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Análise: 7 Days to End With You (Switch) trata a língua como um enigma

Jogo de aventura da Lizardry traz um conceito curioso de decifrar outra língua, mas opta por uma visão mais simplista da linguística.

E se você acordasse sem memórias em uma terra distante na qual ninguém fala a sua língua? Essa premissa assustadora é mais ou menos a ideia de 7 Days to End With You e cabe ao jogador tentar decifrar a história neste jogo de aventura diferente desenvolvido pela Lizardry.

Interpretação: decifrando o que fala o outro

Diante de uma moça ruiva misteriosa, você acorda em uma cama, sem memórias e com o corpo dolorido. Logo você percebe que não consegue entender o que ela fala, parece ser outra língua, representada com runas específicas do jogo em vez do tradicional alfabeto romano. Interagir com ela e entender o que está acontecendo não será uma tarefa fácil.
O conceito de aprendizado de uma linguagem ficcional lembra a excelente aventura arqueológica Heaven’s Vault, no qual Aliya precisa desvendar os hieróglifos de um povo antigo enquanto explora uma grande galáxia. Porém, o escopo aqui é muito menor: uma casa, uma personagem que cuida de você e toda a incompreensão do contexto.

Além disso, não há opções de interpretação, deixando o jogador totalmente solto para digitar suas próprias palavras na tentativa de montar uma espécie de dicionário interno. Essa liberdade é uma faca de dois gumes, já que tudo passa a depender do esforço individual e é possível terminar sem ter entendido nada do que aconteceu. Nesse sentido, a experiência ser curta e manter as traduções feitas pelo jogador ajuda a valorizar novas tentativas em New Game+.

Vasculhando uma casa e seus segredos

Visualmente, o jogo opta por um estilo retrô com pixel arts bem coloridas. Cabe ao jogador clicar nos itens que vê para encontrar novas palavras. Após a introdução, temos sete dias para vasculhar todos os cantos junto com a moça ruiva, que reage às coisas que interagimos ampliando o nosso leque de palavras.
 
Impossibilitado de sair do lugar e tendo apenas palavras estrangeiras e objetos para interagir, logo surgem conjecturas sobre a realidade. Em especial, chama a atenção um quarto que parece conter elementos de pesquisa, livros com símbolos ocultistas, entre outras coisas.
Sem entrar em muitos detalhes, as coisas claramente não são simples e há camadas que só podem ser interpretadas chegando ao significado correto dos termos. A trama de fundo é verdadeiramente curiosa quando finalmente entendemos o que está acontecendo.
 
Embora o próprio jogo mencione que é “possível ter várias interpretações” e “todas elas são aceitáveis”, na prática, há uma única solução para cada termo e o jogador pode apenas não ver a verdade. Nesse sentido, a obra tem uma curva engraçada em que o início tende a ser frustrantemente difícil de entender, mas compreender a verdadeira natureza das palavras foi, para mim, igualmente incômodo.

A língua como cifra

Na verdade, o jogo é uma grande cifra em que as letras de cada palavra (originalmente em inglês sem conjugação e detalhes de gramática) são criptografadas em um código de César com número de rotações diferentes.
 
A ideia do código ou cifra de César é a de movimentar as letras de uma palavra pelo alfabeto um certo número de vezes, bastando então andar em reverso para encontrar o termo original. Por exemplo, "AMOR" viraria "BNPS" movimentando uma casa para frente. Alguns jogadores podem passar a experiência toda sem notar e acabar falhando em entender todas as palavras, especialmente quando jogam em outra língua (como o português).
 
Porém, mesmo quem não percebe essa natureza ainda pode fazer associações válidas, afinal a repetição das palavras ajuda o jogador na avaliação lógica e contextual dos termos empregados. Apesar da maior parte da experiência envolver interações simples, há também alguns pequenos minigames, como a possibilidade de cozinhar uma receita. Dessa forma, o jogo testa o seu entendimento dos termos, indicando com os símbolos ◯ ou xcaso o jogador tenha acertado ou errado em suas ações, respectivamente.
Isso, infelizmente, é uma escolha fraca para representar a riqueza linguística, reduzindo o entendimento de uma língua estrangeira a uma cifra simples que segue letra por letra a estrutura de uma palavra. Não consigo evitar de comparar a proposta com Heaven’s Vault, que é capaz de explorar isso de forma mais profunda com elementos de sintaxe próprios e uma estrutura morfológica baseada em radicais e combinação de termos.
 
Além de tudo isso, gostaria de destacar que a trilha sonora é muito simples, tentando reforçar um tom de cotidiano durante boa parte do tempo. Por fim, o jogo também não utiliza a tela de toque no Switch, o que é uma escolha estranha para point-and-clicks e visual novels no sistema, sendo especialmente desconfortável usar a tela de toque para digitar no teclado e depois ter que voltar para os botões.

Um puzzle de entendimento

7 Days to End With You é uma obra curiosa cujo conceito de língua originalmente parece interessante, mas que acaba se mostrando uma visão superficial sobre esse tópico. Ainda assim, os mistérios escondidos por baixo dessa mecânica são curiosos e é um título que fãs de obras narrativas mais atípicas e puzzles lógicos podem ter curiosidade em conhecer.

Prós

  • Curioso conceito de decifrar uma outra língua;
  • A trama possui mistérios bem curiosos de entender a fundo.

Contras

  • A ideia de decodificar outra língua como uma cifra de César é uma visão linguística muito simplista;
  • Não utiliza a tela de toque;
  • Trilha sonora muito simples.
7 Days to End With You — Switch/PC — Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela PLAYISM

é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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