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Análise: Made in Abyss: Binary Star Falling into Darkness (Switch) tem pouco apelo além da obra original

Este RPG de ação adapta com sucesso o material-base, mas se perde em sérios problemas técnicos e de gameplay.



Made In Abyss é uma obra de sucesso relativamente recente na indústria de mangás e animes. Publicadas a partir de 2012, as aventuras de Riko e Reg só foram adaptadas para o formato animado em 2017, e apenas agora, em setembro de 2022, tivemos um jogo oficial licenciado da franquia.


Sob responsabilidade da Chime Corporation e da Spike Chunsoft, mais conhecida pela franquia Danganronpa, Made in Abyss: Binary Star Falling Into Darkness vai bem na tarefa de transportar o universo do Abismo para os videogames, mas decepciona bastante como RPG de ação com foco em exploração e sobrevivência.

Duas jornadas, o mesmo abismo

Binary Star Falling into Darkness tem uma abordagem curiosa para ambientar os jogadores ao enredo e à jogabilidade típica do gênero. Começamos por uma curta campanha de introdução, intitulada Hello Abyss, na qual controlamos a protagonista Riko, uma jovem órfã moradora da cidade de Orth, localizada em uma ilha cujo centro é “ocupado” por uma infindável cratera conhecida como Abismo.




Riko aspira ser como sua mãe, uma lendária exploradora de cavernas que desapareceu nas profundezas do Abismo. Ao receber um importante sinal, ela parte com seu recém-encontrado parceiro robô Reg rumo à mais profunda camada deste infernal complexo subterrâneo.

A breve história de Hello Abyss acompanha nossa dupla de heróis até um ponto bem inicial do mangá/anime, servindo apenas para introduzir as principais mecânicas do jogo e incentivar quem não conhece a obra original a dar uma conferida. Porém, eu diria que apenas o segundo objetivo foi cumprido com eficiência.

Muito do que aprenderemos mais pra frente não está presente na mini-campanha de Riko e Reg, ou existe de maneira bem superficial ou facilitada. Não se surpreenda, por exemplo, se você se acostumar tanto a usar o braço mecânico de Reg para escaladas e descidas que, ao chegar à aventura principal, vai sentir falta de ter um recurso ilimitado ao invés das finitas cordas.




Terminados os eventos de Hello Abyss, a inédita campanha principal, denominada Deep in Abyss, é desbloqueada, e é aqui que começa o Dark Souls.

Você é um menino? Ou uma menina?

Em Deep in Abyss, assumimos o controle de uma criança recém-chegada ao orfanato Belchero, o mesmo lugar onde Riko viveu até partir em sua jornada. Nossa missão é levar este protagonista ao posto de Apito Branco, o mais alto entre os diferentes níveis de explorador de cavernas.

O nome da criança é Aki, mas podemos batizá-la como bem quisermos, já que ela representa o ponto de vista do jogador, como já vimos em tantos jogos ao longo dos anos. Achei bacana que houve um cuidado em não especificar um gênero (ainda que tenda um pouco para o masculino), dando a quem está no controle a opção de personalizar Aki à vontade.




Podemos escolher não apenas o nome do nosso aventureiro, mas também a voz; o penteado; a cor da pele, cabelo, de cada olho (sim, heterocromia é uma possibilidade!) e da vestimenta de trabalho. É um menu bem básico, mas criativo o suficiente para a elaboração de um personagem com a cara de quem está no controle.

Devagarinho até em cima, em cima, em cima

Feitos os preparativos iniciais, começamos a saga de Aki. O conteúdo de Binary Star Falling into Darkness não é nada novo no meio dos action RPGs com exploração, mas casa direitinho com o universo de Made in Abyss, cuja mística gira em torno do titular Abismo, que possui consequências progressivamente mais perigosas — e olha que eu nem falei das criaturas e incontáveis outras ameaças que infestam o lugar.

A famigerada Maldição do Abismo tem um efeito vertical curioso que diferencia a gameplay de outras experiências do gênero. Basicamente, descer ou seguir reto não nos acarreta nenhuma punição, mas qualquer progressão para cima pode ser fatal. Nas primeiras camadas, já sofremos com tonturas, fraqueza e episódios de vômito, mas quanto mais fundo nos embrenhamos, piores os sintomas vão ficando, de dores por todo o corpo a nada mais, nada menos que a morte.




No jogo, isso se traduz visualmente em um contorno roxo que vai tomando cada vez mais a tela, passando uma desesperadora sensação de claustrofobia, e na perda de saciedade e fôlego, que, junto aos pontos de vida, representam as três barras essenciais à sobrevivência. Elas podem ser mantidas por meio do consumo de alimentos e outros objetos, como plantas medicinais.

Naturalmente, esse não é o único aspecto que entra no planejamento de um bom explorador de cavernas. É preciso saber otimizar o espaço disponível na mochila, que recebe uma divisiva restrição de peso; se o limite for ultrapassado, Aki passa a andar lentamente e não poderá atacar, ficando completamente vulnerável.

Quando eu digo que essa mecânica é divisiva, me refiro apenas à minha opinião: em certos momentos, achei a medida cabível para evitar um abuso inverossímil do inventário; em outros, achei-a exageradamente punitiva, considerando a progressão no aumento de peso dos itens conforme nosso personagem vai evoluindo.

Marie Kondo, me ajuda a organizar essa mochila!

Manter uma barriga cheia e um estoque equilibrado são metas que só se tornam possíveis graças ao aproveitamento das outras mecânicas principais de Binary Star Falling into Darkness. Uma delas é a criação de itens (crafting).




A jornada pelo Abismo é marcada pela constante coleta, compra e construção de diversos tipos de materiais e objetos, como carnes, plantas, minerais, temperos e muito mais. Alguns podem ser adquiridos em lojas de Orth, enquanto outros precisam ser extraídos e/ou confeccionados se tivermos as matérias-primas necessárias.

Esta é sem dúvida a parte mais trabalhosa de toda a nossa rotina de sobrevivência. Precisamos sempre ter no inventário uma quantidade decente de comida e itens utilitários para lidar com os muitos problemas e necessidades que surgem. Você definitivamente não vai querer ficar sem cordas de escalada ou refeições que preenchem a barra de saciedade. E não esqueça de ficar sempre de olho no peso da mochila.

Pode ser cansativo e maçante ter todo esse cuidado e atenção a tantos detalhes, mas não dá para negar que é uma representação fiel da exploração de um ambiente inóspito e desconhecido. Praticamente não há espaço para descansar e baixar a guarda, com enormes penhascos para escalar e criaturas hostis surgindo a todo momento.

Trocando mais de apito que árbitro desastrado

Para nos prepararmos adequadamente, precisamos adquirir muita experiência e recursos de acordo com a camada do Abismo que vamos visitar. Aqui entram os sistemas de nível pessoal de Aki e do seu ranking de exploração, definido pela cor do apito.




Estamos sempre cumprindo missões, tanto as diretamente relacionadas à progressão na história de Deep in Abyss quanto as secundárias, o que rende experiência e dinheiro. Também adquirimos ambos escavando relíquias espalhadas por todo o Abismo e levando-as a um especialista em Orth, que determina seus preços baseado na raridade do objeto entregue.

Com a experiência, Aki sobe de nível e ganha pontos que são usados para aprender novas habilidades. A partir da árvore de habilidades do jogo, nosso personagem aprimora seus talentos em combate, exploração de cavernas e crafting. Conforme vamos subindo na cadeia de apitos, mais opções vão sendo desbloqueadas.

Cabe a você decidir qual ramificação quer priorizar. Pessoalmente, achei a seção de combate mais dispensável, principalmente porque é irritantemente inviável manter a mochila abaixo do limite de peso se tivermos diferentes tipos de arma e suas respectivas munições. Preferi muito mais evoluir na criação de objetos e receitas e no desenvolvimento como explorador, que inclui melhorias no nível de fôlego e na velocidade de corrida, além de habilidades como poder saltar para qualquer direção enquanto escalamos.




Seja como for, é divertido e estimulante melhorar o desempenho de Aki para superar com maior facilidade os desafios de progressão e combate do Abismo. É o velho conceito de evoluir o personagem e ganhar em troca a conhecida e gratificante sensação de recompensa pelo nosso esforço.

Aliás, fica aqui uma nota negativa sobre a mecânica de durabilidade das armas de Binary Star Falling into Darkness. Para efeito de comparação, nas mais de 180 horas que passei em The Legend of Zelda: Breath of The Wild, foram raríssimos os momentos em que eu fiquei frustrado por ter quebrado uma arma, já que, na minha humilde opinião, a funcionalidade é implementada em harmonia com os demais elementos de gameplay nesta iteração de Hyrule.

Definitivamente não é o caso na obra da Spike Chunsoft. A durabilidade das armas é ridiculamente baixa, praticamente nos forçando a ter um suprimento recorrente de matérias-primas para construí-las ou uma quantia absurda de dinheiro para comprá-las, o que não é possível uma vez que estivermos dentro do Abismo. Seja qual for o caso, o peso novamente se torna um problema, então poderíamos ao menos ter armas mais resistentes.

O buraco proverbial de defeitos é bem mais embaixo

Não bastassem os obstáculos de gameplay, Binary Star Falling into Darkness tem problemas de polimento, interface e física que fariam o Galvão Bueno se revirar na cadeira. Começo pela diagramação preguiçosa dos textos do jogo, que muitas vezes não cabem nas caixas de diálogo ou apresentam opções de fonte que dificultam bastante a leitura e até mesmo o entendimento de qual opção estamos selecionando quando nos fazem uma pergunta de múltipla escolha.




A interação entre Aki e partes do cenário do Abismo apresentou irregularidades incessantes, como a incapacidade do protagonista de sair de uma parede para aterrissar no chão e até alguns espasmos aleatórios durante as escaladas. O próprio deslocamento do boneco é truncado e robotizado demais sobretudo quando ele está correndo, longe de passar qualquer naturalidade de movimentação.

Constantemente me vi parado literalmente em cima de uma criatura abatida ou de uma planta para extrair material, mas o comando para realizar a ação simplesmente não aparecia a menos que eu me afastasse e voltasse. Vários probleminhas de contato semelhantes foram se manifestando durante minhas jogatinas, prejudicando bastante o que já é uma experiência desafiadora.

O surgimento de inimigos também merece destaque negativo. A frequência com que as criaturas aparecem e tornam a aparecer é bem forçada, e muitas vezes os bichos simplesmente brotam do nada em locais como uma minúscula plataforma isolada à beira de um penhasco.




Por fim, fica a menção à (infelizmente) costumeira ausência do português entre os idiomas. Em alguns jogos de ação, essa opção pode até não fazer falta, mas aqui ela é indispensável tanto para a compreensão da história do jogo quanto para entendermos tutoriais, funções de itens, habilidades e por aí vai.

Chegando bem perto do fundo do poço (ou do abismo, neste caso)

Made in Abyss: Binary Star Falling into Darkness faz uma excelente adaptação para games do material original. Definitivamente dá para vivenciar a experiência de ser um explorador de cavernas no implacável Abismo, com todos os desafios que a “profissão” apresenta.


Infelizmente, os méritos quase que inteiramente param por aí. O aproveitamento de tudo que tornou Made in Abyss uma história tão empolgante para parcialmente em obstáculos como uma campanha de tutorial com eficácia duvidosa e mecânicas implementadas sem muito cuidado com detalhes essenciais para que contribuam com uma boa jogabilidade, ao invés do contrário.

Os fãs da obra de Akihito Tsukushi provavelmente conseguirão passar por cima de todos esses contratempos e aproveitar novos momentos no universo de Riko, Reg e grande elenco, mas pensando fora desse nicho, não temos aqui um bom exemplar de RPG de ação.

Prós

  • Adapta muito bem o material original para o formato dos videogames;
  • A personalização do protagonista da campanha principal dá uma liberdade interessante de escolha, com cuidado até para não especificar o gênero da criança;
  • A maldição do Abismo se traduz em um criativo elemento de dificuldade;
  • É divertido e estimulante melhorar o desempenho de Aki para superar com maior facilidade os desafios de progressão e combate do Abismo.

Contras

  • A mecânica de durabilidade das armas não foi bem-implementada; o mesmo vale para o limite de peso da mochila, que por vezes foi desnecessariamente incômodo;
  • Diversos problemas gravíssimos de polimento, interface e física, que comprometem a jogabilidade ao longo de toda a extensão das campanhas;
  • Ausência de português entre os idiomas, essencial para uma experiência funcional.
Made in Abyss: Binary Star Falling into Darkness — Switch/PC/PS4/ — Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Spike Chunsoft


Apaixonado por jogos desde criança, principalmente pela Nintendo. Seja Indie ou AAA, os videogames vão estar sempre no meu coraçãozinho, com um espaço especial para multiplayers!
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