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Análise: Master Detective Archives: RAIN CODE (Switch) é uma decepção lamentavelmente repetitiva

Uma reciclagem das principais mecânicas da franquia Danganronpa prejudica o que esta aventura investigativa tem de original.



Desde que Master Detective Archives: RAIN CODE foi revelado, ainda sob o nome “Enigma Archives: RAIN CODE”, a minha expectativa começou grande e só fez aumentar — afinal, trata-se do mais novo projeto da Spike Chunsoft, conhecida principalmente pela franquia Danganronpa. O que será que poderia vir de uma nova IP de mistério policial após o sucesso retumbante dos conflitos entre esperança e desespero?


O resultado é o que acontece quando desenvolvedoras tentam sair da zona de conforto após um longo período, mas não conseguem ousar tanto: uma base formada por algumas novas ideias promissoras, mas que se perdem em meio a conceitos que já foram vistos repetidamente em trabalhos anteriores.

Não sei o que tá faltando mais, memória ou criatividade

Você acreditaria se eu dissesse que a história de um novo jogo desenvolvido pela Spike Chunsoft tem como protagonista uma pessoa com amnésia, que acorda em um lugar sem a menor ideia de como foi parar lá?

Pois é… Eu também queria não acreditar, mas eis que Rain Code nos introduz a Yuma Kokohead, um jovem que se vê dentro da seção de achados e perdidos de uma estação de trem, mas não tem qualquer memória do que faz nesse lugar, ou sequer de si mesmo.




Após uma rápida análise da situação, ele descobre ser um membro da Organização Mundial de Detetives, que emprega Mestres Detetives, investigadores incumbidos de solucionar mistérios com o auxílio de habilidades especiais chamadas Fortes Forenses. Yuma precisa embarcar em um trem rumo a Kanai Ward, cidade conhecida por estar isolada do resto do mundo, e para a qual vários Mestres Detetives foram convocados para lidar com uma situação alarmante.

O protagonista chega à embarcação pertencente à Amaterasu Corporation, megacorporação que possui empresas em diversos setores e atualmente controla Kanai Ward de maneira abusiva e sem qualquer supervisão dos governos mundiais. A força policial do lugar, composta pelos Pacificadores, é conhecida por tratar os crimes com desleixo e desonestidade, acobertando e forjando evidências em benefício próprio, perpetuando a manutenção do poder.

Dentro do trem, Yuma conhece alguns de seus colegas detetives e acaba descobrindo parcialmente o motivo da sua amnésia: o garoto aparentemente vendeu a alma a uma entidade chamada Shinigami, uma deusa da morte que explica que tirou as memórias dele como parte do contrato, por razões que não podem ser reveladas.




Não vou entrar em detalhes para não revelar muito deste início de campanha, mas a tensão sobe sem demora e mistérios cabeludos vão surgindo. A trama até que começa bem, introduzindo personagens, cenários e contextos de maneira intrigante, mas o que se seguiu foi minando gradativamente minha animação.

Dois mundos distintos são

Após os acontecimentos dos capítulos iniciais, o panorama formado é: a fim de descobrir os planos da Amaterasu, Yuma e os demais Mestres Detetives em Kanai Ward deverão investigar uma série de casos para chegar às verdades que a corporação quer acobertar.

A gameplay prática se divide em duas partes. A primeira, claro, se passa no mundo real, em que devemos fazer o trabalho padrão de circular pela cidade investigando cenários, interrogando testemunhas, coletando pistas, e por aí vai. Quando chega o momento em que coletamos material suficiente para alcançar a conclusão correta, entra o elemento sobrenatural.




Para ajudar nosso protagonista, a misteriosa Shinigami faz valer o pacto estabelecido e empresta a ele seus poderes, que são fundamentais na resolução dos mistérios que se apresentam. Ao revelar sua verdadeira forma, a deusa da morte nos transporta aos Mystery Labyrinths, estruturas interdimensionais que consistem em representações físicas de crimes sem solução. Chegar ao final delas significa chegar à solução dos casos.

Ao invés de simples paredes ou armadilhas literais como espinhos e alçapões ocultos, os obstáculos aqui são os mesmos que encontramos no mundo real — ou seja, questionamentos sobre o caso e indivíduos que não querem que a verdade venha à tona. Porém, nos Mystery Labyrinths, eles se manifestam de um jeito diferente, conforme veremos mais adiante.

Reciclar é sempre importante, mas tudo tem limite, né?

Era inevitável que Rain Code carregasse consigo a expectativa de todo um público que se encantou com Danganronpa. Talvez a pressão de desagradar à fanbase da franquia, que é notadamente passional com as obras que consome, tenha levado a Spike Chunsoft a recear uma experiência muito destoante do que já deu certo, mas o fato é que fica escancarado o quanto a jornada de Yuma Kokohead se escora nos jogos de matança orquestrados por Monokuma e sua turma.



Essa forte “inspiração” se manifesta ao longo de toda a campanha, mas em nenhum momento ela é tão evidente quanto nos Mystery Labyrinths. Neles, os obstáculos aos crimes da vida real assumem o papel dos minigames da vez, que, bem… Quem já jogou qualquer um dos três títulos principais de Danganronpa certamente vai notar a “semelhança”.

Além das bifurcações em forma de pergunta, que servem para sanarmos dúvidas mais diretas pertinentes aos casos, as atividades principais encontradas nos labirintos são o Reasoning Death Match (RDM); Spot Selection; Shinigami Puzzle; GOD Shinigami; e Deduction Denouement.

Começando pelo RDM, temos o equivalente aos Nonstop Debates, mas aqui os únicos outros participantes nas discussões um contra um serão os Mystery Phantoms, versões monstruosas de antagonistas no mundo real que tentarão refutar as evidências que coletamos, denominadas Solution Keys. Assim como nos debates entre estudantes, é preciso que encontrar as contradições nas falas dos oponentes e equipar a espada recebida da Shinigami (de dentro da boca dela) com a Solution Key correta, que vira uma Solution Blade (Lâmina de Solução).




Até mesmo a ação durante os duelos tira uma página do manual dos Nonstop Debates e figura um elemento de ritmo na ação. Em Rain Code, as falas dos Mystery Phantoms literalmente viram paredes de texto que prosseguem na nossa direção, exigindo que desviemos para uma das quatro direções para não levar dano.

O Spot Selection é a extremamente maçante atividade de apontar para um ponto em uma imagem, a fim de responder a uma questão que se apresentou em determinado momento dos labirintos, e o Shinigami Puzzle… é um Jogo de Forca, em que a Shinigami, trajando um biquíni em um cenário de praia, entra em um barril com letras ao redor. O objetivo é atirar nas letras para formar a palavra-chave para a pergunta que surge.

Sim, a Spike Chunsoft achou que seria uma boa ideia incluir DE NOVO uma atividade que basicamente requer que o jogador saiba soletrar uma palavra em inglês. Eu não sei se tem alguém na empresa que é viciado em jogar Forca no horário de almoço, mas aqui estamos. Nada mais a comentar, e espero de coração não ter que presenciar novos exercícios de alfabetização em um videogame.




Prosseguindo com o GOD Shinigami, vemos aqui o primeiro vestígio de originalidade na composição dos minigames, o que não quer dizer que tenhamos um bom joguinho. Ao chegarem perto de ser desmascarados em suas mentiras, os Mystery Phantoms estabelecem verdadeiras fortalezas de argumentação, as quais precisamos destruir após transpor obstáculos como muros enormes, bolas de destruição e trincheiras de estacas bem afiadas.

Felizmente, Shinigami se transforma em uma gigante capaz de passar por tudo isso à base de pontapés, investidas e saltos. Caso tudo isso pareça ser muito emocionante, já adianto que não é. Basicamente, é só apertar o botão correspondente na hora certa para superar cada ameaça.

Para encerrar o desfile de minigames decepcionantes, chegou a hora do Deduction Denouement, uma repetição das conclusões de julgamento em Danganronpa que apresentam uma história em quadrinhos com espaços vazios que precisamos preencher para narrar os acontecimentos dos casos de forma resumida.




Consigo dizer sem esforço que os minigames dos Mystery Labyrinths foram a minha principal fonte de frustração para com Rain Code. Não é como se o jogo tenha se tornado absolutamente injogável e não possua quaisquer pontos positivos, mas depois de três Danganronpas que já abusaram bastante da reciclagem de ideias, a última coisa que eu queria encontrar era uma quarta versão de Jogo de Forca (que sinceramente, parece mais uma desculpa pra meter a menininha de anime num biquíni fazendo poses).

Nem um terraplanista pensaria em personagens tão planos

Se você achou que a reutilização de ideias ficaria apenas nos desafios do Mystery Labyrinth, lamento ter que te desapontar assim como eu fiquei desapontado ao prosseguir com os casos de Rain Code. Exceto pela parte narrativa, que obviamente traz um enredo, personagens e cenários inéditos, há pouco na história de Yuma com o qual não dê para traçar um paralelo com algum elemento de Danganronpa.

Acho que o aspecto que mais difere as duas IPs é o fato de o jogo agora se passar em um cenário aberto, sem uma situação de confinamento como cerne da trama. Essa divergência nos dá um pouco mais de liberdade para explorar, sem falar na interação com pessoas que não sejam colegas de encarceramento ou ursinhos de pelúcia malignos.




Por falar na exploração, mesmo com a mudança no escopo do ambiente, o resultado acaba sendo o mesmo: conversar com pessoas e analisar cenários e objetos para ganhar experiência (Detective Points), subir de nível e adquirir Skill Points para comprar habilidades que ajudam na parte prática da gameplay. A diferença é que, ao invés de uma lista simples de skills que compramos e equipamos, a estrutura adotada é a da árvore de habilidades, com ramificações que exigem o desbloqueio dos poderes iniciais para alcançarmos os mais potentes.

Para ajudar na obtenção dessas habilidades, Kanai Ward tem sua cota de transeuntes em apuros, o que se traduz em missões paralelas que nada mais são do que andar de um local a outro para cumprir os objetivos e ganhar Detective Points. Os pontos de interesses até estão marcados no mapa, então você só precisa fazer o esforço de se locomover. Em resumo: um grind enfadonho ao extremo.

Entrando no território dos personagens, o que se vê é um festival de clichês de animes bobos, infantilizados e repetidos à exaustão. Eu sei que Danganronpa não é exatamente um modelo de construção de personagens, mas a naturalidade no comportamento das pessoas em Rain Code beira a inexistência. É a personagem avoada, a gananciosa que faz pose de durona, o mentor desleixado, o preguiçoso blasé que não está nem aí pra nada…




Essas características são marteladas o tempo todo na nossa cabeça, com destaque negativo para a Shinigami na forma de fantasminha, que é absolutamente incapaz de evitar fazer piadinhas idiotas independentemente do contexto. É uma tentativa triste de humor que cansa rápido e jamais vai embora, não importa o quão séria a situação seja.

Exceto por Yuma, são raríssimos os momentos em que o elenco de Rain Code demonstra algum traço genuíno de desenvolvimento — e não vou nem me estender na artificialidade dos nomes dessa galera, com alguns exemplos que parecem ter sido inspirados em personalidades da indústria de entretenimento adulto.

Tenha fé, meu caro amigo detetive!

Se depois de toda essa malhação de Judas que eu fiz sobre Rain Code você ficar com a impressão de que ele não vale a pena caso já tenha jogado a trilogia Danganronpa, me permita deixar a recomendação de experimentar por conta própria se você tiver a oportunidade.

Apesar de todos esses problemas, não deixou de ser empolgante estar de volta a um ambiente de investigação e mistério, em que eu passo os casos imaginando as reviravoltas que poderiam acontecer. A curiosidade para com a criatividade das narrativas dos casos que compõem cada capítulo da campanha é um ponto que vale a pena ser considerado, e isso varia de jogador para jogador.




Talvez você consiga lidar com os personagens chatos e os minigames reciclados melhor do que eu, talvez não. A questão é que eles não invalidam completamente a experiência. Ainda há uma história a ser contada, e cabe a cada um de nós descobrir o quão atraídos pelos seus desdobramentos nós podemos ser.

Master Detective Archives: RAIN CODE é um título “assombrado” por um legado considerável antes mesmo de tomar forma na cabeça da sua equipe de desenvolvimento. Pessoalmente, achei o produto final muito aquém de tal legado, mas consigo compreender em parte os desafios criativos pelos quais a Spike Chunsoft passou e, caso surja um novo game no horizonte, mantenho minha fé nessa turminha que adora um sangue rosa.

Prós:

  • Apesar de todos os problemas, a trama policial recheada de mistérios remete aos bons momentos de investigação da trilogia principal de Danganronpa.

Contras:

  • Se escora demais no legado de Danganronpa, com uma reciclagem descarada de muitas das mecânicas e ideias da franquia;
  • O infame Jogo de Forca está de volta, e o único minigame de fato inédito se resume a apertar os botões correspondentes no timing certo;
  • As missões paralelas são extremamente enfadonhas, existindo apenas para dar a opção de um grinding igualmente enfadonho;
  • Um elenco de personagens dolorosamente planos e estereotipados, com clichês bobos e um destaque negativo para a Shinigami na forma fantasma, que faz piadas idiotas sem parar, independentemente da seriedade da situação.
Master Detective Archives: RAIN CODE — Switch — Nota: 5.5
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Spike Chunsoft

Apaixonado por jogos desde criança, principalmente pela Nintendo. Seja Indie ou AAA, os videogames vão estar sempre no meu coraçãozinho, com um espaço especial para multiplayers!
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