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Análise: Kao the Kangaroo (Switch) é um divertido jogo de plataforma… quando funciona direito

O retorno do mascote tem os ingredientes de um bom título de plataforma 3D, mas a experiência pode ser estragada por frustrantes problemas aleatórios.

Kao the Kangaroo

Na virada dos anos 1990 para os 2000, o mundo ainda vivia o auge dos jogos de plataforma 3D com mascotes. Aproveitando a popularidade de Mario e Sonic, muitas empresas apostaram nessa onda, resultando em vários personagens antropomórficos de sucesso. Crash Bandicoot e Spyro the Dragon são alguns dos bons frutos dessa época.


Porém, o tempo não foi favorável a todos. Gex, Croc, Aero the Acro-Bat, Blinx… a lista de heróis que acabaram ficando no passado é grande. Entre eles, estava Kao the Kangaroo, criado pelo estúdio polonês Tate Multimedia e protagonista de quatro jogos lançados entre 2000 e 2005 para PC, Dreamcast, Game Boy Advance, GameCube, PlayStation 2 e Xbox.

Agora, 17 anos após sua última aventura, o marsupial foi revivido pela desenvolvedora em um reboot lançado para todas os hardwares modernos, incluindo o Nintendo Switch. O novo Kao the Kangaroo traz uma experiência simples, mas prazerosa, capaz de remeter aos momentos áureos dos títulos de plataforma. No entanto, isso só acontece quando uma série de problemas técnicos não aparecem aleatoriamente para estragar a brincadeira.

Desenho animado interativo

O enredo de Kao the Kangaroo não é um de seus pontos fortes, mas, sinceramente, não há problema algum nisso. A trama não é complexa ou muito engajante, mas cumpre seu papel, dando um pouco de contexto ao gameplay, seu carro-chefe.

Após acordar de um sonho em que vê sua irmã Kaia em perigo durante uma busca real por seu pai desaparecido, o jovem canguru Kao parte de seu lar na Ilha Hopaloo para ir atrás de seus familiares e eventualmente resgatá-los. É a clássica fórmula do herói que deve encarar diversos obstáculos para salvar alguém das garras de um ser maligno ao final da jornada.

Não há grandes reviravoltas ou aprofundamento na narrativa, porém o que é apresentado já basta para dar um clima de desenho animado à obra. Ao invés de uma história mais desenvolvida, o jogo apresenta um roteiro cheio de diálogos irônicos e situações pitorescas que lembram bastante animações de ação da década de 2000, como Kung Fu Panda.
Kao the Kangaroo
Kao tentando convencer sua mãe Marlene a partir em uma aventura


Inicialmente, há muitas piadas one-liners e referências a memes e redes sociais do mundo real, algo que, embora simpático, às vezes é usado de maneira gratuita. Por sorte, à medida que a aventura avança, essas gracinhas sem coesão são substituídas por um mundo mais divertido e criativo, em que os principais mestres das artes marciais foram corrompidos para capitalizar produtos e serviços, esquecendo de ensinar a seus pupilos.

Essa premissa faz com que Kao the Kangaroo – mesmo quando se passa em locais previsíveis, como florestas, montanhas nevadas e cavernas de lava – tenha personalidade. Cada nível é levemente contextualizado com o que está acontecendo na história, o que traz mais unidade a esse mundo fictício e torna a exploração mais agradável. Não é algo revolucionário, mas funciona.

Isso também vale para as cutscenes. Todas elas conseguem transmitir minimamente as individualidades de cada personagem. Sim, na maioria das vezes, as animações são pouco polidas, fazendo Kao e NPCs parecerem meio robóticos, e as atuações de voz também não são as melhores no mercado, mas, no conjunto total, elas acertam aquele tom despretensioso dos cartuns da infância.

Design simples, mas eficaz

Como já aprendemos várias vezes com Mario, a história de um jogo de plataforma pode ser quase inexistente quando a jogabilidade e o design de níveis são sólidos. No caso de Kao the Kangaroo, ambos funcionam razoavelmente bem.

O título tem praticamente todas as características básicas de um platformer. É possível performar ações habituais de jogos do gênero, como saltos duplos, rolamentos e ataques em solo ou no ar. Apesar de o herói parecer levemente escorregadio e alguns comandos não serem realizados da maneira correta em certas situações, os controles são responsivos o bastante para ser agradáveis.

Já a quantidade de fases – 11 no total, fora chefões – soa pequena de início, mas elas são bem extensas, cada uma levando de 30 minutos a uma hora para completar. Além disso, elas não perdem o frescor, pois apresentam sempre uma mecânica nova, desenvolvendo-a de diferentes formas com o passar do tempo.
Kao the Kangaroo
Os hubworlds também funcionam como mininíveis, com itens próprios


Além de cristais mágicos que tornam plataformas visíveis, bumerangues que atingem objetos de longe e cordas de energia para se pendurar, o artifício-chave do game são as luvas de Kao. Elas podem assumir poderes de diferentes elementos, como fogo, gelo e ar, e assim ajudar na solução de quebra-cabeças e desafios de plataforma.

Esses puzzles não demandam muito raciocínio lógico e não há grandes momentos de inspiração no gameplay. Na verdade, muito do que é apresentado já foi visto em séries como Crash Bandicoot. No entanto, o design do jogo satisfaz ao somar as diferentes mecânicas encontradas na aventura, criando situações em que habilidades distintas devem ser usadas em conjunto, aprofundando-as em quebra-cabeças que são divertidos de solucionar por serem facilmente compreensíveis.
Kao the Kangaroo
Para quem gosta de desafios de plataforma mais complexos, níveis bônus podem ser encontrados pelas fases regulares


Colecionáveis e segredos

A satisfação em Kao the Kangaroo também é praticamente instantânea, pois, do outro lado dos desafios, quase sempre há um colecionável esperando.

Seguindo uma das principais regras dos jogos de plataforma antigos, há uma grande quantidade de colecionáveis. Pode-se encontrar baús cheios de moedas, pedaços de coração que aumentam a resistência do herói a ataques, runas que desbloqueiam novos níveis, cristais azuis, pergaminhos com detalhes sobre personagens e cenários, e letras KAO, em uma referência às letras KONG da série Donkey Kong Country.

Todos esses itens ficam registrados em um contador que mostra a porcentagem finalizada de cada fase, alimentando o completismo de certos jogadores. A recompensa por recolhê-los é puramente estética: quanto mais colecionáveis obtidos, mais roupas para Kao podem ser adquiridas com as moedas dos níveis. As vestimentas não alteram em nada as habilidades ou o moveset do marsupial e sequer aparecem nas cutscenes.

Isso pode fazer com que os colecionáveis pareçam supérfluos. No entanto, o prazer está justamente na busca por esses itens, algo que incentiva a exploração nos níveis, que são majoritariamente lineares. Olhos curiosos encontrarão caminhos secretos em todas as fases, alguns bem escondidos e outros bastante evidentes. Achá-los estende o gameplay de maneira orgânica e incentiva a rejogabilidade.
Kao the Kangaroo
Não dá para soletrar Kao sem a letra O


Descendo a porrada

Outro fator importante de Kao the Kangaroo é seu sistema de combate. Ele tem menos relevância do que os segmentos de plataforma, mas está presente em toda a jornada.

No meio da aventura, o protagonista se depara com inimigos, como sapos, ovelhas e macacos, com os quais deve lidar usando a boa e velha pancadaria. Kao consegue socá-los com suas luvas e usar seu rabo para ataques aéreos ou refletir projéteis. Após preencher uma barra especial, ele pode realizar uma grande investida que desnorteia vários vilões ao mesmo tempo.

Embora eficaz, esse sistema passa a ser repetitivo com o tempo. Os encontros com os adversários se resumem a apertar repetidamente o mesmo botão até limpar a tela. As habilidades das luvas, que poderiam perfeitamente permitir golpes e estratégias diferentes, não alteram em nada as lutas, a não ser algumas animações.

Enquanto isso, as batalhas contra chefões, embora sejam fundamentadas nesse sistema de combate raso, trazem variedade de ações suficiente para não se tornarem monótonas. Não se engane: elas utilizam clichês já vistos à exaustão, como antagonistas que se multiplicam ou soltam uma onda de energia sobre a qual é necessário pular. Mesmo que algumas contendas sejam anticlimáticas, elas se desenrolam de maneira efetiva.
Kao the Kangaroo
Kao desferindo um golpe forte nas ovelhas inimigas


Problemas aleatórios

Apesar de todos os seus pontos positivos, nada em Kao the Kangaroo diverte quando o próprio game não consegue funcionar direito.

Durante minha experiência com o jogo antes de seu lançamento, tive problemas em uma série de quesitos. Os mais simples foram as falhas de performance e jogabilidade, como grandes quedas na taxa de quadros por segundo, ao ponto de a ação congelar na tela por alguns instantes; uma demora no carregamento das texturas; ângulos de câmera completamente desfavoráveis à ação; e músicas e efeitos sonoros que não tocam no momento correto.

É frustrante ver esses contratempos em um título que, aparentemente, não é tão complexo em termos gráficos ou sonoros. Particularmente sobre os frames inconstantes, a pior coisa para um game de plataforma é sentir que a falta de fluidez torna pulos e movimentos imprecisos. Essa, infelizmente, é a realidade nos momentos em que há muita ação na tela, como nas lutas contra inimigos.
Kao the Kangaroo
Em modo portátil, o jogo também roda com gráficos bastante borrados


No entanto, o aspecto mais prejudicial está no sistema de salvamento. Deparei-me com o que acredito ser um erro que fez com que a aventura não salvasse apropriadamente. Em minha primeira sessão com o jogo, após passar pouco mais de uma hora completando os níveis iniciais, fui jogado de volta ao começo depois de retornar ao menu principal. Em outras situações, o título abriu no meio de uma fase recém-terminada, com somente parte dos colecionáveis encontrados.

Ao tentar investigar esse fenômeno, cheguei à hipótese de que havia algo errado nos checkpoints das fases. Ao que parece, quando eu morria e era colocado de volta ao checkpoint mais recente pelo qual passei, nada desse ponto em diante era salvo.

Nas primeiras vezes em que encontrei esse problema, senti-me desamparado ao perceber que a falta de salvamento me fez gastar uma quantidade considerável de tempo à toa, e exausto ao ter que passar pela mesma longa fase quatro ou cinco vezes para avançar. Até mesmo deletei meu save e reinstalei o título para ver se conseguiria corrigir essa questão, mas não tive sucesso.

Sabendo que pelo menos um retorno ao checkpoint aconteceria mais cedo ou mais tarde durante o caminho, resolvi jogar sem encerrar o título no menu do Switch, somente deixando-o suspenso no modo de descanso. Dessa forma, não encontraria esse bug. Porém, diferentes glitches começaram a aparecer.
Kao the Kangaroo
Este é um ângulo real que a câmera do jogo captou. Detalhe: Kao está do outro lado da parede


O erro mais intrigante foi um que desregulou todo o áudio do jogo, fazendo com que o pouco de música que restou soasse estourado e as falas dos personagens ficassem lentas. A reta final da jornada foi, portanto, uma confusão sonora, em que as trilhas musicais não eram agradáveis de se ouvir e os diálogos nas cutscenes eram reproduzidos tão lentamente que sofriam cortes abruptos.

Finalmente, ao completar o game, reiniciei-o e, como era de se esperar, ele deletou todo o meu progresso e carregou um nível lá do meio da aventura. Com isso, acreditei que esta fosse uma falha generalizada e me preparei para escrever uma análise em que lamentaria que um jogo bem-feito estivesse arruinado por tamanhos descuidos de desenvolvimento.

Porém, ao tentar recriar alguns desses erros a título de curiosidade, eles não se repetiram. Mesmo fazendo exatamente as mesmas ações que achei que provocariam os bugs nos meus usuários principais e secundários no console, nada aconteceu. Os sons não se corromperam e o salvamento funcionou. Mas, em troca, o game constantemente se encerrou na penúltima fase devido a um erro, impedindo que eu chegasse ao último chefão.

Minha conclusão final sobre o assunto é que não tenho conclusão alguma. Esses problemas existem e penei muito com eles, mas eles parecem ser aleatórios, podendo surgir ou não. Caso não os encontre, aproveite a diversão do jogo. Se achá-los, boa sorte.

Entrei em contato com a Tate Multimedia e, havendo um pronunciamento sobre esses erros, atualizarei essa análise.

Kao the Kangaroo


O curioso caso do frustrante jogo bom

Meu tempo com Kao the Kangaroo me deixou cheio de sentimentos contraditórios. Por um lado, me diverti com seus desafios simples, mas engajantes, e com sua construção de mundo, que remete aos desenhos animados que assistíamos quando crianças.

Porém, de outro, encontrei tantas falhas técnicas que toda a satisfação que o game traz em sua essência deu lugar à frustração. Eu sabia que estava experimentando um bom título, mas houve sempre uma preocupação com questões que deveriam ser garantidas em um jogo, como saves e áudios que funcionam.

O fato de esses erros não terem se repetido seguindo um padrão me deixou com a pulga atrás da orelha. Será que mais pessoas passarão pelo que passei? Será que isso foi um problema da versão de análise? Será que eu não entendi como o sistema de salvamento funciona? Todo esse questionamento sugou minha energia, que deveria estar focada só na diversão.

Talvez com uma boa atualização, o jogo receba o polimento que merece. Até lá, ele é como um Game de Schrodinger: é, ao mesmo tempo, bom e ruim.

Prós

  • História despretensiosa, com clima de desenho animado de ação dos anos 2000;
  • Controles responsivos;
  • Design de fases simples, mas eficaz, com quebra-cabeças e segmentos de plataforma agradáveis;
  • Grande quantidade de colecionáveis, estimulando exploração e rejogabilidade.

Contras

  • Falta de polimento na animação e na atuação de voz de algumas cutscenes;
  • Sistema de combate repetitivo;
  • Problemas de performance, como grandes quedas na taxa de quadros por segundo e texturas que demoram a carregar;
  • Problemas de jogabilidade, como câmeras que ocasionalmente captam ângulos desfavoráveis à ação;
  • Erros aleatórios podem afetar o sistema de salvamento e o áudio do jogo;
  • Bugs que encerram o game à força, impedindo a progressão.
Kao the Kangaroo – Switch/PS5/XBX/PS4/XBO/PC – Nota: 5.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Tate Multimedia

Jornalista, analista de mídias, PcD e entusiasta de games desde que jogou Pokémon Azul no Game Boy Color nos anos 90. De lá para cá, tenta aproveitar ao máximo todos os consoles no pouco tempo que a vida adulta permite. Se não está escrevendo para o Blast ou demorando anos para zerar um jogo, está no Twitter (@DanielMorbi) e no Instagram (@danielmorbi_)
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