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Análise: Punhos de Repúdio (Switch) tem um discurso relevante, mas uma gameplay sem brilho

Este beat ‘em up brasileiro chega um pouco tarde ao console da Nintendo, mas ainda rende boas risadas com as amizades.

Identificada oficialmente no último dia de 2019 e declarada pela OMS como encerrada apenas em maio deste ano, a pandemia de COVID-19 é, sem dúvidas, um dos piores acontecimentos globais recentes, vitimando até então mais de 700 mil pessoas somente no Brasil. Seus efeitos trouxeram consequências pesadas para nós, tanto coletiva quanto individualmente.


O contexto da pandemia no nosso país não ajudou nem um pouco, com boa parte da população, incluindo o Presidente da República à época, embarcando em uma forte onda de negacionismo contra elementos primários de saúde básica, como o uso de máscaras, o distanciamento social e até mesmo o desenvolvimento e aplicação de vacinas contra o COVID-19.

A frustração e revolta geradas por essa situação foram a motivação por trás de Punhos de Repúdio, beat ‘em up desenvolvido e publicado, respectivamente, pelas brasileiras Braindead Broccoli e QUByte Interactive. O jogo foi lançado para PC em agosto do ano passado e somente agora chega ao Switch, perdendo parte do timing, mas ainda mantendo muita relevância, já que o dano causado pela pandemia não vai ser reparado tão cedo.

Fala com os meus punhos, negacionista!

A trama de Punhos de Repúdio se passa em uma cidade comum que subitamente se vê contaminada por um vírus letal que está se espalhando pelo mundo e levou a população a entrar em quarentena. A esperança está em um grupo de cientistas que busca desenvolver uma vacina contra essa ameaça, mas uma resposta efetiva ainda está longe no horizonte e, infelizmente, uma parte dessa galera decidiu ignorar os riscos e desprezar as medidas de segurança adotadas contra o vírus, pondo em risco a segurança geral.





Completamente cansadas do pouco caso dos negacionistas, comandados por um Presidente com uma insaciável sede de poder, as amigas Laura, Nina, Olga e Lola recorrem a um método extremo, mas eficaz para lidar com o problema: a boa e velha porradaria. O caminho não será fácil, já que os seguidores deste líder nefasto estão empenhados em seu fanatismo e farão de tudo para impedir nossas heroínas e atrapalhar o progresso da ciência.

Vai ter crítica social nos meus videogames, sim!

Quero deixar bem claro um ponto importante: Punhos de Repúdio é uma obra que não faz esforço nenhum para esconder o seu tom de crítica político-social. Muito pelo contrário: a intenção da Braindead Broccoli é justamente extravasar, no ambiente dos videogames, o que muita gente sentiu nos últimos três anos, e dar a tantos outros a oportunidade de fazer o mesmo.

Prova cabal do tamanho dessa vontade de botar pra fora a sensação de impotência frente ao avanço do coronavírus é o resultado da campanha de financiamento coletivo para o desenvolvimento do game, que arrecadou um valor superior em mais de dez vezes à meta estabelecida.




Naturalmente, isso implica em estreitar consideravelmente o público-alvo do jogo, cujo objetivo principal é satirizar o comportamento de parte da população brasileira frente à pandemia de COVID-19. A própria desenvolvedora tem plena noção do descontentamento que o conteúdo de Punhos de Repúdio acarretará, e faz questão de deixar a mensagem explícita antes mesmo do menu inicial.

Discurso de qualidade, trocação de socos pouco inspirada

Feita a ressalva, vem a dúvida: o que Punhos de Repúdio tem a oferecer não como forma de crítica social, mas como um beat ‘em up? A resposta curta é: não muito. Talvez isso desagrade aos que esperavam mais do que uma válvula de escape dos problemas decorrentes da pandemia, mas fica bem evidente que a pancadaria não é o foco — o que não significa que não seja uma experiência satisfatória.

Acho que o adjetivo mais adequado para definir a gameplay aqui seria “medíocre”, na acepção da palavra, porque ele é exatamente isso: não é um beat ‘em up ruim, nem maravilhoso, apenas existe para sustentar os demais aspectos da obra.




A campanha (que, por sinal, é curtíssima, podendo ser concluída em menos de duas horinhas) é o que se espera: siga em frente socando todos os inimigos até não haver mais nenhum na tela e você chegar ao chefão da fase. Concluir a história libera o menu de extras, que disponibiliza informações sobre as heroínas e seus inimigos; uma lista de cutscenes; e a trilha sonora completa, além dos créditos do jogo.

Diversos itens estão espalhados pelo caminho para usarmos como arma, além de máscaras que nos dão vidas extras e frascos de álcool em gel para repor a barra de HP. Também faz parte do arsenal das guerreiras um ataque especial que pode ser disparado após a barra correspondente ser preenchida, o que acontece a cada golpe que acertamos.

As moças que estrelam a saga de surrar negacionista operam de maneiras distintas, com parâmetros variados de força bruta, agilidade e alcance — resta o repúdio, mas o nível de todas está no máximo, porque a vontade de quebrar a cara dos babacas é a mesma. Ao longo da campanha, elas vão coletando pedaços de livros específicos para cada uma; quando reunimos três partes, um novo movimento é aprendido.




Entre os cenários, há um charmoso overworld com sprites bem fofinhos das protagonistas para caminhar pela cidade e conversar com os cidadãos nas ruas enquanto nos dirigimos ao próximo nível. Por meio de uma NPC específica, podemos comprar itens com o dinheiro derrubado pelos inimigos derrotados; cada personagem pode estocar apenas um objeto, que lhe garantirá um dentre alguns efeitos passivos, como carregar a barra de ataque especial mais rapidamente.

A fórmula do gênero popularmente conhecido por aqui como “briga de rua” é seguida à risca, praticamente sem fugir do básico. Tudo na jornada de Laura e companhia evoca a vibe retrô de clássicos dos fliperamas e consoles como Final Fight e Streets of Rage, da progressão linear por estágios à trilha sonora — aliás, o que a música do chefão da primeira fase me lembrou da renomada franquia da Sega não tá no gibi.

Para o bem e para o mal, uma obra com cara de Brasil

Ao passo que o lado beat ‘em up de Punhos de Repúdio não fede nem cheira, podemos dizer o completo oposto da sua caracterização, pois é nela que o trabalho da Braindead Broccoli brilha — e como brilha. Há um cuidado em fazer o recorte específico dos últimos três anos de Brasil que somente uma equipe composta por brasileiros que viveram esse período dentro do país conseguiria ter.




Cada pedacinho do jogo evidencia o quanto seus desenvolvedores conhecem a cultura popular e a sociedade brasileira, retratadas com um humor carregado de uma mistura de sentimentos que foram se intensificando à medida que a pandemia foi acontecendo e a catástrofe foi se agravando.

Toda a raiva, tristeza, frustração e esperança em um futuro melhor foram transportadas para o projeto, desde a elaboração do enredo ao uso de uma linguagem explicitamente agressiva, que deixa bem claro o cansaço de viver uma rotina pesadíssima, na qual se informar diariamente sobre a morte de milhares de pessoas virou algo banal.

Por um lado mais positivo, toda essa carga negativa é trabalhada de modo a deixar a gameplay leve e divertida, sobretudo com a presença de amigos para compartilhar as risadas a cada referência identificada, com direito a garrafinhas de Corote e latinhas de Skol. Portanto, atenção constante para não deixar passar nada!




A lista de inimigos é outro show de caracterização: temos os tradicionais “cidadãos de bem”, os abomináveis heterotops, os fanáticos religiosos e até mesmo Terras planas — literalmente! Os chefões garantem mais algumas boas doses de riso, principalmente se você conseguir identificá-los, mas vou evitar maiores detalhes para não dar spoilers.

Algumas particularidades do período de pandemia também foram contempladas. Lembra dos golpes especiais das protagonistas? Eles evocam, de maneira bem-humorada, figuras e expressões comumente usadas nos últimos anos, como home office e distanciamento social —  apenas mais um de muitos detalhes que contribuem com a qualidade geral da obra.

Faltou um pouco mais de álcool em gel nesse port

É uma pena que a performance de Punhos de Repúdio no Switch não esteja no nível do entretenimento descrito há pouco. Algumas falhas marcam o port para o console, começando por uma tela inicial de carregamento absurdamente demorada, mas o maior obstáculo de desempenho está nas quedas na taxa de quadros.




O hardware não consegue lidar com grandes quantidades de elementos presentes em tela, levando a travamentos que ficam piores conforme mais pessoas se juntam ao grupo. Esse problema não torna a jogatina impraticável, mas fica chato ter que lidar com os congelamentos de tela, ainda mais quando o cenário está lotado de inimigos vindo de todas as direções e mal dá para distinguir onde a sua personagem está.

Outra questão que me chamou a atenção é a dificuldade da aventura, que não segue um crescimento proporcional ao número de jogadores. Na verdade, fica a sensação de que não há mudança alguma no nível de desafio, pois a campanha se torna MUITO mais fácil com quatro pessoas, sem qualquer alteração aparente, como um aumento na quantidade de inimigos ou mais HP para os chefes.

Por fim, me deparei com um incômodo menor, referente ao tocador de músicas no menu de extras, que reproduz apenas a primeira faixa escolhida. Mesmo que eu selecione outras, o jogo simplesmente repete desde o começo a que já estava tocando. Só consegui resolver esse bug voltando à tela inicial e reabrindo a aba de músicas, mas ele tornou a acontecer de maneira consistente com qualquer faixa que eu tocasse. Uma pena, porque a trilha sonora é maravilhosa.

Um longo caminho pela frente

Punhos de Repúdio pode até não ser um exemplar primoroso do seu gênero, nem estar sendo lançado para o Switch no momento mais relevante para a mensagem que quer passar, mas isso não a torna menos importante de ser passada. Afinal, faz pouco mais de um mês que foi feito o anúncio do fim da emergência de saúde pública para a COVID-19; ou seja, não estamos nem perto de nos livrar das consequências deste pesadelo, em especial as de longo prazo.




Ainda precisamos nos esforçar para que as coisas melhorem, e deve levar um bom tempo para que os últimos três anos se tornem memórias minimamente distantes, então certamente há bastante mérito em um beat ‘em up com pegada retrô que funciona como forma de descontrair e botar pra fora alguns sentimentos angustiantes dessa época. O que não falta são motivos para isso.

Prós:

  • Faz uma crítica social que permanece extremamente relevante, principalmente no contexto do período de pandemia do COVID-19 no Brasil;
  • O trabalho de caracterizar o recorte dos últimos três anos no nosso país é sensacional, mostrando conhecimento de causa e muito carinho pelo projeto;
  • Sua linguagem agressiva expressa bem a frustração e o cansaço de viver a rotina de pandemia;
  • Soube reunir parte do que aconteceu de pior com a nossa sociedade recentemente e satirizá-la por meio de um humor cheio de referências à cultura brasileira, tanto boas quanto ruins, mas mostradas de maneira leve e divertida.

Contras:

  • O foco em passar a mensagem de crítica ao negacionismo fanático acaba deixando o aspecto beat ‘em up de lado, sem muitos atrativos além do que já se espera de um jogo do gênero;
  • A campanha é curtíssima, levando em torno de duas horas para ser concluída
  • Quedas na taxa de quadros, que se tornam ainda piores com mais jogadores e quando há muitos elementos na tela;
  • A dificuldade da campanha não acompanha o acréscimo de jogadores, permanecendo a mesma e deixando o jogo bem mais fácil com quatro participantes;
  • O tocador de músicas no menu de extras reproduz apenas a primeira faixa escolhida, e mesmo após ir à tela inicial e retornar à playlist para consertar o bug, ele torna a acontecer.
Punhos de Repúdio — Switch/PC — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela QUByte Interactive

Apaixonado por jogos desde criança, principalmente pela Nintendo. Seja Indie ou AAA, os videogames vão estar sempre no meu coraçãozinho, com um espaço especial para multiplayers!
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