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Análise: Melatonin (Switch) é um jogo de ritmo que reflete sobre o ritmo da vida

Vivencie uma excelente conexão entre a realidade e os sonhos, que brinca com o ritmo musical e o ritmo do cotidiano moderno.


Desenvolvido e publicado pela Half Asleep, sob a direção de David Huynh, Melatonin é um jogo de ritmo independente ambientado entre o sonho e a realidade que explora, de forma irônica, satírica, divertida e psicodélica a rotina do capitalismo tardio e da era da informação.


Os desenvolvedores brincam com temas como trabalho em computador, consumismo, fast-food e engajamento em rede sociais, e proporcionam uma brilhante experiência que revela, por trás de uma gameplay rítmica igualmente viciante, o hábito mecânico e reiterado do protagonista enquanto persegue o hormônio da melatonina, que pode estimular o sono.

Uma narrativa simples sobre o ritmo da vida nos sonhos e na realidade 

A proposta narrativa de Melatonin é muito simples. A história é separada em 5 capítulos, que se passam em quatro noites e uma manhã em que um jovem encontra-se sozinho e com insônia em sua casa. Durante esses momentos, ele dá asas à imaginação em pequenos mundos oníricos nos quais suas atividades diárias tornam-se lúdicas e musicais.

O jogador assume o controle desse jovem sem nome (o único personagem controlável no jogo). Alternando entre suas atividades caseiras noturnas e aventuras em seu subconsciente, o rapaz representa o cotidiano repetitivo e monótono em seus sonhos através de atividades como pular entre celulares, regar plantas, fazer compras e apertar botões no computador de seu trabalho; porém, tudo isso é reimaginado de uma forma musical, sempre em um ritmo bem marcado, como se a vida do protagonista seguisse o ritmo rígido e repetitivo de um metrônomo.


Apesar de o enredo ser muito simples e os tópicos que poderiam suscitar reflexões interessantes não serem desenvolvidos, é curioso notar como o design narrativo é intuitivo e sutil, sem nenhuma linha de texto ou fala. Além disso, a trama é perspicaz em contar a realidade do personagem de forma indireta, através de seus sonhos. A insônia do personagem e a variação do cenário da sala (o único cômodo da casa visível ao jogador) também contam partes dessa história.

Por mais singela que seja, a breve experiência narrativa de Melatonin (cerca de 2~3 horas), em consonância com sua gameplay, dá um sentido musical aos nossos hábitos cotidianos e abre uma janela para algumas reflexões sobre eles.

O argumento da história pode ser resumido a um jovem que está atrás de uma dose constante de melatonina, mas a execução é um pouco mais do que isso: é também sobre o ritmo da vida moderna e como enxergamos a nós mesmos em nosso subconsciente.

Um jogo de ritmo não convencional bastante intuitivo, mas também desafiador

Huynh elaborou muito bem a experiência narrativa do game com a sua jogabilidade. A cada vez que o jovem protagonista pega no sono, o jogador assume o controle em um novo mundo dos sonhos. Cada um desses mundos possui cinco minigames de ritmo, nos quais você pode pontuar com uma, duas ou três estrelas.

Para acessar o último desses minigames, é preciso obter oito estrelas ou mais; assim, você dá prosseguimento à história. Cada mundo corresponde a um capítulo e a uma noite ou manhã em que a curta campanha se passa. Caso queira mais desafio, você pode rejogar os minigames em modo difícil.

O sistema de ritmo usa basicamente três botões: A, L e R, que podem ser usados isoladamente ou em conjunto. Diferentemente de muitos jogos de ritmo, o foco não está tanto em acompanhar a melodia com os cliques, mas sim em marcar o ritmo. Você pode praticar com o auxílio de um metrônomo e com a música sob uma percussão mais forte. Durante a prática, os botões também aparecem, para você clicar nos momentos certos.


Quando você joga pra valer (com pontuação), não há metrônomo; a percussão enfraquece, deixando o jogador com a música em sua versão normal; e é ocultado o botão a ser apertado e quando pressioná-lo. O jogador precisa se basear inteiramente em sua percepção visual do cenário e principalmente na sua percepção rítmica da música.

O ritmo é constante, sem muita variação, mas pode acelerar ou desacelerar, e também podem aparecer algumas dificuldades extras, como algum objeto tapar a visão do jogador. Tudo funciona de forma bastante intuitiva, mas cria uma complexidade razoável com o tempo, e resulta em um bom desafio no modo difícil. É especialmente satisfatório jogar o minigame final de cada capítulo, onde os demais minigames do mundo são combinados.

Um audiovisual minimalista, leve, imaginativo e relaxante

Feita por um conjunto de artistas independentes, a ambientação de Melatonin, para além do cenário da sala do protagonista, é dominada por cenas simples que se desenrolam em cenários fixos e misturam elementos da realidade do cotidiano do personagem com elementos fantasiosos. A arte não é muito elaborada, mas tem um estilo charmoso e consistente, com tendência colorida, cores opacas e destaque para branco e rosa.

A atmosfera de sonho é combinada com músicas lo-fi compostas principalmente por Darby Philips, mas também alguns outros compositores; há ainda algumas faixas licenciadas. As músicas costumam ser usadas em conjunto com a vibração do controle, o que ajuda no senso rítmico e na interação com objetos. Você pode conferir um pouco dessa combinação no último vídeo acima.

Os timbres são inteiramente sintéticos e nota-se uma tendência maior para tons maiores e uma harmonia simples, levemente dançante e também relaxante. As melodias das músicas tendem a ser pouco marcantes, e bastante repetitivas, porém ritmicamente são bem adequadas para a proposta. Abaixo você pode conferir a OST do game.

Um jogo de ritmo divertido, minimalista e bem polido

Apesar de sua simplicidade narrativa e audiovisual, e de entregar pouco conteúdo, Melatonin tem um design bem polido e justificado.

Há temas psicossociais interessantes que são abordados de forma sutil, um audiovisual confortável e com um estilo que combina com a ambientação de sonho, e uma gameplay criativa que consegue ser ao mesmo tempo intuitiva e razoavelmente desafiante ao se focar no aspecto rítmico mais do que no melódico de suas músicas.

O título é recomendado a quem gosta de propostas casuais de modo geral, bem como a fãs de jogos de ritmo que se interessem por mecânicas não convencionais.

Prós

  • Temática narrativa que estabelece uma conexão interessante entre o ritmo da vida e a gameplay de ritmo;
  • Enredo sucinto e sutil;
  • Arte charmosa, consistente e coerente com a ambientação onírica do game;
  • Músicas lo-fi com um bom senso rítmico para a gameplay e uma harmonia ao mesmo tempo dançante e relaxante;
  • Gameplay intuitiva, com mecânicas diferenciadas e possibilidade de se tornar razoavelmente desafiadora.

Contras

  • Enredo muito simples e com temas interessantes subdesenvolvidos;
  • Jogo muito curto e com pouco conteúdo extra;
  • Músicas com melodias pouco marcantes, repetitivas e simples demais;
  • Alguns poucos minigames possuem padrões meio confusos.
Melatonin — Switch/PC — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Half Asleep

Doutorando em Filosofia que passa seu tempo livre com piano, livros, PC e portáteis. No Twitter, também é conhecido como Vivi. Interessa-se especialmente por narrativas de ficção científica, realismo mágico e alta fantasia política, e aprecia mecânicas de puzzle, stealth, estratégia e RPG. Seu histórico de análises pode ser conferido no OpenCritic e suas reflexões sobre RPG e game design encontram-se na SUPERJUMP (textos em inglês), bem como no Podcast do Vivi e em seu canal no YouTube.
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