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Análise: Lover Pretend (Switch): ficção, amor e intrigas

Visual novel otome se foca mais puramente em romance do que a maioria dos jogos do gênero traduzidos para o inglês.

Lover Pretend é uma visual novel desenvolvida pela Otomate, a filial da Idea Factory focada no gênero otome, que, a grosso modo, são obras de romance voltadas para o público feminino. Enquanto a maioria dos títulos trazidos para o Ocidente tentam elaborar elementos históricos, de fantasia ou mistérios sombrios, Lover Pretend aposta em um drama mais simples e boas doses de comédia.

Uma roteirista que não conhece romance

Chiyuki Ueda é uma jovem estudante da universidade Kouyou que sonha em se tornar uma escritora de roteiros para filmes. Esse desejo profundo a acompanha desde criança, sendo uma forma de manter algum tipo de vínculo com sua falecida mãe, que criou a história de um romance clássico chamado Pretend to Love.

Apesar de ser uma escritora bastante dedicada e talentosa, Chiyuki tem um problema sério: a garota é incapaz de criar boas histórias românticas. Sempre que tenta, ela acaba caindo em algum clichê do gênero e criando diálogos que não parecem naturais.

De certa forma, o problema parte um pouco de sua inexperiência própria, sendo uma pessoa de poucos amigos e nunca tendo se relacionado romanticamente com ninguém. Mas ela também nutre um medo de não ser amada ou ser abandonada, tendo em vista que sua mãe teve que se esforçar para criá-la sozinha e a garota nunca conheceu o pai.

Após a morte de sua mãe, a garota foi criada pela avó, que também faleceu enquanto ela ainda estava no ensino médio. Porém, antes de partir, a avó de Chiyuki disse para ela que o filme que ela tanto amava poderia ser a chave para descobrir o paradeiro de seu pai.

Um dia, por conveniência do destino, a garota recebe uma proposta de seu mentor para trabalhar como sua assistente em um filme do mesmo diretor de Pretend to Love. Essa é uma oportunidade para ela melhorar sua escrita e ao mesmo tempo descobrir a verdade que a atormenta a tantos anos.

Cinco caminhos

Enquanto trabalha como assistente do roteirista, Chiyuki acaba trabalhando de várias formas nos bastidores do filme. Curiosamente, as pessoas com as quais interage mais estão relacionadas ao filme de antigamente, tendo algumas trabalhado nele e outras sendo filhos de figuras-chave que poderiam ser o pai de Chiyuki.

Nesse sentido, três rapazes se destacam durante esse período: Harumi Makino, Riku Nishijima e Yukito Sena. Harumi é filho do diretor, Yuzo Makino, e trabalha como seu assistente, ajudando em várias tarefas secundárias junto com Chiyuki. Apesar de agir de forma fria inicialmente, a verdade é que o rapaz tenta esconder as coisas que gosta com medo de ser considerado estranho. A sua timidez e falta de coragem são pontos que incomodam muito o rapaz, que gostaria de ser mais heroico.

Já Riku Nishijima é um ator com uma carreira consolidada e todos apostam que ele será escolhido como protagonista do filme. Embora pareça um “senhor certinho” e tenha uma ética profissional louvável, o rapaz não demonstra estar empolgado em atuar. Ele é filho de um ator que saiu dos holofotes e ambos estavam presentes no filme Pretend to Love.

Yukito é um modelo conhecido por seu estilo descontraído e fanfarrão. A sua imagem pública é a de um mulherengo incorrigível, figura similar à que o seu pai acabou adquirindo ao longo dos anos trabalhando como produtor. Apesar disso, Chiyuki logo percebe que o rapaz é bem mais esforçado do que deixa transparecer.

Além dos três, temos também Kazuma Kamikubo, o melhor amigo de Chiyuki. O rapaz trabalha como maquiador e a relação dele com a protagonista sempre foi a de um grande apoio de ambos os lados. Os dois decidiram se esforçar em suas respectivas profissões e, curiosamente, Kazuma acaba se tornando um auxiliar para o processo de seleção do novo filme. Durante esse tempo, ele se mostra um verdadeiro cão de guarda, sempre a postos para tentar protegê-la dos avanços de Yukito.

Uma vez feitas as rotas desses quatro personagens, o jogador irá desbloquear uma quinta opção de interesse romântico: o próprio mentor de Chiyuki, Eiichirou Asagi. Com 32 anos de idade e uma carreira já bem desenvolvida, ele é o mais velho dos rapazes com os quais a garota pode se envolver. Sempre dando conselhos variados para a protagonista, ele tenta manter a sua figura de respeito.

Em cada rota, aprendemos um pouco mais sobre esses rapazes, que se mostram figuras carismáticas e mais detalhadas do que podem parecer a princípio. A rota comum já é um bom indício de quem eles são, mas as suas histórias pessoais ainda são recheadas de reviravoltas dramáticas.

De modo geral, a trama é totalmente focada nos personagens e seus relacionamentos, dando-lhes o máximo de destaque. Porém, há uma forte sensação de que algumas decisões narrativas são rasas e puramente baseadas em conveniência. Isso é especialmente claro quando o assunto é a motivação da protagonista, tendo em vista que o jogo trata a busca dela pelo pai como apenas mais um fator de drama raramente tocado. Apenas na rota secreta esse assunto é resolvido e de forma anti-climática.

Além disso, a história evita discutir seriamente o suposto bloqueio da protagonista em relação ao romance. A obra tenta falar que há um elemento psicológico por trás da situação, mas deixa isso subdesenvolvido e depois opta por uma narrativa um tanto clichê de que o romance resolve o problema dela.

A hora da mentira

Um elemento em comum entre todas as rotas, tirando a secreta, é que a protagonista acaba sendo forçada a fingir ser a namorada dos rapazes. Assim como o nome implica na noção de “um romance de faz de conta”, a ideia do jogo é mostrar essa transição de falso para verdadeiro, com a protagonista perdendo de vista a linha entre ficção e sentimento real por conta da convivência com os rapazes.

Para melhor enganar as pessoas, Chiyuki precisa formular o enredo de forma clara. Isso é representado no jogo visualmente como a montagem de um quebra-cabeças em que cada resposta correta deixa a outra pessoa menos desconfiada. Esses momentos de argumentação verbal são chamados de Pretend Time.

Cada Pretend Time é uma sequência de perguntas e respostas em que o jogador tem um limite de tempo para responder a uma pessoa. É possível escolher entre duas opções ou esperar a contagem acabar para não responder.

Trata-se de um momento que idealmente deveria ter peso para a trama, tanto que o jogo corta o acesso a save e load. Dependendo de quão bem o jogador responder, ele irá receber uma quantidade diferente de pontos de afinidade com um dos rapazes. Porém, a verdade é que a única forma da falha impactar a trama é escolher todas as piores respostas (incluindo não-respostas), fechando o puzzle com peças em branco. Dificilmente isso seria alcançado sem que o jogador esteja ativamente em busca de um final ruim.

Um lançamento de qualidade

Para além de todos os pontos mencionados acima, gostaria de destacar que este é um lançamento de alta qualidade da Aksys. O texto em inglês tem bastante personalidade e jovialidade, utilizando expressões modernas que se encaixam muito bem no contexto contemporâneo da obra. De forma geral, o texto é muito fácil e gostoso de ler. Além disso, os erros de digitação são muito raros.

Embora todos os personagens tenham seus trejeitos bem colocados no texto traduzido em inglês, o comportamento da protagonista em especial vale a atenção. Ela reage de forma muito engraçada às ações dos rapazes e o texto descontraído ajuda a elevar o tom de humor de seus pensamentos e algumas falas mais sinceras.

Em termos visuais, o jogo também se destaca. Com direção artística de Fuji Rito (SympathyKiss), a obra é bastante colorida e conta com grande variedade de ambientes. Há também uma boa variedade de cenas para cada rapaz, com cerca de 16 ilustrações focadas em cada um dos quatro principais e nove para o mentor.

Um arroz com feijão bem feito

Lover Pretend é um otome cuja narrativa acaba se aproveitando um pouco demais da conveniência para fazer os romances funcionarem. Apesar disso, o seu texto bastante jovial, os personagens carismáticos e as excelentes ilustrações são o suficiente para fazer dele uma boa adição à biblioteca do Switch. Vale a pena experimentar se um drama básico é tudo o que você procura.

Prós

  • Tradução para o inglês com bastante personalidade e jovialidade ajuda a deixar a leitura fresca e agradável;
  • Personagens carismáticos;
  • Visualmente deslumbrante, com boa variedade de ilustrações para cenas especiais e para os cenários;
  • O conceito de montar argumentos no Pretend Time é muito interessante.

Contras

  • Algumas decisões de roteiro são rasas e abordadas na base da conveniência, especialmente no que tange a busca pelo pai da protagonista;
  • Raros erros textuais;
  • Na prática, o Pretend Time tem consequências muito pequenas para a trama.

Lover Pretend — Switch — Nota: 8.0

Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Aksys Games


é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
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