Jogamos

Análise: Trek to Yomi (Switch) brilha muito na cinematografia, nem tanto na jogabilidade

Um estilo artístico que faz jus aos filmes clássicos de samurais é o ponto forte desta jornada reflexiva pela terra dos mortos.



Na mitologia japonesa e no xintoísmo, o Yomi é a representação do mundo dos mortos, aonde as almas vão para descansar por tempo indeterminado. Este antro do pós-vida é comandado por Izanagi no Mikoto e Izanami no Mikoto, divindades responsáveis pela criação do mundo (aliás, recomendo uma leitura mais aprofundada sobre a história de Izanagi e Izanami, além de outras figuras mitológicas do Japão).


Esse conceito do submundo é a inspiração para Trek to Yomi, desenvolvido por Leonard Menchiari e pela Flying Wild Hog e publicado pela Devolver Digital. Sua apresentação visual cinematográfica (que naturalmente é prejudicada no Switch) é tão hipnotizante que chega bem perto de ser bem-sucedida em maquiar os problemas do jogo.

Uma encruzilhada sobrenatural tripla

Hiroki é um jovem espadachim que treina sob a tutela de seu mestre Sanjuro e vive em companhia do sensei e sua filha Aiko, por quem o garoto nutre uma forte paixão. Após um ataque de bandidos, Sanjuro sacrifica a própria vida para proteger seu povo, deixando ao seu pupilo e a sua filha, agora órfã, o dever de liderar a cidade.




Muitos anos depois, Hiroki e Aiko estão devidamente ajustados à função, mas uma nova invasão de criminosos leva a uma sucessão de tragédias, que põe nosso protagonista em um caminho tortuoso através do Yomi. Ao longo dessa jornada, Hiroki refletirá sobre qual deve ser o seu propósito: amor, dever ou vingança.

Sim, essa trama é bem clichê, mas os desenvolvedores de Trek to Yomi souberam trabalhá-la e combiná-la com os verdadeiros destaques do game: a representação da mitologia japonesa; a inspiração no gênero de filmes clássicos de samurai; e uma gameplay que, apesar de seus tropeços, ainda exige reflexos e destreza.

Passando a faca em geral, explorando e esquivando

Trek to Yomi é um simples action adventure com muito combate. A progressão é majoritariamente linear, mas conta com toques de exploração para incentivar o jogador a encontrar itens coletáveis (mais sobre eles adiante na análise).

Quando não estamos batalhando, a movimentação é um pouco mais aberta, ainda que dentro dos confins do caminho que Hiroki precisa seguir; já quando surgem inimigos, o campo de ação muda para uma perspectiva sidescroller 2D, limitando o cenário a um corredor horizontal.




Os comandos básicos são explicados no tutorial que abre a história, mas as ações principais são os golpes forte e fraco, a esquiva e a aparada (parry). Pode parecer pouco, mas as mecânicas planejadas a partir desses comandos carregam o combate do jogo sem deixar a peteca cair… muito.

Aproveitando para mencionar a curta duração de Trek to Yomi, que leva aproximadamente 5 horas para ser concluído, achei até engraçado que, ao contrário da maior parte das críticas negativas que vi tecerem sobre esse aspecto, minha opinião é que o pouco tempo que a jornada de Hiroki leva na verdade age em prol de evitar o agravamento do principal problema do combate: a repetitividade.

Na teoria, o vasto sistema de combos, que vamos incrementando ao longo da campanha ao aprender novos golpes, deveria significar que os confrontos sempre passariam uma sensação de novidade e frescor; na prática, você provavelmente vai decorar um punhado de habilidades — as que foram mais eficazes — e alternar entre elas.

Não ajuda nem um pouco que existam poucos inimigos diferentes para enfrentar, então o que resta é aprender as estratégias para lidar com cada um e aperfeiçoar o timing das aparadas, que recebem o auxílio visual do brilho da espada do adversário para saber a hora certa de apertar o botão. Divertido por um período da campanha (a depender da sua paciência), mas exaustivo mais cedo ou mais tarde.




Pra não dizer que ficamos unicamente dependentes da espada, são adicionadas ao nosso arsenal três armas de longo alcance (shurikens, arco e flecha e canhão de mão), com poderes de fogo e tempos de recarga que variam. Entra aí mais uma dose de estratégia: entender qual arma usar dependendo da situação da batalha em questão.

Faltou afiar melhor a lâmina do fator replay

Além das habilidades, Trek to Yomi recompensa a exploração com itens de aprimoramento para os pontos de vida, o vigor e a quantidade de munição das armas. Nenhum desses upgrades é obrigatório para finalizar a campanha, mas obviamente ajuda bastante.

Também não são obrigatórios para a progressão os artefatos que vamos colecionando, mas ouso dizer que eles acrescentam mais ao entretenimento do que os protocolares itens de melhoria, pois em suas descrições estão narrativas interessantíssimas sobre a mitologia japonesa, em particular a história de Izanagi e Izanami que eu citei no comecinho da análise.




Infelizmente, me deparei com um obstáculo inacreditável no caminho para coletar todos os artefatos: após a conclusão da saga de Hiroki, os desenvolvedores do jogo optaram pela solução absolutamente destrutiva de apagar completamente o progresso — ou seja, não há seleção de capítulos, nem a manutenção dos objetos que já encontramos.

No momento que eu percebi isso, foi embora qualquer possibilidade de rejogar para completar a lista de artefatos ou experimentar o desafio do modo Kensei, em que todos os personagens, incluindo Hiroki, têm apenas um ponto de vida. É extremamente desanimador saber que nada do que você conquistar ficará salvo e que as únicas opções são achar 100% dos itens de uma vez ou começar tudo de novo.

Mitologia E cinema no meu joguinho? Mais que aprovado!

Já falei bastante do quanto a mitologia japonesa é dignamente contemplada em Trek to Yomi. Agora é hora de falar da outra metade da dupla responsável pelo brilho deste título: a temática amplamente inspirada nos clássicos filmes de samurai, sobretudo entre as décadas de 1950 a 1980.

Confesso que, mesmo nunca tendo assistido a clássicos como Os Sete Samurais e Rashomon, não é nem um pouco difícil sentir a influência dessas e outras obras imortais do cinema de ação japonês, a começar pelo absoluto predomínio do preto e branco, do menu inicial aos créditos de encerramento.




A imersão é tão bem-sucedida que são aplicados filtros e outros efeitos para simular um filme rodando em um projetor tradicional de cinema, e não para por aí: as paisagens encontradas, auxiliadas por um excelente trabalho de câmera, compõem um espetáculo visual tão magnífico que nem o já citado downgrade visual do Switch consegue estragar.

Só é uma pena que não seja possível deixar nenhuma recordação de todo esse deleite alvinegro, já que, seja lá por qual motivo, a versão do jogo para o híbrido da Nintendo desabilitou as funções de captura de tela e gravação de vídeos. Mais um prego no caixão do fator replay de um game cujo aspecto audiovisual é tão preponderante.

Um caminho do guerreiro que dá gosto de trilhar

Trek to Yomi é um sólido produto ambientado no Japão feudal, retratando com fidelidade o estilo de vida do Bushido e alguns temas mais gerais, como o luto, as consequências de uma decisão errada e a complexa escolha entre amor, dever e vingança.

O título de Leonard Menchiari e da Flying Wild Hog pode não ser uma experiência tão rica em termos de gameplay, mas embarcar nessa viagem cinematográfica e histórica recheada de conteúdo sobre a mitologia japonesa compensa — e muito — as poucas horinhas investidas.

Prós:

  • Uma obra-prima que combina de forma impecável cinematografia e conteúdo sobre a mitologia japonesa;
  • Faz direitinho a imersão na ambientação do Japão feudal e dos clássicos de samurais, da predominância absoluta do preto e branco aos efeitos que simulam um autêntico filme sendo projetado;
  • Um espetáculo visual, com belas paisagens auxiliadas por excelentes ângulos de câmera e perspectivas;
  • Coletar e ler as histórias dos artefatos é um prazer maior talvez até mesmo que os combates;
  • A mecânica de aparar (parry) é divertida, se dominada com sucesso.

Contras:

  • O tradicional downgrade visual do Switch;
  • O combate consegue se tornar repetitivo dentro da curtíssima duração da campanha;
  • O progresso de jogo é completamente apagado após o término da campanha, incluindo os itens coletados, prejudicando demais o fator replay;
  • As funções de capturar a tela e gravar vídeos foram desativadas na versão de Switch.
Trek to Yomi - Switch/PC/PS4/PS5/XBO/XSX - Nota: 7.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Devolver Digital

Apaixonado por jogos desde criança, principalmente pela Nintendo. Seja Indie ou AAA, os videogames vão estar sempre no meu coraçãozinho, com um espaço especial para multiplayers!
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


Disqus
Facebook
Google