Análise: Chaos;Head Noah (Switch): delírios no limiar entre realidade e ficção

Clássico que deu origem à série Science Adventure chega finalmente ao Ocidente após 14 anos.

em 10/10/2022
Originalmente lançada em 2008, Chaos;Head é uma visual novel desenvolvida em uma parceria entre a 5pb. (atual Mages) e a Nitroplus e que deu origem à franquia Science Adventure, cuja obra mais conhecida é Steins;Gate. Mais de 14 anos se passaram, mas Chaos;Head Noah no Switch marca o primeiro lançamento oficial do jogo no Ocidente. Com uma trama pesada sobre a nossa compreensão da realidade, o título é inegavelmente um dos grandes clássicos do gênero.

Ego, delírios e identidade

Chaos;Head conta a história de Takumi Nishijo, um otaku extremamente viciado na cultura pop japonesa. Vivendo sozinho em um container no topo de um prédio alto em Shibuya, o rapaz quase não sai de casa, tem sérios problemas de socialização e passa boa parte do seu dia jogando online, assistindo anime ou cuidando de suas figures de personagens femininas.

Com uma relação de vício e dependência em relação às mídias que consome, o rapaz constantemente se vê no limiar entre realidade e ficção. Delírios são apenas uma parte comum do seu dia-a-dia, sendo frequente a imaginação de cenas inverossímeis. Em oposição aos problemas da realidade e aos defeitos do próprio garoto, os mundos ficcionais dos jogos ou desenhos animados oferecem um conforto escapista.

Porém, uma série de assassinatos bizarros começa a acontecer em Shibuya. São casos grotescos marcados por brutalidade e elementos macabros que fazem com que eles nem pareçam reais. Para piorar a situação, a polícia não sabe quem é o autor por trás desses casos. A cobertura da mídia começa a chamar os casos de “New Generation Madness” (loucura da nova geração) e há muitos jovens discutindo sobre eles casualmente na internet e na vida real.

Um dia, Takumi está voltando da aula e acaba encontrando a cena de um dos crimes. Em um beco escuro, o rapaz vê um corpo preso com inúmeras cruzes e uma garota coberta de sangue. A partir desse momento, o rapaz começa a ter crises de pânico conforme as coisas ao seu redor começam a ficar cada vez mais distorcidas e difíceis de compreender.

Entre o escapismo e a paranoia, Takumi se vê diante de uma realidade quebrada em que as coisas não se encaixam mais como antes e a sua própria identidade é questionada. Para o jogador, são oferecidos momentos de delírio, em que é possível escolher entre ilusões positivas, negativas ou se manter atento à realidade. Isso altera o desenvolvimento da trama, assim como há algumas escolhas de sim ou não em momentos chave.

Brincando com a percepção do jogador e do protagonista, Chaos;Head discute temas relacionados à existência, a realidade e a formação da identidade. Tópicos pesados como suicídio e estupro também são apresentados, destacando várias emoções negativas e impulsos humanos do protagonista e dos outros personagens.

Em especial, chama a atenção a atmosfera do jogo, com cenários bastante detalhados, realistas e frequentemente povoados com pessoas genéricas. A trilha e os efeitos visuais como ruídos de TV são utilizados para reforçar o senso de distorção e não-pertencimento nos momentos mais chocantes. Aliado a alguns elementos da trama, a obra quer tirar o jogador da sua zona de conforto e fazê-lo se questionar sobre a realidade apresentada.

Ilusões negativas

Em comparação ao lançamento original de 2008, Chaos;Head Noah é uma edição com rotas extras para a história, de acordo com os delírios ativados durante a gameplay, após obter o primeiro final. Houve também alterações para censurar algumas rotas (mais notavelmente no final Crying Sky) para o seu lançamento anterior no PSP no Japão.

Curiosamente, a versão de Switch não aproveita a tela de toque e possui um bug que quebra o modo automático e o skip (pulo de diálogos, útil para avançar por cenas já lidas) em algumas caixas de texto. Eles simplesmente param de funcionar em alguns momentos e, especialmente no caso do auto, isso parece estar relacionado a caixas de texto com mais de três linhas.

Porém, o problema mais grave é o texto traduzido, cuja leitura é ruim. Ainda é possível compreender os significados do que está sendo dito, mas a escrita causa um constante incômodo com estruturas não naturais em inglês. Em se tratando de um jogo textual, esse é um erro grave resultando em uma prosa pouco instigante, mas, na minha experiência pessoal, considero que ainda é possível aproveitar boa parte da virtude do título, apesar de estar longe do que seria o ideal para um título de tamanha relevância e qualidade.

Gigalomania

Chaos;Head Noah é uma visual novel clássica que explora uma discussão muito pertinente sobre o nosso senso de realidade. Infelizmente, após tantos anos de expectativa para o seu lançamento ocidental, o jogo chega com um texto traduzido com uma qualidade muito aquém do que merecia. Ainda assim, para fãs do gênero, é uma obra que vale a pena conferir.

Prós

  • Narrativa que discute temas relacionados à percepção do mundo e à nossa relação com ficção;
  • Atmosfera de suspense que constantemente tira o jogador da sua zona de conforto;
  • Cenários que brincam com senso de realismo e a presença de pessoas.

Contras

  • O texto em inglês é comprometido por problemas de tradução e escrita;
  • Bug quebra o uso do skip ou do modo automático em qualquer caixa de texto com mais de três linhas;
  • Não é possível usar a tela de toque.

Chaos;Head Noah — Switch/PC — Nota: 7.5
Versão utilizada na análise: Switch
Revisão: Cristiane Amarante
Análise produzida com cópia digital cedida pela Spike Chunsoft

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é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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