Análise: Winter’s Wish: Spirits of Edo (Switch) tem uma proposta criativa, mas pouco desenvolvida

Não é nem a pior nem a melhor obra do gênero, dando a forte impressão de ter um tema interessante, mas com oportunidades perdidas.

em 12/05/2023

Winter’s Wish: Spirits of Edo é a mais nova visual novel localizada pela Aksys Games e produzida pela Otomate, empresa especializada em jogos com o foco em romances para o público feminino. Além da usual Otomate, a ideia original e produção de Winter’s Wish também ficaram por conta de Yuki Iwai, famoso comediante japonês.

A combinação parece peculiar, e de fato é inesperada, pois o jogo não é um título de comédia romântica e sim um romance histórico com elementos sobrenaturais. Winter’s Wish possui uma proposta de trama bem interessante, como iremos discutir à frente, mas lamentavelmente deixa de alcançar todo seu potencial por não ser devidamente explorada tanto em seu elemento sobrenatural quanto no romance.

Uma garota que vê fios como sentimentos

A protagonista, Suzuno, desde criança, tem o poder de enxergar sentimentos como fios enlaçados nos pescoços das pessoas ou como marcas emocionais deixadas em locais de importância. De acordo com as cores dos fios, ela pode conseguir decifrar o que essas emoções significam. Contudo, Suzuno avisava aos habitantes sempre que via fios da cor negra nas pessoas, pois, para ela, esse era um sinal de mau agouro, com mortes ou desastres acontecendo todas as vezes em que ela os via.
Sem compreender e assustados com os poderes de Suzuno, os habitantes do vilarejo, após a morte do pai da protagonista, decidiram a isolar no topo de uma montanha, temendo que fosse ela a causa dos infortúnios que ocorriam. Exilada, a garota passava a maior parte de seu tempo sozinha, apenas recebendo alguns suprimentos ocasionais e cuidando do túmulo de seu pai, imaginando como poderia fazer amizades.

Os dias passavam de forma mundana, até que, um dia, Suzuno encontra-se com Tomonari Takamura, uma misteriosa figura que diz estar à sua procura e com um mandato do atual xogum para trazê-la imediatamente a Edo, pois necessita de seus poderes. Com isso, a garota não entendia direito como sua habilidade poderia ser útil ao Lorde, mas não havia escolha além de seguir em viagem para Edo com Tomonari, rapaz o qual ela não conseguia, por algum motivo, espantar a sensação de nostalgia que tinha o vê-lo...

Mal sabe ela que isso seria o início de uma aventura na qual ela se juntaria aos Oniwaban, lutando contra criaturas conhecidas como “blightfall”, que surgem a partir de sentimentos negativos. Em sua nova vida, Suzuno conhecerá mais outros cinco guerreiros do Oniwaban, que poderão se tornar seus interesses românticos durante a trama.

Contando com sereno e quieto Tomonari Takamura (CV: Yusuke Kobayashi), o qual é distante com as pessoas, mas gentil com a protagonista, os outros samurais são: Kunitaka Tojo (CV: Tomoaki Maeno), simples e amigável, agindo como um irmão mais velho para a protagonista e outros membros do Oniwaban; Yoichi (CV: Seiichiro Yamashita), um homem arrogante, preguiçoso, mas sincero, que trabalha como vendedor de uma loja de licores como trabalho de fachada e, aparentemente os animais gostam muito dele; Genjuro Kuga (CV: Takuya Sato), um guarda das ruas de Edo, sério, diligente, e confiável, com um interesse genuíno nos poderes da protagonista; Kinji (CV: Daisuke Namikawa), ator de papéis femininos no Kabuki, muito elegante e charmoso, porém com um espírito travesso que adora provocar Suzuno; e,por fim, Ohtaro (CV: Soma Saito), uma pessoa energética e animada que usa o trabalho de anunciante para conseguir informações para Oniwaban.

Tudo que você precisa para jogar uma visual novel

O título possui todas as configurações básicas de um jogo do gênero, como Skip, Log, repetição de vozes, modo automático, galeria, entre outros. Não só isso: possui também opções extras de seleção de capítulos, glossário e pular o texto para a próxima escolha.
 
A opção de se pular o texto e a presença de um glossário são uma mão na roda e eu gostaria que mais visual novels as possuíssem. Em Winter’s Wish, prepare-se para usar bastante esse dicionário, pois, sendo romance histórico da era Kyouho (anos 1716 a 1736 no Ocidente), é natural que muitos termos que não possuam um equivalente em inglês apareçam. São tantos termos, que, na verdade, nem todos conseguiram ser colocados no glossário; porém, isso não atrapalha tanto a leitura e quando não são explicados na própria narrativa do jogo, são apenas pequenos detalhes não tão relevantes para a progressão da história.
 
Tirando esse fato, o glossário também possui a vantagem de ser facilmente acessado apenas com o toque de um único botão quando uma palavra destacada aparece, sem necessidade nem de trocar de tela, explicando com facilidade alguns termos não tão conhecidos para o leitor ocidental do século XXI.

Design e sprites

Entrando no tópico das ilustrações dos personagens, eles ficaram por conta do design e desenhos do Team Nagaoka. Devo admitir que não achei os sprites, neste jogo em específico, de tirar o fôlego, mas ainda assim cumprem seu trabalho e até me afeiçoei um pouco mais nos designs quando parei para prestar atenção em seus detalhes. Cada um dos interesses românticos possui roupas refinadas e com aparência luxuosa, com pompons, estampas harmônicas, bolsas, ornamentos de cabelo, tudo isso em tons frios, lembrando a ideia de inverno.
 
A personagem principal possui uma face, coisa um pouco mais rara em visual novels, entretanto, suas expressões são tão sutis que eu mal conseguia perceber suas emoções, parecendo assim mais uma boneca do que realmente uma pessoa. Cada um dos personagens, exceto a protagonista, tem pequenas animações em seu rosto, piscando e abrindo sua boca para falar, o que é comum em jogos da Otomate, mas não é uma regra.

Ideias interessantes, mas que poderiam ter sido mais bem exploradas

Como eu disse antes, o tema de se ter uma protagonista que enxerga os sentimentos das pessoas é bem interessante, porém, senti que ele não foi explorado com todo seu potencial. Dessa forma, ele acabou se tornando um detalhe extra que muitas vezes é algo que poderia ter sido apenas substituído por descrições de feições ou um “radar de inimigos”, para você ter uma ideia do quão mal utilizado isso pareceu para mim.
 


Ainda nesse tópico, achei um desperdício não terem representado esse poder da protagonista com ilustrações, pois seria uma implementação relativamente simples de se fazer. Visto que as imagens são um benefício das visual novels, seria mais dinâmico e único do que meramente descrever exemplos como “seus fios estavam vermelhos de raiva”. A ausência dessas artes no decorrer do jogo é ainda mais estranha, já que há ilustrações para isso, mas que, por algum motivo, foram usadas somente no prólogo do jogo.

O tema da narrativa dava abertura para trabalhar as emoções humanas de uma forma mais aprofundada, tendo em vista que algumas pessoas necessitam esconder verdadeiras emoções para conseguir sobreviver na sociedade. Mencionarei pequenos spoilers a seguir, então, caso deseje, pule para o próximo parágrafo.
 
Em uma determinada rota do jogo, a protagonista precisa se infiltrar num bordel para recolher informações. Em vez de o roteiro usar desse ambiente para explorar as fortes emoções e traumas que ocorrem em um estabelecimento como esse, com a dualidade de sentimentos que as mulheres que trabalham nesse local sentem, mas não podem expressar, o poder de Suzuno apenas serviu para falar que haviam muitas marcas emocionais negativas no local, e nada mais.

Os exemplos não se restringem somente a essa ocasião, mas muitas outras oportunidades de explorar os sentimentos foram perdidas ou se tornaram rasas e é realmente triste ver que uma ideia tão interessante tenha sido pouquíssimo aproveitada. O jogo tem certo foco em combates, mas apenas um ou outro consegue realmente deixar o leitor empolgado; geralmente, as lutas são desinteressantes e repetitivas, reciclando o clichê de “heróis frustrados por não conseguirem encontrar um ponto fraco do inimigo, Suzuno enxerga a fraqueza e os garotos conseguem derrotá-lo em um único golpe”.

O roteiro, infelizmente, acaba sendo bem previsível e não prende o interesse do jogador. Apesar de algumas rotas serem melhores que as outras, fica difícil recomendar Winter's Wish pela trama, esperando uma história que vá lhe prender do início ao fim.

Achei especialmente irritante a rota do personagem Tojo, com muitos buracos de roteiro e personagens que não pareciam se diferenciar em praticamente nada uns dos outros. Já a rota de Kinji, em seu final, foi bem mais agradável, porém até chegar lá senti que foi um longo e árduo caminho.
 
Ainda, os personagens Ohtaro e Tomonari são bloqueados até se completar ao menos uma rota em cada uma das localidades do jogo, com suas histórias sendo interrompidas abruptamente no capítulo 4 caso seus pré-requisitos não tenham sido completados. Portanto, chegar ao seu “oshi” (personagem favorito pelo qual se tem atração) não é tão simples como o jogo dá a entender em suas escolhas iniciais.

Isso não seria um problema caso todas as rotas tivessem o mesmo padrão de qualidade e fossem igualmente divertidas, ou ao menos com uma trama bem trabalhada para se desenvolver gradualmente. Infelizmente, isso não acontece e é um péssimo problema para quem queria apenas escolher Ohtaro ou Tomonari, fazendo com que essa visual novel se transforme em um verdadeiro jogo de resistência para quem tem interesse nesses dois personagens.

Mas e o romance?

O leitor poderia pensar agora “Tudo bem, o roteiro não é tão incrível assim, mas e quanto ao romance?”, mas lhe respondo com a infeliz notícia de que as relações dos personagens também sofrem do mesmo mal anterior, não sendo bem desenvolvidas e exploradas na maior parte do jogo.

Muitas vezes os relacionamentos acabavam por parecer superficiais, com poucos motivos para a protagonista ou heróis se apaixonarem um pelo outro além de questões físicas. A mudança entre amizade e paixão é repentina e parece que nenhuma das pessoas realmente deveria estar apaixonada uma pela outra, predominando a impressão de um romance forçado.
 
Isso sem contar que a heroína é extremamente ingênua com seus próprios sentimentos, chegando a um nível que, por exemplo, confunde ciúmes com dor no coração por ter subido uma inclinação. Geralmente, sou bem tolerante com esse tipo de personagem, não gosto apenas de garotas confiantes e poderosas, mas Suzuno conseguiu parecer tão “bobinha” que acabei realmente não gostando tanto dela. Em vez de progressão e naturalidade de seus sentimentos, pensamentos como esse acabam apenas reforçando mais ainda minha impressão de que o suposto amor soava forçado.

Um problema comum em localizações de jogos otome

A qualidade da tradução é decente, sendo fiel ao japonês e ao mesmo tempo conseguindo passar as mensagens com certa naturalidade em inglês. No entanto, um problema muito comum das localizações em jogos otome é sua quantidade de erros e de formatação no texto. Inicialmente, seguindo a rota de Tomonari e Tojo, achei que Winter’s Wish não sofria desse mal, mas indo para as rotas mais afastadas do personagem principal, percebi que minha impressão estava errada.
 
Apesar de o título não possuir grandes erros de tradução, como os casos de Café Enchanté ou Collar×Malice, ainda falta cuidado com a formatação do texto. Temos frases saindo de sua caixa, um uso excessivo de palavras em maiúsculo e algumas frases parecem que estavam separadas para serem substituídas em uma revisão, mas acabaram passando batido e ficando por aquilo mesmo. Talvez esses problemas sejam corrigidos no lançamento do jogo, mas, como apenas uma redatora, não posso ter certeza do que acontecerá.

Não é de todo mal, mas também não é de todo bom

Em conclusão, Winter’s Wish: Spirits of Edo é um título mediano, que até poderia valer a pena para jogar uma ou outra rota caso esteja curioso com algum personagem ou tenha poucas opções de um próximo otome traduzido para ler, porém, me questiono sobre a escolha da localização desta visual novel em particular, pois há diversos jogos no catálogo da Otomate mais fortes tanto na questão de romance quanto na questão da narrativa. Lamentavelmente a história de Winter’s Wish não parece conseguir se destacar nem nas batalhas, nem nos relacionamentos com os rapazes.
 
Digo com pesar que a visual novel fica apenas na média, ou um pouco abaixo, sendo que tinha uma proposta e cuidado com sua aparência suficientes para oferecer uma história única e marcante. De qualquer forma, espero que mais títulos da produtora sejam publicados futuramente, pois o gênero otome possui muitas obras brilhantes que merecem seu espaço no Ocidente.

Prós

  • Tema interessante com uma lore diferente do padrão;
  • Arte atrativa, especialmente as roupas elegantes dos personagens;
  • Glossário robusto que explica diversos termos da era Kyouho;
  • Opção de pular os diálogos para a próxima escolha e de selecionar capítulos;
  • Mais um título para a lista dos poucos romances históricos localizados no Ocidente.

Contras

  • Impressão de potencial desperdiçado na temática do jogo, que é pouco trabalhada;
  • A progressão da história é previsível;
  • O romance não é bem trabalhado e não passa a sensação de naturalidade;
  • Algumas rotas são bem piores que as outras;
  • Erros de formatação no texto;
  • Combates curtos e sem emoção;
  • Protagonista com uma construção de personagem bastante superficial;
  • O jogo tem pouco a oferecer além de sua apresentação.
Winter’s Wish: Spirits of Edo — Nota: 6.5
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Aksys Games


Fascinada pela cultura japonesa dos anos '80, '90 e '00. Ama livros, mangás, sua gata maluca, mahou shoujo e jogos. Em especial Dragon Quest, Fire Emblem, Famicom Detective Club, Okami, JRPGs, retrô, Bishoujo & Otome games. Sempre em busca de jogos estranhos ou com propostas inusitadas. Estuda japonês nas horas vagas para conhecer mais obras do tipo.
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