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Análise: Digimon Survive (Switch) é uma jornada sombria e apaixonante pelo Digimundo

Título supera as expectativas, provando ser um dos melhores jogos do ano para o Switch.

Originalmente anunciado em 2018, Digimon Survive é um título um tanto quanto diferente da saga Digimon: ao contrário de um RPG ou simulador como nas séries Cyber Sleuth e World, temos aqui uma visual novel com segmentos de estratégia em turnos. Trata-se de uma mistura ousada que, juntamente com os constantes atrasos na data de lançamento, deixou grande parte dos fãs preocupados.


Porém, após um bom tempo com o jogo, posso afirmar com um sorriso no rosto que não há motivos para preocupações. Superando as expectativas, Digimon Survive entrega uma jornada sombria e apaixonante que, apesar de demorar para fluir, tem o potencial de manter o jogador preso à tela do Switch por horas a fio.

Adentrando o Digimundo… ou não?

Durante o Digimon Con em fevereiro, o produtor Kazumasa Habu divulgou algumas informações cruciais sobre Digimon Survive. Dentre elas, havia o fato de que a equipe de desenvolvimento original havia sido completamente substituída e que Survive seria 70% visual novel e apenas 30% SRPG.

Separei essas informações porque creio que são fundamentais para quebrar alguns estigmas a respeito do jogo. Primeiramente, a proporção citada por Habu não deve ser percebida como exagerada, muito pelo contrário. Baseado na minha experiência com o título, eu diria que Digimon Survive é 90% do tempo um romance visual, com os 10% restantes sendo dedicados à estratégia de fato.

Como alguns confrontos são opcionais e é possível entrar em batalhas por conta própria para treinar seus digimon,  prolongando o tempo passado no campo de batalha, mas acho importante ressaltar que Survive deve ser encarado como uma visual novel com trechos de ação e não o contrário.

A partir do momento que isso fica claro, é possível apreciar a obra da HYDE em todo o seu esplendor. Não é comum um jogo passar tanto tempo em desenvolvimento, ter seus principais responsáveis substituídos e ainda assim resultar em uma obra coesa e apaixonante. Digimon Survive consegue essa proeza, entregando uma experiência obrigatória para qualquer fã da franquia que não tenha aversão à ideia de passar mais tempo lendo do que “jogando” de fato.

A lenda dos Kemonogami

Em Survive, você controla o adolescente Takuma Momozuka, que, juntamente com os seus amigos, se encontra em um passeio extracurricular. No tempo livre entre as atividades, os jovens decidem explorar as redondezas e acabam descobrindo a existência próxima de um misterioso santuário, dedicado aos seres fictícios conhecidos como Kemonogami.

Movidos pela curiosidade natural da juventude, não demora muito para os adolescentes descobrirem diversos mitos a respeito de tais criaturas, como as histórias de que os humanos do passado sacrificavam crianças para essas divindades em troca de proteção ou para aplacar desastres naturais como deslizamentos, que eram atribuídos aos seres sobrenaturais.

Coincidência ou não, quando próximos ao tal santuário, uma estranha série de acontecimentos logo faz Takuma e os demais jovens perceberem que os Kemonogami não eram exatamente uma lenda. Separados uns dos outros e envoltos por uma neblina misteriosa, os adolescentes logo encontram as criaturas que conhecemos como digimon.

Após o breve susto, os protagonistas logo notam que também não estão mais em seu mundo normal, habitando, na verdade, em uma enigmática dimensão que carrega apenas similaridades pontuais com sua realidade, como algumas estruturas físicas. 

Mas como chegaram ali? Como voltar para casa? O que exatamente é esse lugar estranho, apesar de familiar? Essas são apenas algumas das perguntas cujas respostas o jogador terá que descobrir junto com Takuma e o restante do elenco, em uma jornada com múltiplos finais e diversos acontecimentos inesperados.

A luta pela sobrevivência

Sem entrar no campo dos spoilers (sempre um desafio quando se analisa uma visual novel), a narrativa de Digimon Survive aborda temas bem interessantes como amizade, desolação, morte e sobrevivência. 

Fazendo jus ao título da obra, o tema da sobrevivência em especial é central ao jogo, pois, de uma hora para outra, o grupo de adolescentes se vê em um mundo hostil onde criaturas fantásticas atacam sem piedade e não há qualquer sinal aparente de outros humanos. Para piorar a situação, a onipresente neblina que surgiu no santuário aparenta ser mortal, destruindo até mesmo monstros tidos como poderosos, como Fangmon.

Com tantas perguntas, a aparição de digimon amigáveis como Agumon e Falcomon torna-se um alívio. Inexplicavelmente, cada um desses monstrinhos possui laços com um dos jovens e, como eles mesmo dizem, a missão de protegê-lo até o fim. Assim, essas criaturas acabam virando parceiras do grupo na luta pela sobrevivência nesse perigoso cenário em que se encontram.

E, claro, falando das mecânicas do jogo, como os digimon conseguem falar, eles também participam ativamente da narrativa. Em uma implementação muito interessante, as escolhas que o jogador faz durante a jornada podem inclusive interferir na rota de evolução de determinados monstros, como Agumon, o que nos leva ao próximo tópico.

O peso das escolhas

Durante sua jornada por respostas, Takuma frequentemente terá que tomar decisões, e a maneira que o jogador escolhe para lidar com os dilemas vai o enquadrando em uma das três rotas principais do game: Moral, Harmonia e Fúria.  

Em diversos momentos do jogo, as escolhas realizadas realmente mostram seu peso, interferindo na relação e nos diálogos que você tem com os outros personagens, bem como no fim que lhe aguarda ao apagar das luzes. 

É a cereja do bolo de uma narrativa que não tem medo de flertar com temas mais maduros e inclusive com outros gêneros como o terror (que grata surpresa!). Não se engane: por diversas vezes, Digimon Survive é um jogo melancólico, desconfortante, sombrio e até cruel. Em todos esses momentos, ele é apaixonante e mostra como, criativamente, a franquia alcançou patamares inimagináveis para outras de seu tempo, como Pokémon.

Com uma história realmente empolgante, é um pouco decepcionante que as batalhas do jogo não correspondam da mesma forma. Confrontos seguem o estilo de turnos e grids visto em tantos jogos do gênero, como Fire Emblem: Awakening (3DS) e Banner of the Maid (Switch), mas raramente alcançam a profundidade que deles se espera. 

Cada digimon pode usar dois golpes, sendo que o mais forte deles gasta SP. Além disso, atacar um inimigo pelas costas ou pela lateral causa mais dano. Porém, mesmo com recursos do tipo, a não ser que você jogue na dificuldade mais elevada, não é necessário se preocupar com estratégia alguma. Frequentemente as batalhas são resolvidas em poucos minutos — basta ao jogador usar os seus digimon mais fortes.

Esse é o único ponto realmente fraco de Digimon Survive. É uma pena, pois, mesmo com a simplicidade generalizada, há boas ideias nesse lado do jogo: em uma referência à série Shin Megami Tensei, por exemplo, dentro de um combate é possível conversar com alguns digimon e tentar convencê-los a se juntar à sua causa.

Caso você “acerte” as respostas (estamos falando de uma visual novel, afinal), poderá ganhar um aliado para lutas futuras. Com 113 monstrinhos disponíveis no jogo (excluindo os bônus como Guilmon), os colecionadores de plantão encontrarão aqui um prato cheio para se divertir por bastante tempo.

E não que Survive precisasse desesperadamente de mais conteúdo: dependendo da forma como você joga, alcançar o primeiro final pode levar mais de 35 horas de jogo. Adicione a isso o New Game Plus e o fato de que o final verdadeiro só pode ser alcançado dessa forma, e você está olhando para um jogo que pode trazer horas e mais horas de diversão nas buscas por respostas.

Fãs de longa data de Digimon certamente gostarão da abordagem que Survive proporciona à série. Das adições à lore aos temas abordados, aqui está um título que, acredito, influenciará fortemente as produções futuras envolvendo a propriedade intelectual.

A beleza dos detalhes

Falando da apresentação e performance do jogo no Switch, há alguns problemas, mas nada significativo. Iniciando pelos pontos positivos, o belo trabalho artístico de Uichi Ukumo se destaca, especialmente na resolução nativa do modo portátil — a sensação predominante é a de estar assistindo a uma nova versão do anime no console da Nintendo.

Já nos trechos de batalha, a taxa de trinta quadros por segundo pode apresentar instabilidade, especialmente no modo TV e quando um golpe visualmente mais expressivo é utilizado. Contudo, tendo em vista que o modelo de combate por turnos não exige reflexos ou ações rápidas, tais quedas não comprometem a experiência de forma alguma.

Inclusive, eu acredito que, a não ser que você ligue para conquistas ou troféus, o Switch é a melhor plataforma para jogar Digimon Survive. É possível usar a tela de toque em menus e afins e, assim como em outras visual novels, a grande quantidade de texto aqui presente torna a flexibilidade e a portabilidade do console da Big N um verdadeiro trunfo na manga para sessões mais longas de gameplay. 

Tudo isso é acompanhado por uma trilha sonora absolutamente fantástica, com um tema principal que traduz bem o sentimento de melancolia que permeia o jogo. É certamente o ponto alto da carreira do jovem Tomoki Miyoshi, que também trabalhou em I Am Setsuna (Multi) e desponta como um dos nomes mais promissores da nova geração de compositores para games.

A luta pela sobrevivência em um mundo assustadoramente sombrio, mas igualmente apaixonante

Digimon Survive me pegou de surpresa e logo se tornou um dos meus jogos favoritos deste ano. Sua ousada mescla de romance visual com trechos de batalha por turnos pode não ser perfeita, mas representa um novo e instigante olhar sobre uma das franquias mais cativantes da década de 1990.

Seu elenco carismático e a constante sensação de melancolia e desconforto que paira sobre esse universo fazem desta uma aventura capaz de reter o jogador por horas na frente do console, sempre à espera dos próximos acontecimentos. 

No fundo, é uma história sobre o poder da amizade, como Digimon sempre foi. Porém, a abordagem madura torna Survive surpreendente e imperdível. Como resultado, no aniversário de 25 anos do anime, quem ganha o presente somos nós. 

Prós

  • Elenco carismático que referencia os protagonistas originais do anime;
  • Narrativa envolvente;
  • Bela apresentação visual destaca o trabalho de Uichi Ukumo;
  • Trilha sonora assinada por Tomoki Miyoshi é absolutamente fantástica;
  • Diversos finais e New Game Plus aumentam o fator replay do jogo;
  • Possui legendas em português brasileiro.

Contras

  • História demora a engrenar;
  • Sistema de combate por turnos praticamente não requer estratégia;
  • Leves problemas de performance durante as batalhas.
Digimon Survive — PC/PS4/XBO/Switch — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Bandai Namco

é bacharel em Produção Cultural pela UFF e estudante de Comunicação Social pela FSMA. Na infância, ganhou um Super Nintendo dos pais e, desde então, nunca mais deixou o mundo dos games. Ainda sonha em ser um Mestre Pokémon.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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