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Análise: Jack Jeanne (Switch) traz brilho aos palcos, mas não como visual novel

Misturando simulação e jogo de ritmo, o título da BROCCOLI tenta se reinventar no gênero, mas sem muito sucesso.

Jack Jeanne é a mais recente visual novel a ser trazida para o Ocidente pela Aksys Games. Desenvolvida pela BROCCOLI, a história até desperta o interesse de pessoas que gostam dos bastidores do teatro, mas a trama acaba sendo trocada — e muito — por elementos de simulação e jogos de ritmo.

Kiss kiss fall in love!

A protagonista Kisa Tachibana sonha, desde pequena, em seguir os passos do irmão mais velho, Tsuki, e se formar na Univeil Drama School como uma renomada atriz de teatro. No entanto, essa prestigiada academia aceita apenas estudantes homens, o que deixa Kisa sem perspectivas para seu futuro.

Certo dia, ela é abordada por ninguém menos que o próprio diretor da Univeil, que dá à protagonista uma chance única de realizar seu sonho. No entanto, Kisa precisa atender a duas condições: fingir ser um homem (e não ser descoberta por ninguém) e destacar-se como melhor atriz (ou seria ator?) da sua turma.

Depois de uma acirrada audição, Kisa finalmente é aceita na escola de seus sonhos. Porém, em meio a tantos rapazes lindos, portar-se como um homem não é tarefa fácil, ainda mais quando a protagonista precisa fingir não ter nenhum parentesco com o lendário Tsuki Tachibana.

Confesso que, inicialmente, a premissa me chamou a atenção justamente por trazer o fator do crossdress como chamariz, que explicarei mais adiante. No entanto, me senti um pouco decepcionada com o desenrolar da trama como um todo, porque temos aqui basicamente uma releitura do mangá Ouran High School Host Club, de Bisco Hatori.


Para quem não conhece ou lembra, Ouran gira em torno da jovem Haruhi, que acidentalmente gera uma dívida de 8 milhões de ienes ao Host Club da fictícia escola Bunkyo. Para quitar esse débito, os integrantes do clube passam a tratá-la como sua serviçal; porém, eles veem em Haruhi um dom natural para agir como host e, dessa forma, ela passa a atuar como um rapaz.

O desfecho, tanto de Jack Jeanne quanto de Ouran, não podia ser mais previsível: ambas as protagonistas acabam se apaixonando por um rapaz e colocando um fim ao seu disfarce. A única diferença é que, no caso de Kisa, a heroína tem seis pretendentes em Univeil, seguindo a tradicional receita de múltiplos interesses amorosos das visual novels não lineares.

Em suma, o roteiro é simples e bem direto ao ponto. Embora seja interessante, ainda mais por focar nos bastidores das produções teatrais, acaba sendo insosso, tal qual uma comédia romântica dos anos 2000 — o famoso mamão com açúcar. 

No entanto, foi difícil me sentir "fisgada" pela história, e foi mais difícil ainda não traçar paralelos com outras visual novels que já analisei para o Nintendo Blast. Senti falta de mais momentos de tensão e conflitos, algo que Jack Jeanne apresenta bem timidamente.

Jack e Jeanne, quatro casas e um único palco

Por ser uma escola teatral exclusivamente masculina, os jovens atores são divididos em duas categorias: Jack, aqueles que performam nos papéis masculinos, e Jeanne, os femininos; há ainda os Jack Ace e os Al Jeanne, como são chamados os protagonistas nas produções teatrais. Não existe uma regra específica para determinar qual estudante atuará em cada categoria, mas, com o passar do tempo, alguns se destacam mais como Jack, enquanto outros, como Jeanne.

Além disso, a Univeil divide seus alunos em quatro casas (ou dormitórios): Quartz, que traz alunos com potencial em diversas áreas; Rhodonite, cuja especialidade é o canto; Onyx, que conta com excelentes dançarinos; e Amber, que agrupa personalidades excêntricas que fogem do padrão. Os alunos-atores são dispostos em cada casa de acordo com suas performances nas audições admissionais — e para a surpresa da protagonista Kisa, ela acaba na Quartz, grupo no qual seu irmão fez seu nome como “Jack Lendário da Univeil”.

Durante o ano letivo, a escola prepara diversos concursos teatrais entre as casas, não apenas para preparar os jovens atores para os palcos da vida real, mas também incentivar a competição amigável entre eles. Obviamente, como parte do acordo entre Kisa e o diretor da Univeil, a garota precisa levar sua casa, Quartz, à vitória, então já temos aqui a receita da visual novel: o dia a dia da heroína como estudante de teatro e como ela se relaciona com os demais alunos da academia.

O único porém é que, para tentar tirar o foco da jogabilidade “mais do mesmo” de fazer escolhas aqui e ali, como é padrão nas visual novels não lineares, Jack Jeanne aposta em um sistema de simulação de parâmetros — Spirit (Espírito), Insight (Compreensão), Voice (Voz), Agility (Agilidade), Charisma (Carisma) e Drama —, que ajudam a determinar a performance de Kisa nas apresentações. Cada um desses atributos também serve como um “facilitador” para atrair o interesse de um dos rapazes da Quartz — Suzu Orimaki, Soushiro Yonaga, Mitsuki Shirota, Kai Mutsumi, Sarafuni Takashina e Kokuto Neji.


De segunda a sexta, podemos escolher um ou múltiplos parâmetros para aumentar em troca de Health (como é chamada a energia no jogo) e, nesse meio-tempo, acompanhamos a rotina dos estudantes, que, aí sim, é contada em forma de visual novel. Eventuais escolhas devem ser feitas aqui e ali, como de praxe, mas não chegam a ser complexas a ponto de deixar o jogador em dúvida quanto ao que fazer para agradar ao seu garoto favorito (pelo menos, eu não achei).

Aos fins de semana (sábado e domingo), Kisa pode escolher descansar para repor sua saúde ou passar um tempo sozinha ou com seus colegas da Univeil, rapazes da Quartz ou de outras casas com quem ela for criando intimidade. Em alguns momentos, dependendo dos parâmetros da protagonista, sair com os colegas da sua casa pode resultar em eventos especiais, que servem para desenvolver esses personagens e suas relações interpessoais como um todo.

Como mencionado, treinar os parâmetros acaba sendo a principal parte da jogabilidade de Jack Jeanne, já que os prazos são determinados pelas encenações da escola, que são cinco no total. Esse sistema de simulação casa com o segundo ponto fora da curva: dois jogos rítmicos, um para a dança e outro para o canto — porque, claro, atores teatrais precisam saber dançar e cantar também. Desse modo, durante a rotina na Univeil, em alguns pontos podemos ensaiar as coreografias e músicas da apresentação a estar por vir.

Não vou me estender muito nesse quesito da jogabilidade, porque ainda quero abordar outros aspectos do jogo, porém quero ressaltar que os tutoriais são bem satisfatórios como um todo. A única dificuldade que eu realmente tive foi entender o timing de apertar os botões nas performances de canto, mas isso eu acredito que tenha a ver com minha falta de habilidade em jogos rítmicos como um todo.

Ídolos sob outra ótica

Apesar de eu ser a favor de quebras de padrões, na minha opinião, Jack Jeanne acabou se distanciando de seu próprio gênero. Quem tem mais familiaridade com o mundo dos ídolos logo perceberá as várias semelhanças da visual novel com franquias como The iDOLM@STER, Love Live!! e até mesmo Uta no Prince-sama, esta última uma IP da própria BROCCOLI.

A grande diferença aqui é que temos roteiro e arte assinados por Sui Ishida, autor do idolatrado mangá Tokyo Ghoul. No entanto, devo dizer que, mesmo achando os designs incríveis, sobretudo os figurinos para as peças, achei a combinação um tanto quanto estranha.

Explico: dentro da demografia otome, marcada por rapazes estonteantes e demasiadamente belos (o chamado efeito bishounen), os meninos de Jack Jeanne são até bem comuns — bonitos e únicos? Sim, mas dificilmente associados à demografia em questão.

Contudo, isso não quer dizer que eu não tenha gostado dos meninos — em especial, o “idiotinha” do Suzu (acho que eu tenho uma queda por personagens assim em visual novels). Eles são, à sua maneira, bem-construídos e têm personalidades próprias, então é interessante ver como eles se relacionam com Kisa e o restante dos colegas.

Se, por um lado, Jack Jeanne não se garante tanto como uma visual novel, pelo menos na parte idol o jogo acertou. Os roteiros das peças são interessantes — e podem ser acessados na galeria quando a performance é concluída — e as músicas são excelentes, sendo, inclusive, o ponto alto do game como um todo. A dublagem em japonês também não deixa a desejar em nenhum aspecto e achei que as escolhas de dubladores combinaram com as personalidades dos personagens.

Por fim, temos diversos recursos de qualidade de vida, como as funções de quick save/load, mudar a velocidade do texto, ajustar quais porções serão puladas quando ativarmos o skip, entre outras, bem como mudar os controles dos minijogos rítmicos. E sim, com exceção das partes rítmicas, podemos jogar Jack Jeanne usando a tela de toque do Switch.

Um idol game, mas não visual novel

Jack Jeanne traz uma história simples e um tanto clichê, fato, mas com certeza agradará aos fãs de produções teatrais. Infelizmente, embora tente se reinventar no gênero visual novel, o jogo acaba focando mais em elementos de simulação e rítmicos, deixando o aspecto narrativo um pouco de lado, algo que, na minha opinião, tornou a jogabilidade um tanto maçante com o passar do tempo. 

De modo geral, o mais novo port da BROCCOLI pro Ocidente entretém e traz uma apresentação audiovisual muito bem trabalhada, com dublagem e trilha sonora marcantes e uma caprichada arte assinada por Sui Ishida, mas, pesando os prós e contras, realmente não me senti jogando uma visual novel.

Prós

  • Belíssima apresentação audiovisual, sobretudo as músicas e os figurinos das peças teatrais;
  • Os roteiros das encenações são bem-escritos;
  • Personagens carismáticos e distinguíveis, com arte assinada por Sui Ishida;
  • As porções de simulação e rítmicas ajudam a quebrar o padrão do gênero visual novel;
  • Galeria extra com CGs, músicas e até mesmo os roteiros das peças;
  • Qualidades de vida em relação às configurações do jogo;
  • Suporte à tela de toque do Switch.

Contras

  • As porções textuais acabam comprometidas pelos sistemas de simulação e minijogos rítmicos, distanciando o jogo de seu gênero;
  • História “mamão com açúcar”, com poucos conflitos e desenvolvimento previsível em diversos pontos;
  • Lembra mais um idol game que uma visual novel;
  • Jogabilidade arrastada e repetitiva depois de um tempo;
  • Arte que não combina com a demografia otome.
Jack Jeanne — Switch — Nota 8.0
Revisão: Davi Sousa
Análise produzida com cópia digital cedida pela Aksys Games

Também conhecida como Lilac, é fã de jogos de plataforma no geral, especialmente os da era 16-bits, com gosto adquirido por RPGs e visual novels ao longo dos anos. Fora os games, não dispensa livros e quadrinhos. Prefere ser chamada por Ju e não consegue viver sem música. Sempre de olho nas redes sociais, mas raramente postando nelas. Icon por 0range0ceans
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