Jogamos

Análise: Rising Dusk (Switch) é uma excelente combinação de simplicidade e criatividade

Um inventivo conceito principal e uma temática muito bem trabalhada são o coração deste plataforma subversivo.



Como não se apaixonar por games que nos surpreendem ao inovar conceitos há muito tempo estabelecidos? O frescor de uma experiência inédita é algo que nós estamos sempre buscando, de títulos com escopos megalomaníacos a jogos de estúdios compostos por equipes diminutas.


Eis que, no apagar das luzes de 2023, eu descubro a existência de Rising Dusk, que foi lançado para PC e Mac em 2018 e somente agora, em dezembro deste ano, chegou aos consoles. Como se trata de um título desenvolvido por um estúdio composto literalmente por uma só pessoa, a demora é compreensível, e para os que esperaram todos esses anos, imagino que a espera tenha valido a pena, pois trata-se de um platformer singular dentre seus pares.

Mais um caso de criança desatenta confiando em estranho

Sinceramente, não prestei muita atenção no enredo de Rising Dusk, mas para os curiosos de plantão, ele conta a história de Tamako, uma jovem curiosa que, durante um belo pôr do sol, avista um espírito que surge do nada e resolve segui-lo, acabando por ficar presa em um mundo desconhecido cheio de yokais, tradicionais criaturas do folclore japonês. Agora, ela precisa dar um jeito de evitar as ameaças monstruosas e retornar ao seu mundo.




Ainda no espírito da sinceridade, confesso que um dos motivos pelos quais eu não me importei com essa trama é a ausência de uma comunicação visual mais clara sobre o que está acontecendo. Não há uma narração ou sequer legendas dispostas durante a cena de abertura — Aliás, também está ausente o português como opção de idioma, o que não é de todo mal, já que o pouco texto presente pode ser facilmente traduzido em dois segundos de Google.

Agindo contra os impulsos capitalistas

A supérflua trama de Rising Dusk, que já não é grande coisa por si só, é instantaneamente esquecida logo na fase de tutorial, que nos ensina de maneira simples e direta a ideia que sustenta toda a gameplay aqui: o anticolecionismo. Quem já jogou qualquer Mario da vida sabe que há um grande foco em coletar moedas douradas para acumular vidas, certo? Aqui, o conceito da ganância monetária é virado de cabeça para baixo.

Ao longo das fases, estão espalhados vários blocos com uma característica curiosa: se Tanako tiver coletado moedas correspondentes ao número disposto em um determinado bloco, o contato fará com que ele desapareça; ou seja, o chão pode literalmente sumir sob seus pés se você não tomar cuidado com o dinheirinho que cata pelo caminho.




Graças a esse conceito maravilhosamente subversivo, o desenvolvedor Lukas Stobie, australiano que mora no Japão, consegue transformar o que sempre foi um objeto de desejo dos jogadores de plataformas em um inconveniente totalmente inesperado. Baseadas nisso, as fases da campanha foram projetadas como verdadeiras pistas de obstáculos, e não tem como não sentir uma irritação a cada moedinha coletada, seguida de uma vontade de rir pelo mesmo motivo.

A quebra de paradigmas não para por aí, se estendendo também aos inimigos, que, ao invés de causar dano à protagonista, buscam empurrá-la em direção às moedas ou ao buraco mais próximo. Até os chefões da campanha entram no espírito da brincadeira.

Em um jogo no qual, na maior parte do tempo, a única forma de morrer é caindo rumo ao abismo, precisamos mudar um pouco a mentalidade de evitar todo e qualquer contato, já que nem sempre eles resultam no nosso fim; por outro lado, a ausência de adversários mais mortíferos implica em um cuidado redobrado com a movimentação da protagonista.




A criatividade do level design de Rising Dusk merece todos os elogios, pois, ainda que não invente a roda, consegue proporcionar momentos de satisfação e surpresa em quase todas as fases — digo “quase” porque um ou outro estágio não escapa de ser desinteressante, entediante ou simplesmente chato de concluir.

Outros dois grandes responsáveis pelo alto nível de qualidade deste projeto de um homem só são a temática inspirada em lendas do folclore japonês e a belíssima pixel art que inevitavelmente evoca os clássicos do gênero.

Se você nunca esteve familiarizado com seres como os kappas ou os kasa-obakes, esta é uma excelente oportunidade de conhecer algumas das mais fascinantes criaturas mitológicas da cultura nipônica. O próprio site oficial do jogo cita o inigualável Studio Ghibli como uma de suas inspirações, e é exatamente essa a sensação que esse mundo sobrenatural passa a todo instante — ou seja, é tudo absurdamente belo de apreciar, até mesmo as mais grotescas criaturas.



Colecionistas, não temam!

Mesmo com o anticolecionismo sendo a estrela do show, Rising Dusk não deixa de lado os fanáticos inveterados pela escola tradicional de recolher e acumular objetos, salpicando a jornada de Tamako com dois tipos diferentes de souvenirs.

Os salvadores da pátria são os maneki-nekos, mais conhecidos como gatinhos da sorte, que servem para desbloquear níveis especiais com um nível de desafio mais elevado; e uma coleção de fitas cassete que dão acesso às faixas da sensacional trilha sonora do jogo, que eu espero um dia ver disponível em alguma plataforma por aí (alô, senhor Lukas Stobie, vamos fazer acontecer!).




Além desses itens, estão espalhados pelas fases alguns penduricalhos relacionados a uma série de missões de coleta e entrega. Infelizmente, é aqui que a falta de comunicação mencionada lá no começo volta para assombrar os exclusivamente falantes da língua portuguesa, pois, para saber o que certos personagens estão nos pedindo, precisamos entender o que eles estão falando. Porém, entretanto, contudo, todavia, conforme eu disse, são frases simples, de fácil tradução; portanto, basta abrir o tradutor ou consultar o dicionário mais próximo.

Vem sem medo, que os fantasmas não mordem, só empurram

Rising Dusk não faz rodeios: ele mete o pé na porta, aparece, cumpre muito bem o seu papel e encerra sua jornada sem demora. A curta campanha deste platformer lindo, formoso e criativo é reflexo do trabalho de um artista com um evidente conhecimento do universo dos videogames e uma vasta bagagem cultural que ele aplicou em sua obra com o devido conhecimento de causa.

Aqui não tem segredo: se você curte títulos de plataforma, prepare-se para experimentar em primeira mão um pequeno notável do gênero.

Prós:

  • Uma mecânica principal extremamente criativa e subversiva, que abre caminho para que o resto da gameplay brilhe de maneira única;
  • A quebra de paradigma se estende aos inimigos e chefões, que atuam de maneiras atípicas para jogos do gênero e exigem do jogador uma mentalidade de jogo diferente;
  • As inspirações em lendas do folclore japonês e no trabalho do Studio Ghibli, além de uma bela pixel art e trilha sonora, ajudam o conjunto da obra a se destacar ainda mais;
  • Tem uma justa cota de objetos colecionáveis, com recompensas satisfatórias.

Contras:

  • Algumas fases não escapam de ser pouco interessantes, pra não dizer entediantes e irritantes;
  • Falta de uma comunicação mais clara em relação ao enredo do jogo e alguns objetivos paralelos inseridos na campanha principal;
  • Ausência do português como opção de idioma.
Rising Dusk — Switch/PC/PS4/PS5/XBO/XSX — Nota: 8.0
Versão utilizada para análise: Switch
Revisão: Juliana Paiva Zapparoli
Análise produzida com cópia digital cedida pela Shinyuden

Apaixonado por jogos desde criança, principalmente pela Nintendo. Seja Indie ou AAA, os videogames vão estar sempre no meu coraçãozinho, com um espaço especial para multiplayers!
Este texto não representa a opinião do Nintendo Blast. Somos uma comunidade de gamers aberta às visões e experiências de cada autor. Escrevemos sob a licença Creative Commons BY-SA 3.0 - você pode usar e compartilhar este conteúdo desde que credite o autor e veículo original.


Disqus
Facebook
Google