui que usamos toda a informação recolhida para solucionar o mistério de quem cometeu o assassinato em questão e mandar essa pessoa para a execução, evitando que todos os inocentes paguem o pato no lugar dela.

O jogo assume um tom mais dinâmico, deixando a exploração temporariamente de lado para embarcar em um gameplay de FPS. Os estudantes começam a abordar o caso e, durante as discussões, alguns desafios de raciocínio pipocam na mente de Makoto, colocando o jogador em ação. Intercalados a eles, estão questões de múltipla escolha e momentos em que temos que apresentar uma evidência específica para sanar dúvidas.




O mais frequente desses desafios são os Nonstop Debates, que, como o próprio nome diz, consistem em debates nos quais uma sequência de falas aparece repetidamente. Alguns trechos dessas falas ficam marcados de laranja, indicando potenciais pontos fracos no discurso de alguém; usando as evidências coletadas, que se transformam em Truth Bullets (Balas de Verdade), temos que identificar quando alguém está mentindo ou apenas equivocado e disparar as Truth Bullets nas contradições apropriadas.

Além dos Nonstop Debates, ocasionalmente os julgamentos jogam mais dois tipos de minigames FPS na mistura: as Bullet Time Battles, disputas de ritmo um contra um em que temos que mirar nas bravatas ditas pelo oponente e atirar no tempo certo até esgotar o seu HP; e o Hangman’s Gambit, que consiste em… um jogo de forca.

Aqui, eu tenho que tomar cuidado para não perder a linha com esse minigame, porque a minha paciência com ele é bem curtinha. O Hangman’s Gambit, explicado em bom português, é uma perda de tempo na qual você tem que atirar nas letras que faltam de uma palavra para revelar um detalhe crucial para aquele momento do julgamento.




Considerando que um conhecimento de inglês é essencial para o entendimento de Trigger Happy Havoc, a dificuldade está exclusivamente em saber soletrar a palavra que aparece. A vontade de largar um desrespeito ou outro existe, mas vamos em frente.

Para encerrar cada julgamento, há o Closing Argument (Argumento de Encerramento), que retoma o foco no raciocínio lógico. Nele, os fatos discutidos e comprovados até agora são exibidos em forma de uma história em quadrinhos, com espaços em branco e peças que os completam. Cabe a você preencher os espaços com as peças corretas para formar o quadro completo e provar de vez quem foi o culpado.

Analisando o quadro completo e desconsiderando o aspecto narrativo, os julgamentos de classe são maravilhosos, facilmente a minha parte favorita da campanha. O único porém fica por conta dos malditos minigames de forca, que foram devidamente achincalhados na maravilhosa esquete do youtuber ProZD sobre Danganronpa.

Amigo, o que você tá fazendo nessa brincadeira de assassinato?

Até agora, eu falei muito bem de tudo que envolve o enredo de Trigger Happy Havoc, mas isso não significa que ele não tenha seus problemas de construção, lógica e desenvolvimento de personagens.

O que mais me incomodou são aqueles momentos que beiram a quebra da quarta parede, nos quais um personagem que já sabe a resposta para um enigma ou está no meio de um raciocínio simplesmente vira para o Makoto e pergunta: “E aí, Makoto, o que você acha? A solução aqui é óbvia, né?”.




Isso é feito de um jeito completamente artificial, é algo que ninguém faria em uma situação mais lógica, mas que acontece aqui por uma decisão de roteiro que empurra um protagonismo desnecessário ao Makoto simplesmente porque é através dele que o jogador enxerga o jogo. Isso enfraquece bastante a coesão do enredo em determinados momentos, mas felizmente não o bastante para prejudicar a trama como um todo.

Essa mesma conclusão pode ser observada em relação a alguns estudantes que participam do jogo de vida ou morte em Hope’s Peak. A maioria do elenco é composta por personagens que me cativaram — uns mais, outros menos —, mas inevitavelmente um ou outro não caiu no meu gosto.

Certos personagens me pareceram ficar bem deslocados ou sem qualquer relevância na história além de ser mais uma pessoa em meio ao caos. Eles simplesmente ficam ali, desperdiçados, existindo sem fazer qualquer coisa importante ou para preencher lacunas no roteiro.

Ainda na toada das críticas, uma ausência específica me incomodou bastante: o touchscreen. O port de Trigger Happy Havoc que chega ao Switch é baseado na versão lançada para dispositivos móveis, que obviamente tem suporte aos controles de toque, mas seja lá por qual motivo, eles não existem no híbrido da Nintendo, representando uma oportunidade desperdiçada de diversificar a jogabilidade do game.




Por fim, uma questão menor que chamou minha atenção foi o volume exageradamente alto das músicas. Isso foi um problema principalmente quando eu joguei no modo dockado, pois mesmo deixando o nível de volume da música quase no zero e o nível das vozes no máximo, em alguns momentos a música de fundo ainda se sobrepunha aos diálogos dublados; no modo portátil, o incômodo foi bem menor, mas ainda existiu.

Após uma longa espera, venceu a esperança!

Juntamente com suas duas sequências, Danganronpa: Trigger Happy Havoc Anniversary Edition é um port que finalmente preenche a ausência da franquia em uma biblioteca de games da Nintendo. Ele não chega nem perto de ser perfeito, mas falando como alguém que nunca tinha experimentado um jogo tão focado em elementos de visual novels e dating sims, por exemplo, posso dizer que fiquei muito satisfeito e pretendo mergulhar de cabeça nas continuações.

Prós

  • Um enredo competente e com reviravoltas interessantes, muito indicado a quem quer ingressar no universo dos games com forte teor narrativo;
  • Elementos de gameplay prático muito bem mesclados com a parte de exploração e investigação da trama, inclusive salvando trechos tediosos da campanha;
  • A mecânica de construção de amizades com os colegas de classe incorpora o gênero dos dating sims de maneira agradável;
  • Os julgamentos de classe oferecem um nível de dificuldade muito satisfatório, exigindo atenção e raciocínio lógico na medida certa.

Contras

  • O jogo pega muito na mão do jogador, principalmente nos trechos de investigação;
  • Decisões ruins de roteiro, como momentos em que o protagonismo de solucionar um enigma é empurrado de maneira artificial ao jogador;
  • Personagens que acabam deslocados, sem importância na história ou forçados em algum ponto para preencher lacunas de roteiro;
  • O minigame de forca é certamente o ponto mais baixo do jogo, oferecendo um desafio quase nulo;
  • Problemas de qualidade de vida, como ausência do suporte a controles de toque e um volume excessivamente alto para as músicas, principalmente no modo dockado do Switch.
Danganronpa: Trigger Happy Havoc Anniversary Edition - Switch/Mobile/PC/PSP/PSV/PS4 - Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: João Gabriel Haddad
Análise produzida com cópia digital cedida pela Spike Chunsoft


Apaixonado por jogos desde criança, principalmente pela Nintendo. Seja Indie ou AAA, os videogames vão estar sempre no meu coraçãozinho, com um espaço especial para multiplayers!
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