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Análise: The Cosmic Wheel Sisterhood (Switch) é uma aventura inspiradora sobre cartas, irmandade e destino

O novo jogo da Deconstructeam traz uma experiência provocadora, mágica e envolvente.

A Deconstructeam é uma desenvolvedora espanhola cujas obras costumam ser inspiradoras em sua forma de ver o mundo com uma boa dose de empatia e questionamento. The Cosmic Wheel Sisterhood é o mais novo jogo da equipe, oferecendo uma experiência que, embora totalmente sobrenatural, se conecta intimamente com a realidade em sua discussão filosófica de questões fundamentais para a vida humana.

Isolamento, tabu e reconstrução

The Cosmic Wheel Sisterhood conta a história de Fortuna, uma bruxa cujos poderes místicos giram em torno do uso do tarô. Porém, um dia, uma de suas leituras predisse o fim da agregação à qual ela faz parte. Como resultado, a líder Aedana decidiu exilá-la por um milênio, forçando-a a viver isolada em um asteroide.

Após duzentos anos de isolamento, o estado psicológico de Fortuna já havia sido reduzido a frangalhos e ela decidiu ir contra um grande tabu da sociedade das bruxas: invocar um Behemoth. O contato com esses seres é considerado uma das maiores heresias que se pode cometer, já que eles causaram grandes catástrofes com seus poderes muito além da compreensão.

Mesmo com os riscos envolvidos, Fortuna invoca Ábramar e juntos eles começam a montar um novo baralho mais poderoso e livre do que o tarô. O processo envolve a absorção e o uso de quatro elementos (vento, água, terra e fogo), sendo necessário também que Fortuna responda a questões sobre suas ambições para firmar o contrato com o Behemoth.

Suas escolhas são importantes para ajudar a nortear o futuro de Fortuna, sendo também necessário escolher o preço que precisará ser pago ao final da jornada. Além desse início, a história é marcada por vários encontros com outras bruxas, momentos nos quais é necessário fazer escolhas e ajudá-las com a leitura das cartas.

Um tarô personalizado

Um aspecto fundamental de The Cosmic Wheel Sisterhood é sua simulação de tarô. Nossa protagonista constantemente usa as cartas não apenas para ver o futuro, mas também como uma forma de entender o mundo caótico à sua volta. As leituras são como uma extensão dos seus próprios sentidos, um aspecto muito fundamental da sua identidade.

Graças a Ábramar, Fortuna tem a chance de criar o seu próprio baralho, o que se reflete em uma mecânica própria do jogo. Podemos escolher três elementos que serão a base de cada carta: esferas (um fundo), arcanas (uma figura de personagem em destaque) e um símbolo místico para adorná-la. Cada um desses itens custa energia mágica associada a elementos específicos que afetam as leituras associadas àquela carta.

Assim como no tarô, cada carta está aberta a múltiplas interpretações, que aparecem para o jogador como escolhas. O resultado é um elemento de imprevisibilidade que afeta quais opções estarão disponíveis sem que isso necessariamente deixe o jogador completamente limitado à sorte.

Casos de empatia

De forma geral, a narrativa de The Cosmic Wheel Sisterhood é bastante interessante, em especial por retratar de forma muito sensível, madura e profunda a sua visão de mundo. Trata-se de uma história sobre os valores de cada um, a vida em comunidade, as conexões místicas que formamos ao conviver em comunidade e as responsabilidades que temos pelas nossas próprias ações.

Isso é refletido nas constantes escolhas que fazemos na trama e a forma como elas possuem um impacto real de uma forma ou de outra. Infelizmente, algumas decisões, especialmente no final, podem gerar um pouco de conflito e não sair exatamente como esperado, o que dá a sensação de que elas foram ignoradas, porém esses defeitos são pequenos diante da experiência como um todo.

Um dos maiores pesos da trama é a forma como ela retrata os personagens. Ao longo do jogo, conhecemos várias bruxas, cada uma com detalhes muito curiosos de personalidade, seja por seus dramas e ambições pessoais/coletivas, seja pelas suas ideologias e camadas que fazem delas muito mais do que podem parecer a princípio. Mesmo aquelas personagens que aparecem muito rapidamente são marcantes, carismáticas e inesquecíveis.

Nesse sentido, vale a pena destacar a alta qualidade dos aspectos audiovisuais do jogo. A pixel art de The Cosmic Wheel Sisterhood é vibrante e cheia de detalhes, muito charmosa e de uma personalidade indiscutível. Seja na visão isométrica do exílio de Fortuna ou nos quadros laterais que revelam uma visão mais nítida dos personagens em zoom (como se estivessem sentados à nossa frente), tudo é muito bem-feito, deixando transparecer o carinho da equipe.

A trilha sonora da compositora fingerspit também merece destaque. As mais de 30 faixas são fundamentais para o impacto emocional da experiência e há várias músicas-tema associadas às personagens, representando muito bem os aspectos das suas personalidades, como o conforto e doçura da florista Jasmine.

Por fim, gostaria de destacar dois pequenos defeitos que podem afetar a experiência do jogo. Primeiramente, sistemas de qualidade de vida como log, skip e auto estão ausentes, dificultando a navegação pelos textos. Além disso, só há a opção de autosave, o que faz com que explorar rotas alternativas demande mais esforço do jogador do que em visual novels e obras narrativas que oferecem saves manuais ou outra forma de voltar a trechos específicos da trama.

Bem-vinda à irmandade

The Cosmic Wheel Sisterhood
é mais uma obra narrativa imperdível da Deconstructeam, oferecendo um nível de sensibilidade, coesão e profundidade bem difícil de encontrar no mercado. A narrativa bem escrita, os aspectos audiovisuais de alta qualidade e as mecânicas únicas se juntam em uma experiência impactante e que merece destaque.

Prós

  • Narrativa profunda, sensível e muito bem escrita sobre conexões místicas, valores e responsabilidades;
  • A mecânica de ler as cartas é um mecanismo interessante para ramificar a narrativa;
  • As escolhas possuem peso real na trama, dando ao jogador o senso de responsabilidade pelo que acontece;
  • Personagens carismáticos que parecem existências reais com suas facetas, dramas e ambições;
  • O sistema de criação de baralho permite muitas combinações curiosas de elementos gráficos com os devidos impactos na interpretação das cartas;
  • Pixel art charmosa, colorida, vibrante e cheia de personalidade;
  • Trilha sonora envolvente muito bem utilizada para reforçar o impacto emocional da experiência e a personalidade dos indivíduos que conhecemos.

Contras

  • Algumas escolhas, especialmente no final, podem não ter o impacto correto na narrativa;
  • Ausência de log, skip, auto e outros sistemas de qualidade de vida;
  • O uso exclusivo de autosave dificulta a exploração de rotas alternativas.
The Cosmic Wheel Sisterhood — Switch/PC — Nota: 9.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Devolver Digital

é formado em Comunicação Social pela UFMG e costumava trabalhar numa equipe de desenvolvimento de jogos. Obcecado por jogos japoneses, é raro que ele não tenha em mãos um videogame portátil, sua principal paixão desde a infância.
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


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